30.12.05

NATAL BLUES


1. Nas estatísticas e nos números das publicações oficiais a realidade não mente: de Agosto de 2004 para Agosto de 2005, o número de beneficiários do rendimento de inserção social (o velho rendimento mínimo garantido) aumentou 40% nos Açores; somos mesmo a região do país com a mais elevada taxa de atribuição deste subsídio, face ao número de habitantes.

A normalidade de funcionamento do sistema educativo não serve de desculpa, nem consegue disfarçar o incómodo de pais, professores e educadores pelas elevadas taxas de insucesso escolar nestas ilhas. Os Açores têm a mais elevada taxa de insucesso escolar do país, do 2º ao 9º ano de escolaridade. Por exemplo, no segundo ano de escolaridade, a taxa de retenção nos Açores é 29,57%, enquanto a média nacional é de 14,9%; no 5º ano de escolaridade, a média nacional é de 14,5% e a média regional é de 20,05%

A taxa de desemprego, ao longo de 2005, manifesta uma tendência de subida consistente, situando-se nos 4,2%, valor mais elevado dos últimos dois anos, num sinal claro de deterioração do clima económico, disfarçado nos milhões anunciados todos os dias, na hora do telejornal.

O Dr. Weber Machado, responsável da Caritas em São Miguel, nas páginas deste jornal, há uns dias atrás, denunciava o facto dos apoios à habitação concedidos pelo Governo Regional não estarem ser dirigidos para os estratos populacionais que deles mais precisam.

As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens instauraram em 2004 cerca de doze mil processos de acompanhamento de crianças e jovens, de acordo com números oficiais do Ministério da Justiça. Os Açores são a região do país com a mais elevada percentagem de situações de perigo para crianças e jovens.

2. Os Açores reais estão longe dos Açores ficcionados pela manipulação dos números, das contas, dos saldos e dos milhões, que afinal são apenas tostões.

Os Açores do dia-a-dia não têm nada a ver com o gasto perdulário de centenas de milhões euros em obras públicas de duvidosa vantagem económica para a Região, como o longo e mal explicado processo das SCUT’s ou a coqueluche do regime: o cais de cruzeiros, em Ponta Delgada. Em ambas as obras, o Governo Regional prepara-se para gastar apreciáveis recursos financeiros, hipotecando os orçamentos regionais dos próximos anos, sem que se conheçam os estudos financeiros de suporte a estas opções.

As SCUT’s e o cais de cruzeiros são a OTA e o TGV do Governo de Carlos César.

3. Como vão as coisas? Andando! A expressão é comum e revela a atitude típica dos tempos que correm. Andando, pois sim! Estamos todos desatentos, pouco interessados em debates que a cidadania nos impõe e que as opções relativas ao nosso futuro colectivo exigem. É sempre mais fácil deixar andar, como se não houvesse prioridades na nossa vida comum.

4. E o Natal? Pois, o Natal. A nova consola "psp" é fabulosa. É verdade que os jogos da "playstation – 2" não correm nela. Mas, não tem grande importância. Por cinquenta euros compramos um novo jogo. Ah, é verdade: os novos vêm nuns cd’s mais pequenos dos que os anteriores! Neste Natal já podemos ter o nosso próprio vulcão doméstico. Por quarenta euros, construímos em casa – não é recomendável a construção no quarto ou na sala, não vá o diabo tecê-las – um vulcão particular, controlado, que não provoca muitos estragos. E um novo telemóvel? Da geração 3G, com MP3, câmara fotográfica e de filmar, multi-funções. Por duzentos euros, podemos aceder a um novo céu tecnológico.

5. Andando? Pois claro. Estamos no Natal, que não já não é quando o homem quiser, mas quando o comércio impõe. Reparamos, até por um evidente sentimento de anacronismo, que o velho presépio lá de casa, precisa de ser renovado. Há uns agora, quase high-tech, sofisticados, modernaços que combinam com as árvores de natal plásticas, com as suas luzinhas com sensores incorporados que acendem apenas com o movimento na sala.

6. A história que contamos aos nossos filhos dum menino que nasceu em Belém, numa gruta, rodeado de animais e adorado por três reis magos e por pastores parece não fazer muito sentido.

Passados estes anos, continuo a gostar daqueles três homens, que guiados apenas pela vontade dum encontro, se puseram a caminho, sem saberem o que iriam encontrar.

Um Santo Natal!
Publicado na edição de 21 de Dezembro de 2005 do Açoriano Oriental

14.12.05

CARTOLAS, COELHOS E CONGRESSOS




1. O XVI congresso do PSD é realizado num momento especialmente difícil – uma segunda crise de liderança em menos dum ano, depois duma derrota pesada em eleições regionais, apenas suavizada com o resultado eleitoral das últimas eleições autárquicas. A actual crise de liderança, sendo inesperada do ponto de vista imediato, acaba por se inserir num contexto mais vasto de posicionamento dum partido com vocação de poder regional, remetido há dez anos para a condição de maior partido de oposição.
A crise do PSD, vista à luz do percurso que um partido de oposição tem de fazer para chegar ao poder, é quase incontornável. Aconteceu no PS dos Açores, antes da sua chegada ao poder e verifica-se em todos os partidos do arco democrático.

2. A especificidade regional – ou melhor, a especificidade das Regiões Autónomas – é que os ciclos de poder regionais – logo de oposição – têm uma duração muito superior à média nacional. Com excepção dos Governos de Cavaco Silva, apenas António Guterres conseguiu governar Portugal por um período de pouco mais de cinco anos. A longevidade dos ciclos de poder regionais desgasta brutalmente os partidos da oposição, quer pela própria natureza do tipo de poder exercido, quer pela circunstância do manto de quase-invisibilidade que se abate sobre os partidos na oposição. Como já escrevi, por diversas vezes até, um dos sinais da falta de qualidade da democracia nos Açores é que os factos oriundos do poder ou gerados pelo poder são sempre notícia, enquanto os da oposição sofrem dum acentuado desvalor mediático e comunicacional. Se dúvidas houvessem sobre esta matéria, bastaria confrontar a cobertura mediática dos trabalhos parlamentares regionais, com o conteúdo da sua transmissão integral, através do portal da Assembleia Legislativa.

3. Apesar das dificuldades inerentes à condição de partido de oposição, o PSD, em momentos de realização de congresso, continua a despertar na comunicação social e na opinião pública, uma curiosidade natural, em contraste com o que sucedeu, há bem poucas semanas, com o congresso dos socialistas açorianos. O PSD, talvez pela sua génese de partido interclassista e com uma forte penetração na sociedade, é o partido que consegue mais consegue mobilizar a atenção pública em momentos de congresso ou de eventos da mesma dimensão ou natureza.
Neste congresso, apesar duma crise de liderança, há em discussão cinco moções de estratégia global, o que constitui um bom indício dum debate a que os sociais-democratas não devem fugir: a de escolhas políticas para o futuro próximo, com o objectivo de consolidar uma alternativa de governo ao PS.

4. Por isso mesmo, a escolha da próxima direcção política do PSD não é indiferente, como nunca são indiferentes as escolhas em política. Não é indiferente escolher um ou outro candidato à liderança do PSD, como não será indiferente adoptar uma ou outra das moções que ambos subscrevem.
As ideias em política têm protagonistas e destinatários. Aos olhos dos destinatários – os Açorianos e todos os eleitores – a credibilidade das propostas políticas está indissociavelmente ligada ao rosto dos dirigentes que as interpretam e lhes dão corpo. O modo como os Açorianos olharão para o PSD após o congresso tem muito a ver com a personalidade escolhida para o liderar e liderar a oposição durante os próximos anos. Em tese, todos os militantes podem aspirar a liderar um partido e é legítimo que, tendo essa ambição, tudo façam para satisfazer. Porém, nem todos têm condições – pessoais, de percurso ou políticas – para serem líderes.
Um congresso não é um exercício de magia, no qual o mágico tira do chapéu o coelho que entusiasma a plateia e faz esquecer, por breves instantes, que tudo não passa duma ilusão.

5. As opções que se discutem neste congresso, são contingentes como o é a actividade política: do mesmo modo que ninguém pode dizer o que sucederá no próximo ano, no partido do poder ou no maior partido da oposição, também ninguém poderá dizer que o futuro seria deste ou daquele modo, se "aquela" personalidade se tivesse candidatado. A história virtual do futuro é interessante, mas não passa dum exercício especulativo.

Lembrando Cassius Clay, quando falava das qualidades dum boxeur, o PSD tem de sair deste congresso a voar como uma borboleta e a picar como uma abelha.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 14 DE NOVEMBRO DE 2005 DO AO

7.12.05

ACERTAR O TEMPO COM A HISTÓRIA




1. O espaço político-mediático do país já é dominado pelas eleições presidenciais, com a inevitável aceleração do tempo político, em resultado dos debates entre os candidatos e o início das "voltas" pelo país.

No ordenamento jurídico-constitucional português, o Presidente da República é o único órgão de soberania unipessoal, o que releva de modo especial para a escolha da personalidade que os eleitores desejam que ocupe essa função num mandato de cinco anos.

A eleição do Presidente da República não se presta às tradicionais confusões resultantes da personalização da vida político-partidária nacional em eleições legislativas (nacionais ou regionais): elegemos Deputados aos parlamentos ou escolhemos chefes de governo. Aqui não há dúvidas: os candidatos valem por si, pela sua personalidade, pelo seu percurso, por aquilo que podem oferecer ao País, mas sobretudo, em função da percepção que o eleitorado tem, num determinado momento do ajustamento de cada personalidade política ao circunstancialismo em que decorre a eleição. Parafraseando Ortega e Gasset, os candidatos são eles próprios e as suas circunstâncias.

2. A personalidade do candidato é sempre determinante numa escolha desta natureza. Podemos preferir um candidato para discutir connosco livros e viagens, ou preferir outro para caçar ou pescar, ou ainda outro para divagar sobre os problemas do mundo contemporâneo ou mesmo um outro para nos seduzir pela sua visão pessoal do mundo sobre as grandes narrativas ideológicas, mas apenas poderemos escolher um, sob o único prisma possível: o que gosto num Presidente da República? O que espero dum Presidente da República?

3. O passado político dos candidatos é relevante para a construção da ideia colectiva que o eleitorado deles faz e para a determinação dum sentido provável de voto. Neste domínio estão todos em pé de igualdade, com excepção de Mário Soares, que já foi Presidente da República durante dois mandatos. Sobre ele, o juízo eleitoral é bem mais esclarecido: resulta, não apenas, dum longo percurso político, mas dum percurso político que inclui o desempenho do cargo ao qual volta a candidatar-se.

O juízo eleitoral sobre a candidatura de Mário Soares é bem mais severo: o eleitorado já sabe como ele se comporta enquanto Presidente da República, sabendo, também, que o seu desempenho não foi igual durante os dois mandatos.

No seu segundo mandato, para que conste, a organização do "Congresso Portugal Que Futuro?" e a realização dum conjunto de presidências abertas cirurgias – de que foi expoente a presidência aberta em Lisboa - obedeceram a uma ideia pré-estabelecida: a de afrontar politicamente um Governo legítimo, dirigido pelo Primeiro-Ministro que hoje é um dos seus adversários na corrida presidencial.

O teórico da "magistratura de influência", foi, no seu segundo mandato, o Presidente da conveniência e não o garante da estabilidade do equilíbrio de poderes, entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro.

4. A minha opção nestas eleições presidenciais é absolutamente racional: apoio Cavaco Silva para Presidente da República, com a legitimidade acrescida de, no passado, ter discordado de algumas das medidas dos seus governos em relação aos Açores.

Porém, nestas eleições não escolhemos um Primeiro-Ministro, nem julgamos os comportamentos que já foram objecto de aplauso ou de sanção eleitoral.

Cavaco Silva, no momento difícil que Portugal atravessa, é o candidato que oferece uma garantia acrescida de serenidade e de distanciamento face à política partidária.

Cavaco Silva como Presidente da República funcionará como um estabilizador "automático" da vida institucional portuguesa, pelas características da sua personalidade.

Esse facto, por si, só é indutor duma confiança que há muito abandonou o Palácio de Belém.

30.11.05

OUTROS FUTEBÓIS




1. Com a placidez do costume, a maioria parlamentar socialista na Assembleia Legislativa aprovou o plano e orçamento para 2006. A argumentação do Governo começa a ser recorrente: "o maior investimento de sempre" associado ao facto de não haver aumento do endividamento directo da Região., com uma "diminuição da despesa corrente". Com a chegada de Sérgio Ávila ao Governo Regional, a discussão das finanças públicas situa-se entre a exibição repetida de gráficos que ilustram as supostas "performances" económicas e o tom altaneiro de quem não deve dar explicações à oposição.

2. Sendo este o segundo orçamento que esta equipa das Finanças prepara, seria de esperar mais serenidade e seriedade no debate, pois é disso que as finanças públicas regionais precisam. Não é possível fazer uma discussão sobre o desenvolvimento dos Açores e sobre as opções económico-financeiras, com base em "meia-dúzia" de chavões que os membros do Governo Regional com responsabilidade nestas áreas se habituaram a reproduzir, qualquer que seja o auditório e, sobretudo, no Parlamento Regional.

3. Como escreveu Eça de Queiroz, "a ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso". A discussão dum plano e dum orçamento, no momento económico que o país e a região atravessam, tem de atender às opções de governação política, à escolha entre a dimensão do investimento público e o espaço deixado ao investimento público, às políticas públicas de promoção do investimento reprodutivo e de valorização da nossa base económica, a uma decisiva aposta nas novas tecnologias, ao peso da despesa corrente na despesa pública, à política de desorçamentação através de sociedades anónimas que apenas são centros de despesa e nada mais.

À esquerda e à direita do Governo, reputados economistas – alguns dos quais desempenharam até relevantes funções públicas e no sector público empresarial regional – vêm chamando a atenção para o estado da despesa pública regional, para as opções de investimento e para o fenómeno da criação de empresas periféricas ao orçamento regional, subtraídas ao controlo democrático do parlamento, as quais acumularão, no final de 2005, uma dívida superior a 150 milhões de euros.

4. Como pano de fundo, temos agora a opção pela revisão da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, apressada pelo facto do Governo da República – pela primeira vez – ter aplicado o regime da Lei de Estabilidade Orçamental. Sem qualquer reflexão adicional, sem um consenso com os partidos da oposição na Região, o Governo Regional ensaia mais uma fuga em frente, preconizando uma rápida revisão daquela lei, para consumo interno regional e imediato, sem acautelar o que o orçamento de Estado para 2006 em discussão na Assembleia da República pretende negar: um aumento dos meios financeiros colocados à disposição da Região, como forma de proporcionar um desenvolvimento mais rápido que nos permita uma aproximação ao nível médio de desenvolvimento do país.

5. A pressa com que o Governo Regional arrumou o diferendo com o Governo da República em matéria de acertos de transferências financeiras para os Açores é bem reveladora da angústia dos socialistas açorianos. Apesar da cordial recepção de que José Sócrates foi alvo no último congresso do PS, apesar dos elogios que o Primeiro-Ministro fez a Carlos César, a verdade é que, na espuma das notícias, fica um dos mais profundos e contundentes embates entre governos socialistas dos Açores e da República.

6. "Os números dizem o que um homem inteligente quiser que eles digam". A velha frase que todos os economistas conhecem não pode ser o biombo atrás do qual se esconde um ambiente económico regional pouco saudável, no qual até a área do turismo – sempre exibida como expoente máximo – começa a dar sinais preocupantes: as taxas de rentabilidade por cama baixam e a taxas de ocupação em algumas ilhas – como a Terceira – roçam já o dramatismo.

Isto não é como no futebol: o que é verdade agora, pode ser mentira amanhã!

27.11.05

O GOVERNO REGIONAL E A COMUNICAÇÃO SOCIAL



O Governo Regional, através do Secretário Regional da Presidência – governante com a tutela da comunicação social – apresentou publicamente uma proposta de Decreto Legislativo Regional que estabelece os apoios da Região aos órgãos de comunicação social.

Nove anos depois, o Governo Regional do PS resolve proceder a uma profunda alteração ao modelo de apoio da Região aos órgãos de comunicação social, sem encontrar uma solução equilibrada ou satisfatória.

Até no capítulo em que o Governo Regional se arroga como campeão – o do diálogo – o Secretário Regional da Presidência falhou. Apresentou um pacote de medidas sem ouvir os órgãos de comunicação social regionais, apenas encetando um processo de auscultação depois da sua proposta já ser pública.

Com a designação genérica de "Promedia", o sistema de apoios que o Governo Regional propõe revela as contradições socialistas quanto à política de apoios à comunicação social regional.

Em 10 de Maio de 2002, o Presidente do Governo Regional, na Sessão de Abertura das I Jornadas de Comunicação Social dos Açores dizia: "Encontra-se, por isso, em fase de ultimação, um conjunto de alterações à legislação actual sobre os apoios públicos à comunicação social privada regional e local, no sentido de lhe conferir um mais acentuado carácter de complementaridade relativamente à legislação nacional, conferindo mais peso aos apoios destinados a alguns custos de produção não contemplados no sistema nacional, como o papel, no caso dos jornais e as comunicações e a energia eléctrica, em prejuízo dos portes postais e da aquisição de equipamentos".

Em 28 de Fevereiro deste ano, o recém-empossado Secretário Regional da Presidência, em entrevista ao "Açoriano Oriental" dizia: "não compreendo que, hoje em dia, possa haver o pagamento ou, pelo menos, a previsão em termos legais (…) de que se deve subsidiar os custos telefónicos.", acrescentando ainda que as alterações a apresentar devem "privilegiar (…) as despesas de investimento para melhorar, do ponto de vista estrutural, o funcionamento da própria empresa".

Entre uma e outra declaração passaram menos de três anos. Nesse período de tempo, o Presidente do Governo foi o mesmo e maioria parlamentar socialista manteve-se estável.

De resto, e sem querer ir tão longe no tempo basta recordar as mais recentes declarações do Secretário da Presidência a propósito do anunciado corte de apoios ao transporte de revistas e publicações de natureza temática e de especialidade, pelo Governo da República.

De forma contundente, como seria de esperar, o Secretário Vasco Cordeiro, veio insurgir-se contra esta medida invocando, com razão, que o preço de tais publicações tem de ser idêntico em todo o país porque os açorianos não são consumidores de segunda.

Este novo "episódio" com a República vem, no mínimo, demonstrar que o Governo tem dois critérios na avaliação dos apoios à comunicação social e o que defende junto da República não é o que pratica na região.

O que mudou então? Mudou a percepção do Governo Regional sobre a comunicação social privada. Em nome da revisão do sistema de apoios aos media regionais, o Governo Regional, pela mão de Vasco Cordeiro, aplica a lógica do garrote financeiro às empresas de comunicação social que, num mercado exíguo, com um número reduzido de leitores – no caso da imprensa escrita – precisam do apoio da Região em, pelo menos, três áreas essenciais: modernização tecnológica, aquisição de papel (no caso dos jornais e revistas) comunicações e telecomunicações.

A dimensão do mercado ou melhor, dos nossos nove pequenos mercados, o afastamento em relação ao continente, a dispersão geográfica do arquipélago, a dependência dos serviços de comunicações ou telecomunicações constituem handicaps permanentes no sector da comunicação social que justificam apoios supletivos e diferenciados em relação ao sistema nacional de apoios.

Não perceber isto, é ignorar uma realidade que o actual sistema de apoios à comunicação social entendeu na perfeição em 1994. Não que este sistema seja perfeito, mas pelo menos teve a virtude de permitir uma reconhecida evolução tecnológica dos nossos órgãos de comunicação social e de permitir um conjunto de apoios que se revelaram fundamentais para a expansão dos media nos Açores.

O programa "promedia" é, não o reflexo duma política de Estado, mas o exercício da prerrogativa da conveniência. O "promedia" é, afinal, contra-media!

15.11.05

UMA QUESTÃO DE ATITUDE


1. O Partido Socialista dos Açores vai realizar mais um congresso, sob o signo da continuidade. Continuidade do actual líder, continuidade das políticas seguidas na governação dos Açores, continuidade ao nível dos dirigentes, com uma ou outra excepção, apenas para dar cobertura ao discurso da renovação, continuidade na atitude face aos problemas e ao modo de os resolver.

O PS tem um congresso que não é notícia. Alguns dirão que tal facto resulta da maturidade democrática dos socialistas açorianos. Porém, prefiro pensar que, quando o congresso do partido que está no poder não é notícia – para o confirmar basta olhar as páginas dos jornais mais recentes – então é porque a vida interna, partidária, não possui capacidade de regeneração e de produção de novas ideias.

2. Sejamos justos: do XII congresso do PS sabemos apenas que a moção de estratégia subscrita por Carlos César consagra uma "nova abordagem" à sociedade, simbolizada na criação dum cartão de simpatizante. Extraordinário proposta, que institucionaliza o que não deve ser – por definição – institucionalizado. A proposta revela, isso sim, um outro tique que o PS vem desenvolvendo e acentuando nos últimos anos: a ideia de controlo da vida em sociedade, nos seus mais diversos níveis: da pequena associação local, à grande sociedade de capitais públicos, do modesto cidadão, a quem o apoio do Estado é conferido com um sinete de favor público, ao cidadão ilustre, designado para representar a Região numa qualquer comissão de estudo, do simples comerciante, honesto concessionário dum posto de abastecimento de combustível numa das nossas pequenas ilhas, que vive na angústia de deixar de vender gasolina para os carros oficiais ao grande empresário, ágil na economia dos interesses…

Em relação a todos, o PS apurou um instinto de intervenção, larvar, próprio da sua matriz jacobina, que o lava a conviver mal – muito mal – com a crítica, venha ela de onde vier.

Se a crítica provier da Assembleia Legislativa, logo será abafada pelo peso da maioria, que não se move em direcção a lado nenhum, porque a sua função é apenas a votar; se o tom crítico provier de algum jornal ou de peça jornalística, a resposta é dada pelo torniquete financeiro da publicidade colocado (como se viu contado nas páginas dos jornais, durante esta última campanha); se o reparo provier dos autarcas, o preço a pagar será facturado em obras públicas que nunca se realizam e em contratos de cooperação que nunca se celebram; se os protestos vêm da sociedade civil, então é porque estão "feitos" com a oposição e apenas têm visibilidade mediática.

3. O retrato deste PS tutelar da sociedade civil está descrito na moção que o líder socialista apresenta aos seus pares no congresso. Espalhando milhões pelos Açores, o PS convenceu-se de que construiu uma nova autonomia, quando afinal recriou velhas dependências. A glorificação da obra feita é apenas um artifício de estilo para esconder o deserto de ideias da família socialista. Se tirarmos ao PS os instrumentos de poder, os meios que a governação proporciona, rapidamente concluiremos que o PS tem muito pouco para propor aos Açores. Quando a atitude prospectiva se circunscreve à esfera da governação, é porque um partido já perdeu os pontos de contacto com a sociedade.

No essencial, o PS de 2005 é igual ao velho PS de 1976, nos seus medos da sociedade, na inconsistência da sua limitada mundi-visão, na atitude da governação, copiada dos modelos inspiradores a nível nacional, com especial referência para o Eng. Guterres.

Carlos César não é líder do PS que gostaria de ter. Mas, este PS, moldado à sua imagem e semelhança é o partido que serve na perfeição as suas ambições e as suas – cada vez mais frequentes – contradições.

O próximo congresso será um passeio para a liderança de Carlos César, um vulcão abrasador para as aspirações de todos os seus delfins e um desconsolo para os Açores.

9.11.05

DISSABORES DE OUTONO


1. O Presidente da República, já em final de mandato, deslocou-se aos Açores, por umas breves horas. A pretexto de visitar todos os concelhos durante do país, no exercício do cargo presidencial, o Dr. Jorge Sampaio esteve em Santa Maria. As visitas dum Presidente da República a uma Região Autónoma têm sempre um significado particular, por muito breves que sejam: acentuam o reforço da unidade nacional, de que o Presidente da República é o garante constitucional e contribuem para cimentar a identidade de todo o território nacional.

O "Açoriano Oriental" fez manchete com uma declaração do Presidente da República, segundo a qual "a autonomia constitui um projecto nacional", que não mereceria qualquer referência especial, se não se desse o caso do mesmo Presidente da República, na sessão de abertura do Congresso da Cidadania, em Ponta Delgada, ter dito: "Pode dizer-se que a última revisão instituiu um sistema que, não sendo, como qualquer outro, perfeito, dificilmente pode ser alterado, pelo menos de forma substancial, sem provocar rupturas incompatíveis com a natureza de um Estado unitário com Regiões Autónomas. No domínio da racionalização do funcionamento do sistema político regional, das competências legislativas e da representação da República a última revisão constitucional foi até onde se pode legitimamente ir sem pôr em causa a subsistência do Estado unitário e do valor constitucional que representam as autonomias regionais." De acordo com os argumentos então avançados pelo Dr. Sampaio, a última revisão constitucional "sela de forma globalmente positiva um longo processo de evolução e maturação institucionais" (veja-se o texto completo da intervenção em versão integral no site da Presidência da República.)


O mesmo Presidente da República que hoje qualifica a autonomia constitucional insular como um desiderato nacional, há pouco meses atrás não se eximiu de lembrar o limite da unidade do Estado português para lançar sobre as autonomias uma suspeita de ruptura daquela unidade estadual.

O Presidente da República que, há uns meses atrás proclamou o fim do caminho do aprofundamento das autonomias dos Açores e da Madeira, agora, quase dando o dito por não dito, saúda as autonomias como um "projecto nacional".

Sinais de inconsistência de pensamento ou apenas uma atitude de apaziguamento, em final de mandato? Apenas o tempo de poderá encarregar de esclarecer completamente o pensamento do Dr. Jorge Sampaio sobre o processo autonómico das ilhas. Por agora, fica assinalada a incoerência.

2. A proposta de Orçamento de Estado para 2006 propõe um valor de transferências orçamentais para os Açores que, no seu conjunto, representam menos 11,6% do que o montante do orçamento para o corrente ano, considerando os valores da Lei das Finanças Regionais, Lei das Finanças Locais e PIDDAC. Contas feitas, o Estado vai dispender com os Açores menos 47,3 milhões de euros do que em 2005.

Perante esta proposta de OE, o Presidente do Governo Regional manifestou publicamente o seu desagrado, insinuando que os Deputados socialistas na Assembleia da República, eleitos pelos Açores, poderiam não votar a proposta de Orçamento de Estado.

Estranhamente, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, em reunião da Comissão da Economia, ontem realizada, o Partido Socialista dá parecer favorável à proposta de Orçamento de Estado para 2006, enquanto o PSD vota contra.

Num terreno – no parlamento regional - em que lhe seria mais fácil expressar, sem riscos e sem contingências, o seu desagrado pela proposta do Governo da República, fazendo mesmo uma forte pressão política sobre Lisboa, o PS cede nos princípios a troco duma vaga solidariedade nacional, deixando antever o que já se adivinhava: na Assembleia da República os Deputados dos Açores votarão com os seus colegas socialistas o orçamento dos novo "amigo" dos Açores: José Socrátes.

O voto do PS no parlamento Açoriano é a confissão antecipada de que, numa situação conflitual com Lisboa, os socialistas de cá cederão sempre aos socialistas de lá!
Publicado na edição de hoje do AO

3.11.05

O PREÇO DA MOEDA

1. A "moeda" é uma das metáforas que paira há meses sobre a vida política portuguesa. Primeiro, sobre a forma de artigo de opinião de Cavaco Silva, no qual a contraposição entre a moeda "boa" e a moeda "má"; depois, nas mais variadas formas e contextos, com entrada directa para o léxico político mais recente. Agora, é a vez de Mário Soares, que num discurso irritado, equipara a famosa "moeda" a "reforma", para criticar violentamente Cavaco Silva, acusando-o de, ao mesmo tempo que este se declara como um político não profissional, receber do Estado a subvenção que tem legalmente direito por ter desempenhado o cargo de Primeiro-Ministro, tal como o próprio Mário Soares.

O que parece incomodar o Mário Soares é a declaração de Cavaco Silva, segundo a qual "não é profissional da política". No estilo a que Cavaco Silva habituou o país, esta declaração não surpreende, porque coincide exactamente com a sua postura pública e com a atitude sempre assumida enquanto foi líder do PSD e Primeiro-Ministro. A expressão atinge profundamente Mário Soares, pois ela significa ainda um profundo contraste entre as motivações dos dois candidatos presidenciais: Cavaco Silva candidata-se porque "não se resigna" enquanto Mário Soares avança para a corrida presidencial (condicionando até a vontade do seu partido de sempre) pelo prazer profundo do jogo político e por um gosto de auto-satisfação de combater, na primeira pessoa, Cavaco Silva que disputa com ele um lugar na história recente do Portugal democrático.

Na sua estudada declaração, Cavaco Silva não afirmou não ser um político ou expressou qualquer aversão à política. Pelo contrário, a sua gestão do silêncio ao longo de dez anos, o modo como administrou a sua intervenção na vida pública portuguesa, a atitude que assumiu na apresentação da candidatura, revelam bem a atitude dum político activo e arguto.

2. A expressão de Cavaco Silva dirige-se, sem lhe fazer uma única menção, a Mário Soares. Cavaco Silva disse aos portugueses que não é um político como Soares e que não se identifica nem com o seu estilo, nem com a sua maneira de jogar o jogo político. Tudo os distingue, como ficou cerimonialmente acentuado: enquanto Soares se apresenta ao país diante duma plateia de velhos e novos apoiantes, Cavaco prefere a solidão dum palco no qual aparece só, diante duma pool de jornalistas.

3. A moeda não é igual. O valor facial de um não é igual ao do outro. Um expulsará o outro no combate eleitoral.

4. A metáfora da moeda como referência à reforma de Cavaco Silva, sem elegância e com uma contundência que perturba, apenas pode ser o resultado do desespero de quem, tendo sido Presidente da República durante dez anos, se vê esmagado pelas sondagens que teimam em colocá-lo atrás do outro candidato da área socialista. O argumento de Soares é mesquinho, vindo de quem vem. Sobretudo vindo de quem vem, porque todos esperávamos que estivesse acima deste nível de argumentação. Com o seu passado, prestígio pessoal, intelectual e político, o Dr. Soares não precisava de utilizar este tipo de argumentação. Ao fazê-lo, começou a trilhar um caminho que o arrastará para um tipo de campanha que pensávamos tivesse ficado soterrada nos escombros das eleições legislativas de Fevereiro passado.

5. Esta não é mais uma das gaffes que o Dr. Soares celebrizou. Como não o é, o comentário proferido no dia da apresentação do seu manifesto sobre o que se passava no país a propósito do referendo ao aborto, ignorando mesmo que o Presidente da República tivesse suscitado a fiscalização preventiva da constitucionalidade sobre a matéria, quando todos os jornais já tinham antecipado o sentido da decisão do Tribunal Constitucional. A primeira é intencional e tem por objectivo um assassinato de carácter do Doutor Cavaco; a segunda, é resultado dos frequentes lapsos de memória que o Dr. Soares vem exibindo.

Já não é um problema de moeda: eu não quero um Presidente da República como este Dr. Soares!
Publicado na ediçaõ de 2 de Novembro de 2005 do AO

25.10.05

CONSTRUIR UMA ALTERNATIVA POLÍTICA


1. A demissão de Victor Cruz, após um acto eleitoral em que o PSD/Açores foi bem sucedido nos seus propósitos e objectivos eleitorais, vem lançar o partido numa nova crise de liderança cujos contornos ainda são indefinidos. Muito embora tal facto já não seja relevante, importa sempre assinalar que foi com o mesmo líder que o PSD foi capaz do melhor e do pior, quanto a resultados eleitorais: vitória nas autárquicas e derrota nas legislativas nacionais e nas anteriores regionais; derrota nas europeias e vitória nas legislativas nacionais, nas quais o próprio líder do PSD foi cabeça de lista; por fim, vitória nas quase longínquas autárquicas de 2001.
Ao longo de cinco anos, Victor Cruz federou as várias sensibilidades do PSD, agregou à sua volta novos e velhos dirigentes e procurou construir uma alternativa política ao poder socialista na Região. Não foi bem sucedido no plano regional, o que – de acordo com a história e a ciência política – acabou por traçar o seu destino político imediato.
O PSD e os seus dirigentes têm uma dívida de gratidão para com Victor Cruz que é justo assinalar.

2. Com a realização dum congresso extraordinário, os sociais-democratas escolherão um novo líder, para conduzir os destinos do PSD. O primeiro grande desafio que se coloca ao PSD é o de se assumir como alternativa e como um partido de alternativas políticas ao PS.
A crise de liderança não determina o fim do PSD, ao contrário do que o PS poderia secretamente desejar, como resulta da crescente tendência hegemónica que diariamente exibe em todos os sectores da sociedade.
A alternativa política que o PSD tem de assumir passa pela denúncia e combate à quase-mexicanização da vida política e social dos Açores.

3. O PSD tem de protagonizar uma luta sem quartel pela qualidade da democracia nos Açores: pela qualidade da democracia no parlamento, transformado pela maioria socialista num centro de poder simbólico, no qual exibe o seu cansaço pelos debates, impondo pela força dos votos a sua vontade; pela qualidade dos protagonistas políticos a todos os níveis, que não devem exibir na vida política virtudes que a sua vida privada não autoriza; pela qualidade e diferença das propostas políticas que simbolizem uma maneira diferente de olhar a sociedade, de resolver os problemas das pessoas e traduzam uma outra maneira de governar os Açores; pela qualidade da sua intervenção na sociedade, de modo a que os eleitores reconheçam o PSD e os seus dirigentes como arautos duma mudança política.

4. No fundo, o PSD precisa duma nova atitude política, depois dum inevitável período de "nojo" após as eleições regionais de 2004. O aggiornamento do PSD entronca numa nova forma de abertura à sociedade civil, de relacionamento com os poderes que dela emanam, de entendimento sobre os anseios das pessoas, em especial, dos que se querem expressar e não o fazem por medo ou receio. A cultura de liberdade – causa pela qual vale sempre a pena lutar, mesmo nos Açores do século XXI – tem de ser um imperativo ético dum partido social democrata que também não pode ter receio de assumir rupturas na sociedade açoriana, em domínios como a educação, a saúde ou a organização do Estado.

5. Uma palavra, aqui, para me referir a um aspecto essencial para a nossa vida enquanto comunidade política organizada: a revisão do Estatuto Político-Administrativo. O processo de revisão da nossa "lei fundamental" não deve ser um processo pastoso, no qual se confundam as propostas do PSD e do PS, sobretudo porque o PSD tem um património quanto ao aprofundamento da autonomia que não pode, nem deve abandonar, sob pena de se negar a si próprio.
Por isso mesmo, o PSD deve apresentar – para provocar um amplo debate público – a sua própria proposta de revisão do Estatuto, sem prejuízo, das conversações que possa manter com o PS quanto à revisão do Estatuto e do diálogo com outras forças políticas com assento parlamentar.

6. O próximo congresso do PSD terá de ser o congresso duma inevitável clarificação. Não entre uma nova e uma velha geração, como alguns querem fazer crer, mas entre atitudes e modos de fazer política.

O congresso do PSD não será o congresso da eleição dum líder de transição, porque esta é apenas a tese daqueles, poucos, preocupados com o esgotamento do seu próprio tempo. Será sim, a transição para uma nova fase, para um novo tempo.

19.10.05

AS TRAPALHADAS DO GOVERNO SOCIALISTA



A INACEITÁVEL PRIVATIZAÇÃO DO AMBIENTE - De maneira discreta, o Governo Regional dos Açores apresentou à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores uma proposta de Decreto Legislativo Regional para criar mais uma sociedade anónima, desta vez na área do ambiente, com a designação de "Natureza Viva – Sociedade de Planeamento, Gestão e Requalificação Ambiental, SA".
Ao contrário do que sucedeu no passado com outras iniciativas similares, o Governo transfere para uma sociedade - que prevê abrir a capitais privados – uma área essencial dos poderes públicos: a gestão e ordenamento do território e do ambiente, nas bacias hidrográficas (lagoas e outras) de toda a Região.

O Governo e maioria parlamentar que o apoia conferem a esta sociedade comercial poderes de autoridade inusitados: requerer a expropriação por autoridade pública, utilizar e administrar os bens do domínio público e privado da Região, concessionar a ocupação ou o exercício de qualquer actividade no domínio público, exercer os poderes da Região quanto à ocupação, demolição, desocupação ou defesa da posse de terrenos ou instalações nas bacias hidrográficas.
Como se estes poderes não bastassem, a esta sociedade são ainda conferidos poderes para elaborar os planos especiais de ordenamento do território, ao arrepio do que dispõe a lei geral nesta matéria, provocando uma indesejável confusão no processo de elaboração deste tipo de planos. Em condições normais, neste domínio, a Administração abre um concurso para que empresas da especialidade elaborem uma proposta de plano, a aprovar ou não pela Administração (Câmara Municipal ou Região).

Na pressa de privatizar o ambiente e empresaliarizar o ordenamento do território, em nome da "gestão das finanças públicas" o Governo e a maioria socialista, indiferentes às críticas, acabam por criar um pequeno monstro jurídico.

A AMIZADE FUGIDIA DE LISBOA – A proposta de orçamento para 2006, apresentada pelo Ministro das Finanças não assegura o cumprimento de nenhumas das reivindicações do Governo Regional dos Açores quanto ao financiamento da Região para o próximo ano. O nível de transferências financeiras ao abrigo da Lei das Finanças das Regiões Autónomas mantém-se ao nível deste ano (232,5 milhões de euros), sem qualquer crescimento, demonstrando que o Governo da República de José Sócrates trata a Região como se dum qualquer ministério do seu Governo se tratasse.

Quanto às sempre invocadas dívidas da República à Região, por conta de acertos fiscais, a verdade é que a proposta de OE não consagra um único cêntimo para o seu pagamento.

A proposta de OE para 2006 é o espelho da cooperação que os Açores podem esperar do Governo do “amigo” do PS açoriano. Perante o evidente embaraço resultante desta situação, o Presidente do PS apressou-se a declarar que os Deputados socialistas na Assembleia da República poderiam não votar com os seus colegas o orçamento na forma em que foi publicamente apresentado.

Os processos de discussão dos orçamentos constituem, historicamente, momentos de tensão dialéctica entre as Regiões Autónomas e a República. Esta proposta de OE, por ser a primeira preparada pelo Governo de José Sócrates representa, de modo especial, um indício seguro quanto à interpretação do modelo de relacionamento financeiro da República com os Açores e a Madeira.

As virtudes da tão gabada cooperação com um Governo da República da mesma cor política, afinal não passam de truque político dum mágico cansado.
Publicado na edição de hoje do Açoriano Oriental

16.10.05

AUTÁRQUICAS – A VITÓRIA DE TODOS?


I – A VITÓRIO DO PSD


Tradicionalmente, entre nós, os resultados eleitorais são sempre propícios às mais variadas interpretações que, no limite, ousam transformar derrotas ou "não vitórias", como alguns dizem, em derrotas eleitorais, utilizando e abusando da famosa fórmula que consigna a vitória de "secretaria" importada directamente da linguagem futebolística.

Podendo parecer uma evidência, não é demais salientar que na noite de 9 de Outubro o grande vencedor é Victor Cruz e o grande derrotado é Carlos César.

Neste mesmo jornal escrevi, muito antes das eleições autárquicas: "As recentes intervenções do líder regional do PS apontam para que os socialistas açorianos tenham uma reduzida expectativa eleitoral. Publicamente, Carlos César já disse (e cito de memória) que o PS ao contrário de outros partidos, não "é um partido que se reduza à dimensão autárquica", num claro ataque ao PSD, bem sabendo que – salvo um imprevisível cataclismo político – o PS perderá as eleições de Outubro".

Pela dimensão de ambos os partidos, pelo facto de ambos serem partidos de alternativa de poder na Região, é natural que o primeiro nível de análise das eleições do passado dia 9 seja o da contabilização dos resultados eleitorais, de acordo com as metas eleitorais que cada um dos partidos definiu.

O PSD definiu para estas eleições o objectivo de ter mais votos, mais mandatos e mais Câmaras Municipais do que os seus adversários. O objectivo foi atingido em toda a linha, a começar pelo número de votos, já que o PSD obteve mais 4.100 votos do que o PS.

Há nove anos no poder, o PS fracassou no objectivo de conquistar a maioria das Câmaras da Região, tendo averbado uma nova derrota, depois de ter conquistado uma reforçada maioria absoluta há menos de um ano atrás. É certo que os socialistas ganharam mais três Câmaras Municipais, duas delas em espaço citadino. Porém, o crescimento eleitoral do PS não chega para disfarçar a derrota, palavra que o líder socialista evitou cuidadosamente pronunciar na noite eleitoral.

A vitória do PSD é a vitória duma estratégia serena que permitiu a recandidatura de autarcas que, na sua generalidade, não só ganharam, como, nalguns casos, obtiveram nestas eleições os melhores resultados de sempre para as suas candidaturas, como sucedeu com Berta Cabral, Rui Melo, José Carlos Carreiro ou Francisco Álvares.

É verdade que, no caso da Ribeira Grande, tal estratégia não frutificou. Contundo, uma análise mais detalhada ao nível da sociologia eleitoral, poderá encontrar outras explicações para a derrota do PSD que não apenas no terreno da simples disputa eleitoral autárquica.

Ao fim de trinta anos de democracia, apenas agora o PS ensaia uma implantação autárquica, muito embora continue a ser um partido sem vocação de poder local.


II – A FALSA RURALIZAÇÃO DO ELEITORADIO SOCIAL-DEMOCRATA


Uma leitura simplista do resultado eleitoral tenderá a acentuar um equívoco, directamente importado da análise nacional: a de que o PSD se ruralizou e o PS se urbanizou. A utilização destes conceitos não parece enquadrar-se muito bem na nossa realidade, pois bastará pensarmos que, por exemplo, na cidade da Ribeira Grande, a freguesia eleitoralmente mais importante é profundamente rural (Rabo de Peixe) ou que o centro da Madalena do Pico é uma pequena urbe, de serviços, comércio ou sector terciário.

O PS ganhou em duas novas cidades. Mas isso, por si só, não significa que o eleitorado social-democrata se tenha acantonado no espaço rural, com excepção de Ponta Delgada. Mesmo no maior concelho da Região, há uma clara diferenciação entre freguesias da malha urbana e freguesias de cariz mais rural.

A realidade geográfica e sociológica dos Açores é bem mais complexa do que o esteriótipo "rural/citadino", o que leva a afastar a simplicidade analítica desta contraposição.

Houve sim, nestas eleições, um envolvimento sem precedentes de membros do Governo Regional – certamente nas suas funções de dirigentes partidários – que elevou o padrão do combate eleitoral a níveis sem precedentes no passado. A história foi-se repetindo de concelho para concelho, com o envolvimento directo destes dirigentes, tirando do bolso as promessas mais convenientes, as soluções milagrosas para velhos problemas e a imediata resolução de "dossiês" que se arrastam há anos pelas repartições oficiais.

O combate nestas eleições foi, em larga medida, desigual, pois acabou por ser contra o PS e contra o PS-no-poder. Apenas este facto pode explicar, por exemplo, que José Pedro Cardoso tenha ganho em Angra do Heroísmo com uma votação superior à de Sérgio Ávila, quando, ao mesmo tempo, o PSD aumenta o seu resultado.

III – A COOPERAÇÃO ENTRE O GOVERNO E OS MUNICÍPIOS

Depois do discurso do Presidente do PS durante esta campanha, durante a qual, não apenas criticou duramente os autarcas sociais-democratas, acusando-os de serem um travão ao desenvolvimento dos seus concelhos ou de se preocuparem apenas com exercícios de propaganda, como também enalteceu as virtudes da sintonia de cor política entre os Municípios e o Governo Regional, a vitória do PSD eleva o grau de exigência da observação do comportamento do Governo na sua relação com as Câmaras Municipais.

A tentação dos socialistas deverá ser enorme: cooperar mais com os municípios socialistas, em particular na Ribeira Grande e na Praia da Vitória, para demonstrar a suposta excelência da sintonia política.

Contudo, em democracia, depois dum acto eleitoral, há que respeitar a vontade do povo. O Governo está, por isso mesmo, especialmente obrigado a cooperar com todos os Municípios, ao contrário do que sucedeu ao longo dos últimos quatro anos.

Por muito que custe aos dirigentes socialistas, a verdade é esta: o PSD ganhou e o PS foi derrotado em 9 de Outubro.
JORNAL DOS AÇORES - EDIÇÃO DE 17 DE OUTUBRO DE 2005

29.9.05

FALEMOS DO QUE INTERESSA


As notícias e as sondagens sobre alguns dos candidatos a autarcas envolvidos em processos judiciais der natureza criminal enchem o melhor espaço da comunicação social portuguesa e alimentam as expectativas sobre o desfecho das lutas eleitorais nos respectivos concelhos. Como jurista, acredito no princípio da presunção da inocência, segundo o qual, qualquer arguido se presume inocente até haver uma decisão judicial condenatória, da qual não se possa recorrer. Acreditar neste princípio significa acreditar, também, num dos pilares essenciais do Estado de direito democrática, rejeitando, do mesmo passo, os julgamentos públicos e mediáticos efectuados diariamente nos órgãos de comunicação social, muitas vezes sem pudor ou sem limites.

No plano jurídico a questão apenas se pode colocar deste modo, porque é assim que se garante a defesa de quem é denunciado ou acusado e se asseguram os meios jurídicos para o seu efectivo exercício.

Já no plano social, da percepção que os eleitores têm dos políticos – eleitos em sufrágio directo, secreto e universal – custa a aceitar que os eleitores não venham a fazer um juízo de censura sobre o comportamento político daqueles que elegeram e que os representam.

O caso da Dra. Felgueiras é paradigmático neste aspecto: depois de mais de dois anos no Brasil, para onde viajou para evitar o cumprimento duma mediada de coacção privativa da liberdade, regressa com dia e hora anunciados, sob os holofotes da comunicação social, para no dia seguinte – precisamente, no dia seguinte – iniciar a sua campanha eleitoral para o Município de Felgueiras, com direito a cartazes e outros meios de campanha que não se produzem apenas num dia.

As sondagens, entretanto publicadas, indicam que a Dra. Felgueiras poderá ser a vencedora da contenda eleitoral. Não sei se ela é culpada ou inocente, se praticou ou não os crimes de que vem acusada, cabendo ao Tribunal competente fazer o julgamento do caso e decidir; sei, porém, que se trata duma cidadã que troçou da justiça, fugindo para o Brasil.

Os eleitores de Felgueiras não se incomodarão com este tipo de comportamentos? Valerá tudo na política? Os eleitores não se importam de voltar a eleger quem adopta o tipo de comportamentos e o estilo da Dra. Felgueiras?

Pelos vistos a consciência e o sentido crítico do eleitorado está adormecido. Apenas esse facto pode explicar que um editorial de Nuno Mendes no Jornal dos Açores, de 23 de Setembro não tenha merecido nenhum comentário.

Relata o editor executivo daquele jornal que uma assessora de imprensa do Presidente da Câmara Municipal da Lagoa contactou o jornal manifestando o "desagrado" daquele autarca quanto à forma como o jornal cobriu algumas acções do município lagoense e comunicando que o autarca "vai mandar retirar a publicidade e as assinaturas do jornal" (sic).

A ousadia da declaração é espantosa. A ser verdade o que o jornal relata – o que não foi desmentido até hoje – trata-se duma forma inaceitável de pressão sobre os jornalistas, através dum poderoso instrumento: os meios financeiros de natureza pública.

Aqui sim, estamos perante a mercearia da troca de notícias pela publicidade institucional, procurando condicionar, limitar ou cercear a liberdade de informação dos jornalistas, goste-se ou não do estilo de jornalismo do praticado pelo jornal.

Estranhamente, o caso ficou-se por um editorial. Nem uma reacção do sindicato dos jornalistas, nem a publicação duma eventual resposta de João Ponte a perguntas de jornalistas sobre este assunto. Nada. Absolutamente nada!

Como dizia Francisco Sá Carneiro, a "política sem ética é uma vergonha". Até onde iremos?
Publicado na edição do Açoriano Oriental de 28 de Agosto de 2005

22.9.05

CRÓNICA DOS ÁLAMOS TRISTES

A normalidade da abertura do ano lectivo é um dado já adquirido na sociedade portuguesa e reveladora duma assinalável maturidade do sistema educativo, não apropriável por qualquer força partidária do arco governativo. O caminho percorrido ao longo de trinta anos, faz com a que a abertura de cada ano lectivo não se transforme num drama para os alunos, as famílias, professores e funcionários.

A normalidade funcional do sistema educativo, não esconde uma outra realidade, bem mais dura e profundamente dolorosa: a do insucesso escolar.

De acordo com os números divulgados pelo Ministério da Educação e escondidos ciosamente pela Secretaria Regional da Educação (nem disponíveis estão no site oficial deste departamento governamental), a Região tem a mais alta taxa de insucesso escolar do país, do 2º ao 9º ano de escolaridade, que nalguns casos é quase o dobro ou mesmo o dobro da média nacional. Por exemplo, no segundo ano de escolaridade, a taxa de retenção nos Açores é 29,57%, enquanto a média nacional é de 14,9%; no 5º ano de escolaridade, a média nacional é de 14,5% e a média regional é de 20,05%.

O dramatismo dos números do insucesso escolar é o sinal do falhanço duma política educativa, conduzida nos últimos nove anos pelo PS, que não soube encontrar os meios, as estratégias e as atitudes para inverter o plano inclinado em que mergulhou o sucesso escolar.

Para combater o insucesso não basta, como faz o discurso oficial, sem sofisticação ou brilho, invocar os milhões de euros investidos em equipamentos, infra-estruturas, em novas escolas ou na renovação do parque escolar. Todo este investimento é os que os cidadãos esperam de qualquer governo.

É por isso mesmo que o Governo Regional está incomodado com a revelação destes últimos dados estatísticos. Não bastam as pedras dos edifícios e a estabilidade dos quadros de professores para garantir um automático sucesso escolar, para já não falar do sucesso educativo.

Nove anos depois – e com a continuidade da actuação governativa garantida pelo facto de Álamo Menezes ser, até agora, o único titular da pasta da educação nos governos socialistas, o Presidente do Governo – percebendo a delicadeza do assunto – anunciou, aquando da abertura do ano lectivo, que a redução do insucesso escolar é a "grande aposta" do seu executivo, como se PS já não tivesse um longo passado governativo.

À nova "aposta" não correspondeu, como seria desejável, ao anúncio dum programa ou estratégia de combate à retenção escolar, simplesmente porque o Governo de Carlos César não sabe o que fazer.

O insucesso escolar não se combate com milhões de euros ou com estatísticas de salas de aulas construídas e muito menos se combate com uma atitude de permanente afrontamento dos professores, como revela o recente Despacho nº 48/2005, da autoria do próprio Secretário Regional da Educação.

Sem ouvir os professores, sem auscultar os sindicatos, numa atitude autista que se vem tornando na imagem de marca da sua governação, o Secretário da Educação aumenta o número de horas de permanência dos docentes nas escolas, em nome da racionalidade administrativa, esquecendo que o mundo real das escolas não dispõe de condições físicas para que os docentes possam utilizar as horas adicionais em proveito dos grandes destinatários da acção educativa: os alunos.

Se o sucesso educativo é uma das medidas da eficácia dum sistema de educação, então a conclusão que, infelizmente, tiramos, é de que o sistema educativo dos Açores acaba de chumbar no exame e que nem um segunda época pode salvar as opções de Álamo Menezes.

10.9.05

GANHAR OU PERDER NAS AUTÁRQUICAS


1. A pouco mais dum mês da data das eleições, a campanha eleitoral ainda está morna, num sinal evidente de que as direcções partidárias partilham o sentimento generalizado de que os cidadãos estão cansados dum longo ciclo eleitoral: eleições europeias em Junho, uma longa campanha para as regionais de Outubro do ano passado, as legislativas nacionais de Fevereiro e agora as eleições autárquicas, antecipadas num trimestre em relação à sua data habitual.

A história política destas eleições nos Açores revela que, em geral, a campanha eleitoral começa muito mais tarde do que no continente, excepção feita aos candidatos que se apresentam de novo ou que disputam uma eleição considerada difícil.

Por isso mesmo, ao olharmos para a estratégia política de muitos dos candidatos da oposição autárquica ao PSD (partido dominante nas autarquias açorianas, governando treze dos dezanove municípios) apenas a compreendemos em função dum premissa fundamental: o PS nos Açores não espera nada destas eleições.

As recentes intervenções do líder regional do PS apontam para que os socialistas açorianos tenham uma reduzida expectativa eleitoral. Publicamente, Carlos César já disse (e cito de memória) que o PS ao contrário de outros partidos, não "é um partido que se reduza à dimensão autárquica", num claro ataque ao PSD, bem sabendo que – salvo um imprevisível cataclismo político – o PS perderá as eleições de Outubro.

A forte implantação do PSD no plano local, a existência de elites dirigentes locais na área dos sociais-democratas, uma estrutura partidária eficaz e em funcionamento, apesar do longo afastamento do poder regional, o sucesso generalizado da gestão dos autarcas sociais-democratas, são factores regionais que limitam fortemente a ambição socialista, juntando-se-lhes as dificuldades económicas que atingem a economia das famílias, em resultado das medidas do Governo socialista de José Sócrates, que levarão os eleitores a penalizar os candidatos socialistas, do partido no poder, como resulta da história eleitoral autárquica portuguesa.

2. Muito embora seja uma evidência dizê-lo, as próximas eleições destinam-se a escolher autarcas e a avaliar a governação dos municípios e freguesias. Não são um plebiscito à governação socialista regional e muito menos ao Presidente do Governo, que até desceu à contenda autárquica, apresentando-se como candidato à Assembleia de Freguesia da Fajã de Baixo, como se a Fajã de Baixo pudesse ganhar objectivamente alguma coisa com isso. Que vantagem terão os cidadãos da freguesia pelo facto de Carlos César ser membro da Assembleia de Freguesia? A pergunta é mesmo esta: o que poderá o Governo socialista fazer pela Fajã de Baixo com Carlos César como autarca local, que não tenha feito até hoje?

Se a resposta for "poderá fazer muito mais, porque conhece melhor os problemas da freguesia", então, a conclusão é que a relação entre o poder regional e o poder autárquico está inquinada e o poder regional não está atento à dimensão dos problemas locais. Se a resposta for "é apenas um acto simbólico", então a conclusão é que, em Ponta Delgada, o líder socialista penas espera salvar a "honra do convento" com uma incerta vitória num tradicional bastião, reconhecendo que a candidatura socialista a Ponta Delgada está abaixo das expectativas.

3. O discurso da sintonia política entre o Governo e os autarcas, tantas vezes repetido pelos candidatos socialistas ou mesmo pelo líder do PS é, no mínimo, equívoco: durante os últimos oito nove anos de governação socialista, o poder local, maioritariamente social-democrata, realizou projectos, fez obra, desenvolveu concelhos e freguesias. Houve sobressaltos? Claro que sim. Existiram crispações e tensões políticas? Claro que sim. O Governo Regional teve ciúmes do protagonismo, da visão, da atitude dos autarcas sociais-democratas? Claro que sim. Não há autarquias socialistas, que apesar da famosa "sintonia política", ainda não deram um salto de desenvolvimento (como por exemplo, Vila do Porto ou Lagoa)? Claro que sim. O Governo e as autarquias colaboraram – em termos gerais – quando o interesse público e o interesse das populações o impôs? Claro que sim.

Estamos sempre perante uma inevitável tensão entre dois níveis de poder, em territórios de dimensão reduzida, como são as nossas ilhas. Ambos os níveis de poder recolhem a sua legitimidade do voto soberano e universal do povo que, ao longo dos últimos anos, já disse com clareza eleitoral suficiente, preferir entregar o poder regional ao PS e o poder local ao PSD.

Por muito que isso possa custar ao líder socialista, uma vitória social-democrata nas eleições de Outubro não transforma o PSD num partido de poder local, nem reduz a sua ambição de voltar a governar estas ilhas. O PSD continua a ser o partido da alternância política nos Açores, com uma vantagem adicional sobre o PS: tem experiência de governação no poder local e tem sensibilidade para o governo das nossas pequenas comunidades. É este o factor que, na hora da verdade do voto, faz pender a balança a favor do PSD.

4. A vitória na noite eleitoral apenas se pode medir duma maneira: ganhará as eleições quem tiver mais autarquias, mais mandatos e mais votos, podendo, deste modo, manter a liderança da Associação de Municípios. Bem sabemos que as noites eleitorais se prestam ao malabarismo dos números, na contabilização das derrotas ou das vitórias. Contudo, a matemática irrefutável é feita com base num balanço global do resultado, temperado pelas leituras de vitórias ou derrotas em concelhos geograficamente mais importantes do que outros, assumindo relevo o desfecho eleitoral em Angra do Heroísmo e na Horta.

O PS deseja muito das próximas eleições, mas espera pouco!
(Publicado no JORNAL DOS AÇORES, em 29 de Agosto )

31.8.05

REGIÃO POBRE, PODER FRÁGIL


O Governo Regional anunciou – com a pompa habitual – a realização dum Conselho de Governo para os Assuntos Económicos, no qual participarão a Câmara de Comércio, a Federação Agrícola e a estrutura representativa dos industriais de construção civil (AICOPA). Li a notícia e estranhei o seu conteúdo, não querendo acreditar no seu conteúdo.

O Conselho de Governo é um órgão de natureza colegial, presidido pelo Presidente do Governo e composto pelo Vice-Presidente e pelos Secretários Regionais. O Conselho de Governo é a reunião de todos os Secretários Regionais e Vice-Presidentes, se os houver, com competência para desempenhar todas as funções políticas e administrativas previstas na Constituição, no Estatuto Político-Administrativo ou na lei. O Estatuto Político-Administrativo admite a realização de reuniões restritas do Governo Regional em razão da matéria, seja ela de natureza económica, social ou outra.

Um Conselho de Governo para os Assuntos Económicos, destinado a tomar decisões ou definir orientações de natureza económico-financeira apenas pode ser composto por membros do Governo, nos termos do disposto no artigo 63º e seguintes do nosso Estatuto Político-Administrativo, e nunca por personalidades – por mais ilustres que sejam – que não desempenhem funções Governativas ao nível de Secretário Regional, Vice-Presidente ou Presidente do Governo.

Intencionalmente o Governo Regional ignora este facto, divulgando a participação de agentes económicos num Conselho de Governo como "a primeira iniciativa do género promovida por Carlos César", como se pode ler no portal oficial do Governo Regional, em
www.azores.gov.pt, sob o título "Presidente do Governo propõe reflexão “desinibida, mas rigorosa” sobre economia dos Açores".

Não se trata duma má interpretação dos jornais, mas sim duma notícia cuja fonte é o oficial portal do Governo Regional dos Açores. De modo irreflectido, o Governo Regional comete um acto ilegal, confundindo a autoridade do Estado, com o poder das corporações.

Já não é primeira vez que os governos do PS acentuam esta confusão: quem já não se lembra, quando o Governo Regional tentou celebrar um acordo com a mesma AICOPA para que esta se endividasse junto da banca para pagar as dívidas da Região aos empreiteiros de obras públicas?

Agora não há um acordo com uma instituição de crédito, mas sim um acto político violador da legalidade, que confunde os parceiros sociais com governantes.

Se o Presidente do Governo quer auscultar os agentes económicos – e concordo que o faça – porque não reúne o Conselho Regional de Concertação Estratégica? Ou porque não reúne, simplesmente, com os parceiros sociais que entende dever ouvir?

Sob a pretensa capa duma novidade em época de campanha eleitoral, o Governo Regional desvaloriza, uma vez mais, o Conselho Regional de Concertação Estratégica, reconhecendo implicitamente que a sua composição reflecte, de modo excessivo, o peso dos vários departamentos governamentais, em prejuízo da sociedade civil e do tecido económico e empresarial.

Haverá sempre quem, perante isto, encolha os ombros e diga que "não tem importância". Porém, a acção política e a conduta dos governantes é pautada por regras cujo cumprimento estrito é sempre exigível e devido, em democracia. Não é um pormenor burocrático ou administrativo que está em causa. Trata-se da dignidade da Região, do funcionamento dum órgão político e administrativo e, fundamentalmente, do respeito pela letra do Estatuto.

Aquilo que poderia ser normal numa república das bananas, não é tolerável numa Região democrática e num Estado de direito.
(Publicado na edição de hoje do Açoriano Oriental)

11.8.05

TRINTA ANOS DE TELEVISÃO NOS AÇORES

Ao longo de trinta anos de vida, a RTP-Açores contribuiu, de modo indiscutível, para ajudar a construir o conceito político de região. Esse papel resultou menos duma opção do que da imposição das circunstâncias. A afirmação duma pequena televisão, numa região insular, aquipelágica e com um poder político regional (gerador, desde logo, dum fluxo informativo próprio) assentou no pressuposto correcto de valorizar a cultura e a identidade destas ilhas. Ao mostrar os Açores aos Açorianos e ao mundo, a RTP-Açores alargou os horizontes insulares para além da fronteira natural cada ilha e permitiu um olhar diferente sobre a Região, a partir do exterior.

Se a vocação de televisão regional surge com naturalidade como essência da RTP/A, o modelo específico de televisão regional nunca foi claro na sua linha de programação – quer na produção quer na informação – para além daquilo que é óbvio.

Querendo ser uma televisão regional, a RTP/A sempre hesitou quanto a uma opção definitiva, comportando-se muitas vezes como uma televisão generalista, diluindo o seu papel face aos canais nacionais da casa-mãe.

Em trinta anos o mundo mudou muito – é um lugar comum dizê-lo – e a televisão mudou com ele. Mudaram também os espectadores e a sua percepção sobre os conteúdos televisivos. A RTP/A também mudou, obviamente, mas em muitos aspectos, deixou-se ficar para trás, ignorando a espectacular mudança que atravessou a televisão. Ainda hoje se faz televisão nos Açores, quase como se fazia há trinta anos, sendo notório o "gap" ao nível da informação.

A RTP/A – apesar do esforço de muitos e bons profissionais que ao longo de três décadas assinaram grandes momentos de televisão – continua longe dum patamar de elevada qualidade que deve caracterizar um produto televisivo. Olimpicamente, a RTP/A continua a ignorar que as audiências têm gosto e, mais do que isso, têm termos de comparação à distância dum simples "clic" no comando.

A modernização da televisão – dos conteúdos, da linguagem, da diversificação da informação, da produção e da segmentação da oferta - não pode passar apenas pela ambição da construção de novas instalações, muito embora elas sejam indispensáveis, já que as actuais não respondem, nem de perto nem de longe, às mais elementares exigências de produção televisiva. Aqui, como noutro lado qualquer, as instalações são meramente instrumentais. Do mesmo modo que o "hábito não faz o monge", também os estúdios não fazem a televisão!

O sucesso duma televisão de pequena dimensão e de vocação regional depende mais da capacidade de inovação e de conceptualização de novos conteúdos, com um elevado padrão de qualidade, do que da generosidade dos meios financeiros, sempre modestos no caso da RTP/A. Por isso mesmo, como espectador, não me deixo seduzir pelo crescente número de horas de emissão televisiva da RTP/A, bem sabendo que elas parcialmente reflectem inúmeras repetições de programas, muitas vezes emitidos no mesmo dia. Nesta matéria, prefiro menos horas de emissão, com muito melhor qualidade.

Em data de aniversário, a RTP/A enfrenta dois desafios essenciais: produzir com qualidade, para novas gerações de espectadores e cumprir de outro modo a dimensão de serviço público regional que o seu estatuto de televisão pública comporta, tanto no plano regional, como no âmbito das produções para o exterior.

Trinta anos depois, os espectadores merecem uma televisão mais sofisticada e mais ambiciosa.

3.8.05

CABO VERDE – CRÓNICA DO ATLÂNTICO (II)

A ilha do Sal parece um deserto: a secura estende-se a perder de vista, apenas pontuada – aqui e ali – por pequenos arbustos, dum verde desmaiado, cuja única função deve ser lembrar a maldade dos Deus. Os versos de Florbela Espanca, a propósito do Alentejo, poderiam ter sido escritos a pensar no Sal: "a planície é um brasido e, torturadas/as árvores sangrentas, revoltadas/gritam a Deus a benção duma fonte". Apenas acrescentaria que na ilha cabo-verdiana não são apenas as árvores que pedem água: tudo pede um pouco mais de água. Até o turista mais distraído, no conforto do seu "resort" é instintivamente levado a poupar água, nos gestos rotineiros de tomar duche ou fazer a barba. O abastecimento de água às populações é assegurado pela empresa de capitais públicos Electra e, a partir do início de Julho, através do projecto da Cabocan – Água de Ponta Preta, que, para além de garantir o fornecimento de água aos empreendimentos turísticos também debita para a rede de abastecimento público, minorando o risco de cortes frequentes no fornecimento de água. Numa região onde não chove há mais de cinco anos, a água tem um valor acrescido. A água das torneiras é água do mar, sujeita a um processo de dessalinização, dando um gosto diferente aos alimentos. O café – de boa qualidade, seja ele Delta ou "café crioulo", como é designado localmente – tem um travo bem mais amargo, que o andar dos dias não consegue apagar…. A água engarrafada – importada de Portugal – é um luxo a que os residentes não se podem permitir. Com salários médios, no ramo da hotelaria ou restauração, na ordem dos 150 euros mensais, pagar 0,75 cêntimos por uma garrafa de litro e meio de água é demasiado… Por isso mesmo, é frequente ver no Calçadão – zona de circulação pedestre, separando a linha dos hotéis da praia – quem peça aos turistas que regressam da praia as garrafas de água, logo bebida sofregamente. Responsável por cerca de 80% das dormidas de Cabo Verde, a ilha do Sal tem vindo a afirmar-se como um destino turístico autónomo, dentro do arquipélago. Contudo, a construção de novos hotéis (sete para os próximos tempos, um dos quais do grupo espanhol Riu, com 2000 camas) não consegue esbater a diferença brutal entre a vida dentro dos "resort’s" turísticos e a das populações circundantes: aqueles são ilhas, dentro das próprias ilhas, com recursos impensáveis para o dia-a-dia dos cabo-verdianos. Não se pense que o termo de comparação assenta em coisas sofisticadas; bem pelo contrário, trata-se de coisas tão simples como um posto médico (existente em cada um dos "resort’s", mas inexistente na Vila de Santa Maria, confinante com o Hotel Morabeza – a mais antiga unidade hoteleira da ilha) ou como aspirinas ou "compensan" igualmente inexistentes no mercado local. Apesar de Cabo Verde ser um dos PALOP’S que melhor tem aproveitado os recursos provenientes da ajuda internacional, a verdade é que 30% da sua população vive abaixo do limiar de pobreza e que o PIB per capita é de apenas € 1.400,00 anuais. A realidade económica do país entra pelos olhos dentro de quem circule pelo Sal e impõe-se, mesmo nos locais assinalados em todos os roteiros turísticos, como sendo de visita obrigatória: Buracona, Salinas, Ponta Preta…
O desenvolvimento tarda, para arrancar as pessoas e os lugares duma pobreza atávica, que a alegria dos funanás não chega para esconder.

1.8.05

CABO VERDE – CRÓNICA DO ATLÂNTICO (I)


A primeira sensação que se tem confirma a afirmação clássica da literatura de viagens: o cheiro ataca os sentidos, logo à saída do avião. Uma vaga de calor seco, penetrante envolve-nos logo à saída do avião. Na escuridão da noite, apenas pontuada pela luminosidade do avião, os faróis dos carros na pista e uma fraca luz da aerogare, o primeiro contacto com a ilha do Sal é olfactiva: o cheiro com todos os cheiros de África toma conta de nós.

Como sucede a qualquer estrangeiro, a primeira etapa é o preenchimento dos impressos necessários à entrada no país, seguindo-se uma tortuosa espera para as formalidades legais: verificação do visto e passaporte. Tudo a um ritmo tipicamente cabo-verdiano, que leva os locais a afirmar, com um sorriso nos lábios: "Cabo Verde: no stress". Tal como na fórmula que Fernando Pessoa inventou para publicitar a Coca-cola, "primeiro estranha-se, depois entranha-se". Com o andar dos dias, acabamos por nos habituar a uma indolência típica destes ilhéus, que torna o atendimento dum simples pedido de café ao balcão dum honesto bar, leve sempre mais tempo do que possamos imaginar…

Após cerca de uma hora para o cumprimento das formalidades legais, debaixo dum calor entorpecedor, já que o ar condicionado – apesar de nova, numa aerogare também nova – não funciona, lá nos aventurámos para uma nova espera: a das bagagens. Mesmo por cima do tapete rolante – o único da aerogare – onde as minhas malas acabarão por aparecer, depois de mais de uma hora, há um cartaz que me faz sorrir: naquele calor, um anúncio da Sagres – "o calor dum povo, a frescura duma cerveja" – quase que me faz desejar uma cerveja bem gelada às três da manhã.

Porém, as surpresas das primeiras no Sal não se ficaram por aqui. Tinha contratado um serviço de "transfer" do Aeroporto para o hotel, pensando que poderia viajar num veículo confortável, com ar condicionado. Enganei-me redondamente: a viagem, de cerca de quinze quilómetros, foi efectuada num velho autocarro, com uns trinta anos e, obviamente, sem ar condicionado. Viajei à moda antiga: de janelas completamente abertas, dum lado e do outro, com as malas confortavelmente instaladas no banco imediatamente à frente daquele em que me sentei.

O meu coração benfiquista deu um salto, quando reparei que – mesmo em frente à saída do Aeroporto Amílcar Cabral – nome do fundador do PAIGC e um dos políticos de referência de Cabo Verde – há um enorme cartaz que diz (cito de memória): "os benfiquistas cabo-verdianos saúdam o presidente campeão". A frase enquadra uma fotografia de Luís Filipe Vieira e o símbolo do Benfica, com a inevitável Sagres, patrocinadora da equipa encarnada.

A paixão pelo futebol português é acentuada no arquipélago: os cabo-verdianos seguem as peripécias da Primeira Liga com toda a atenção e dividem as suas opções clubísticas entre os três grandes do futebol português. Sabendo-me português, não há empregado de café ou de restaurante que não queira discutir as últimas do futebol e, se a opção pelo Benfica coincide com a minha, então é certo que a conversa se prolongará um pouco mais, alimentada daquela certeza de que o “glorioso” voltará a ser campeão esta época.

Paixões futebolísticas aparte, há uma afabilidade natural dos cabo-verdianos, que se impõe no contacto social a todos os níveis, seja onde for, que nos leva a quase desculpar a tal indolência típica dês paragens.

Nestas paragens do Atlântico, sinto que, de algum modo, também estou em casa.

19.7.05

EFEITOS SECUNDÁRIOS DA SILLY SEASON



A ENERGIA EÓLICA - O Governo da República anunciou com a pompa e a circunstância que a mediatização impõem, uma "aposta" na energia eólica, como forma de combater a dependência energética do país face ao petróleo e de obter receitas privadas para o choque tecnológico. Se não se discute a necessidade de Portugal reduzir a factura energética, nem a opção pelas energias renováveis (veja-se aqui o exemplo dos Açores, com a opção pela geotermia), já é discutível, no plano das opções públicas que a opção pela energia eólica deva ser a única ou a grande fonte de produção de energias alternativas. Isto é, o Governo da República apresentou a proposta na energia eólica como se tratasse da grande solução para o problema da dependência do petróleo. Desacompanhada de outras opções no campo da produção energética (recurso à energia solar, rede de mini-hídricas, para produção local, valorização energética no tratamento dos resíduos sólidos urbanos, biomassa florestal, para apenas dar um ou dois exemplos) fica-se com a sensação de que o Governo pretendeu, de modo apressado e sobressaltado apresentar publicamente um meio para financiar algumas das promessas do Primeiro-Ministro.
Por outro lado, a opção pela energia eólica – tanto quanto é público – também não é secundada por nenhuma medida de contenção ou de poupança energética, quer a nível público, quer a nível privado, a começar pelas opções quanto à política de transportes públicos.

O ARTIGO DO MINISTRO DAS FINANÇAS – O Ministro das Finanças, Campos e Cunha, em artigo de opinião no "Público", volta a revelar uma estranha forma de agir politicamente. O Ministro, de modo casuístico, revela aquilo que o Primeiro-Ministro se recusou a assumir no recente debate do Estado da Nação, na Assembleia da República: que novas medidas de contenção esperam os Portugueses, em 2006, atingindo as economias das famílias. O Ministro Campos e Cunha disse mais do que deveria dizer, considerando a estratégia que o Governo adoptou para aplicar e comunicar as draconianas medidas económicas, cujos efeitos se começam a sentir na economia e já levaram o Banco de Portugal a rever em baixa o crescimento do PIB para 0,5%. Porém, o artigo do Ministro das Finanças suscita ainda algumas perplexidades: quando o Prof. Campos e Cunha faz uma distinção quanto à qualidade do investimento público e aos seus efeitos na economia do país, poderemos ou não interpretar as suas palavras, como revelando que ele terá daqueles Ministros que, em Conselho de Ministros, levantaram dúvidas quanto aos projectos do TGV e do aeroporto da OTA, como foi revelado por José Sócrates, na última grande entrevista à SIC, há quinze dias? Se não é, parece!

A DECLARAÇÃO INUSITADA DE SÉRGIO ÁVILA – Definitivamente, o Dr. Ávila não tem o perfil adequado para desempenhar o cargo de Vice-Presidente do Governo Regional dos Açores. Em declarações públicas, o Vice-Presidente, em mais uma das suas "boutades", enuncia a teoria financeira do “quanto pior melhor”, dizendo que as dificuldades financeiras do país, são boas para a Região, pois permitem uma maior arrecadação de receitas, graças ao aumento do IVA.
Revelando insensibilidade política, o Dr. Ávila esquece que os açorianos também sofrem com a crise nacional e que as dificuldades do país também chegam aos Açores.
Se esta declaração do Dr. Ávila fosse a única deste género proferida nos últimos meses, estaríamos perante um deslize. Mas, não foi. O Vice-Presidente do Governo tem sido pródigo neste tipo de declarações, demonstrando – se demonstração fosse necessária – que mandar no PS da Terceira, derrotando Francisco Coelho e ganhar a Câmara de Angra do Heroísmo, não são predicados suficientes para um bom governante.
O tempo tem-se encarregado de revelar que o Dr. Ávila é um erro de "casting"
!

12.7.05

TERRORISMO GLOBAL


Os ataques terroristas de 7 de Julho a Londres, embora possíveis depois do 11 de Setembro, não eram esperados, porque, simplesmente um ataque terrorista nunca é esperado.

A dimensão do ataque à capital londrina, a sua precisão, com a deflagração sequencial de várias bombas, em hora de ponta matinal, a simbologia da data – o início da cimeira G8, na Escócia, são bem reveladoras da estratégia adoptada: evidenciar que, apesar dos esforços do ocidente, a Al-Qaeda está viva e pode matar, com precisão e a sangue-frio.

Embora a natureza do terrorismo se mantenha, prosseguindo o mesmo tipo de objectivos (como escreve David Robertson, no "Dictionary of Modern Politics", Oxford, "terrorism is the use of violence politically as a means of pressurizing a government and/or society into accepting a radical political or social change") a sua estratégia e os métodos mudaram muito nas últimas duas décadas, mesmo tomando como ponto de partida o ataque à embaixada americana, em Teerão, em Novembro de 1979.

Depois dos alvos estritamente políticos ou de natureza militar, o terrorismo escolhe agora alvos que, aos olhos do cidadão comum, são aleatórios. Nos ataques terrorista de nova geração, os alvos são esses mesmos cidadãos comuns, inocentes, vítimas apenas porque estão no local errado, no momento errado.

A espiral do terror alimenta-se deste medo global: tanto faz ser New York, Madrid, Londres, ou outra cidade. O medo está instalado. Os cidadãos sabem que qualquer um pode ser a próxima vítima, em qualquer lugar. O receio global que o 11 de Setembro alimentou à escala planetária vive da mediatização dos actos terroristas. Em New York, o terrorismo foi hiper-mediatizado. A voragem dos media não encontrou limites. A AL-Qaeda viu o seu amplificado vezes sem conta. Já em Madrid, os acontecimentos, apesar dum ampla cobertura mediática, não tiveram a dimensão anterior. Agora em Londres, o Estado parece ter encontrado uma forma mais contida de lidar com os media e de conter – por consequência – os efeitos comunicacionais do acto terrorista: apenas informação confirmada, zona de interdição para a imprensa, locais imediatamente circunscritos, afastando os olhares indiscretos das câmaras de televisão, enormes panos brancos a delimitarem as áreas onde os feridos receberam o primeiro tratamento clínico.

Sem ser asséptica, a informação foi mais bem gerida, como forma de evitar a amplificação do medo, afinal outro dos novos objectivos do terrorismo.

Claro está que este novo ataque veio colocar a luta contra o terrorismo na agenda política da Europa e relançar o debate em torno de medidas de carácter securitário. No Reino Unido, a primeira consequência será – por certo – uma mais fácil aprovação do bilhete de identidade, desde sempre visto como uma abusiva violação da privacidade dos cidadãos por parte do Estado. O Ministro do Interior inglês já propôs publicamente que os países da UE passem a manter em arquivo, durante seis meses, todas as comunicações telefónicas e de e-mail, o que pressupõe uma vigilância global das comunicações.

Os actos terroristas têm o condão de colocar em confronto a necessidade de acautelar melhor a segurança colectiva dos cidadãos com a liberdade que todos gozamos nos Estados de direito democrático.

O combate ao terrorismo não tem uma resposta fácil, porque ele representa um ataque à própria democracia, aos seus fundamentos, ao debate, à pluralidade e à liberdade de escolha que o sistema democrático traduz. O terrorismo é a negação de tudo isto: é a imposição, pela violência, das opiniões de uns, anulando a liberdade da escolha.

Por isso mesmo, a resposta contra o terrorismo apenas pode ser dada num quadro democrático, sem cair na tentação – cada vez mais fácil – de que os "fins justificam os meios".

6.7.05

O MUNDO NESTA SEMANA


1. Começa hoje, na Escócia, a cimeira do G8 (os setes países mais ricos do mundo, a que se junta a Rússia). Tony Blair definiu já a agenda para esta reunião dos "grandes": a ajuda a África e as alterações climáticas. Sem constituir uma agenda própria da União Europeia, a proposta do Primeiro-Ministro britânico deve ser encarada num quadro em que Blair procura redefinir a sua própria posição e a posição inglesa face à Europa e no clube dos países mais ricos do mundo.

Depois da posição inglesa na guerra do Iraque, que levou Blair a enfrentar a oposição do seu próprio partido, o fez correr riscos no último acto eleitoral e evidenciou o estertor quase-final do eixo Paris-Bona, o chefe de Governo inglês já percebeu que precisa de emancipar-se dos EUA no contexto da política internacional e de aproximar da Europa, no plano da União.

Sinal desta linha bifronte é o discurso que proferiu perante o Parlamento Europeu, no início da presidência inglesa da União e as propostas que lançou ao G8.

2. O resultado da cimeira do G8 é, como sempre incerto, muito embora o "Live8" tenha tocado a rebate nas consciências planetárias. Blair irá empenhar-se para que as suas propostas de perdão da dívida ou elaboração dum plano Marshall para os países do terceiro mundo possa obter apoio dos outros sete. Provavelmente, os EUA distanciar-se-ão dum acordo e os parceiros europeus do Reino Unido, a braços com uma profunda crise económica, preferirão adiar uma solução.

Dirão os cínicos que o que não for conseguido agora, bem pode esperar mais algum tempo para ser alcançado. Porém, não deixamos de pensar que a devastação da fome, da miséria de quem vive com menos de um dólar por dia, das condições infra-humanas, da mortalidade infantil que atinge uma criança em cada três segundos, tem de parar. E esta é uma altura tão boa como outra qualquer.

A União Europeia não tem uma estratégia clara para o G8, muito embora já se tenha percebido que esta cimeira pode ser uma oportunidade para que a velha Europa se possa afirmar no plano internacional. Cauterizada pelo fracasso do tratado constitucional, mergulhada numa crise institucional, a Europa tem de encontrar novas ideias e atitudes mobilizadoras, que contagiem os seus dirigentes e os cidadãos, de modo a encontrar o suplemento de alma que lhe falta por estes dias.

3. Ironicamente, uma parte desta Europa – o velho eixo Paris-Bona – decidiu preparar a cimeira da Escócia, em Kalininegrado, sob os auspícios de Vladimir Putin e do seu desejo duma "nova Europa". A ex-Konisberg, no mar Báltico, encravada entre a Lituânia e a Polónia, foi a capital dos Reis da Prússia, tendo sido conquistada pelo Exército Vermelho durante a II Guerra Mundial e rebaptizada em 1946 como Kalininegrado, em homenagem ao dirigente soviético Mikhail Kalinine. É a cidade de Kant, que na pedra tumular tem a seguinte inscrição: "Duas coisas preenchem o espírito de uma admiração e de uma veneração crescentes e renovadas, à medida que a reflexão nelas incide: o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim."
A pergunta agora é: para onde vais Europa?

28.6.05

UM ATENTADO À AUTONOMIA – O CASO DO ANDEBOL


A decisão da Federação Portuguesa de Andebol de não permitir que equipas açorianas participem nos quadros competitivos normais da época, ficando restringidas à disputa dum "play-off", é um atentado à Autonomia e uma violação dos mais elementares direitos de cidadania dos açorianos.

Desde logo, a decisão federativa coloca em causa o princípio da igualdade, ao impedir que as equipas açorianas possam competir em idêntico plano ao de todas as equipas continentais. As equipas açorianas, apesar de obterem sucesso desportivo, de acordo com as regras estabelecidas pela própria Federação, são agora remetidas para um estatuto de menoridade e privadas de fazerem aquilo que qualquer equipa, de qualquer modalidade sabe fazer: jogar para ganhar e atingir o escalão mais elevado da sua modalidade.

As equipas açorianas estão a ser discriminadas pelo simples facto de serem destas ilhas, num soez ataque à dignidade das pessoas e das instituições dos Açores. A verdade desportiva está a ser pervertida por meras questões financeiras.

Depois duma tentativa ocorrida há duas épocas atrás, a Federação Portuguesa de Andebol, finalmente consegue eliminar as equipas dos Açores dos quadros competitivos nacionais, apenas permitindo a competição numa fase final, subvertendo todos os elementares princípios de desportivismo.

Afinal quem ganha e tem estatuto de campeão não é tratado como tal!

A Lei de Bases do Desporto (Lei nº 30/2004, de 21 de Julho), no seu artigo 13º estabelece o princípio da continuidade territorial que tem por objecto garantir que os açorianos e madeirenses participem desportivamente em plano de igualdade com outros portugueses, corrigindo-se as desigualdades resultantes do afastamento e da insularidade.

Este mesmo artigo impõe ao Estado, designadamente, o cumprimento das suas obrigações constitucionais, por forma a assegurar que a descontinuidade territorial dos Açores e da Madeira não impeça os atletas e as equipas destas Regiões Autónomas de participarem em campeonatos ou provas de âmbito nacional.

O texto deste artigo 13º resultou duma proposta da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e tem com ratio assegurar um direito de participação desportiva.

O princípio da continuidade territorial consagrado na Lei de Bases do Desporto representa a consagração do princípio da igualdade, em sede da lei que define as bases gerais do sistema desportivo português.

Apesar de, no caso do andebol, estarmos perante uma decisão federativa, não pode o Governo da República deixar de tomar posição sobre esta matéria, impondo à Federação Portuguesa de Andebol a revogação desta medida, ou por via administrativa ou por via judicial.

Na última época, o Governo da República impôs à Federação Portuguesa de Andebol o respeito pelo princípio da continuidade territorial, permitindo que a equipa d’ "Os Marienses" pudesse chegar desportivamente onde chegou.

É altura do Governo da República voltar a intervir, de modo a acautelar os legítimos direitos, liberdades e garantias de equipas açorianas, pois é disso mesmo que se trata aqui: estamos perante uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, com base numa descriminação de base territorial: os desportistas dos Açores são menos iguais do que os outros.

O Governo Regional, por seu lado, não pode deixar de utilizar todos os meios ao seu alcance para obter do Governo da República aquilo que é justo para as equipas açorianas.

Os Açorianos não podem baixar os braços perante uma indignidade desta natureza!

22.6.05

QUANDO O ILUSIONISTA É A ILUSÃO


A maioria socialista aprovou na última sessão da Assembleia Legislativa a criação dum designado "fundo de coesão", que o marketing político se tem encarregue de identificar como o instrumento essencial para a promoção do "desenvolvimento harmonioso" – para utilizar uma linguagem clássica – de todas as ilhas dos Açores. Embora apresentado sob o signo da ambição, o fundo de coesão é o sucedâneo possível da fusão de competências e atribuições dos velhos Fundo Regional das Actividades Económicas e Fundo Regional dos Transportes.
Nascido em pleno clima de campanha eleitoral para as últimas eleições regionais, o fundo de coesão procurou ser a resposta política do Governo Regional às propostas que preconizavam a criação de diversas sociedades de desenvolvimento por ilha ou por grupos de ilhas. Muito embora a natureza do fundo de coesão não se contraponha às sociedades de desenvolvimento, podendo ambos coexistirem, o que é verdade é que as circunstâncias históricas traçaram o destino político deste fundo.
Com funções de mera pagadoria dos apoios da Região concedidos ao abrigo dos diversos sistemas de incentivo ao investimento, o fundo de coesão permite muito menos do que o discurso oficial deixa antever: a majoração de incentivos a diversas ilhas em nada depende da existência deste novo fundo; a promoção ou atracção de novos investimentos nas ilhas mais pequenas não se concretiza através do fundo de coesão; nem sequer a participação da Região em sociedades de desenvolvimento ou sociedades anónimas, associando capitais privados e capitais públicos depende da criação deste instrumento. Se fosse um ser biológico, o fundo de coesão seria, provavelmente, um ornitorrinco – um mamífero estranho, com bico de pato, que se reproduz por meio de ovos e vive em pequenos buracos, à beira da água. Um mamífero que vive e se alimenta no meio dos peixes, mas que com eles não se identifica. Um mamífero que se dá mal com os seu género, votado à solidão singular a que a natureza o remeteu.
Nada na política de desenvolvimento dos Açores depende do fundo de coesão. Porém, se a proposta política do PS para os próximos quatro anos assenta num mecanismo desta natureza, a verdade é que nem o Vice-Presidente do Governo ou o Secretário da Economia souberam caracterizar as novas políticas de desenvolvimento dos Açores. Nem no debate parlamentar, Duarte Ponte conseguiu fugir do discurso sobre o óbvio, alimentando a convicção generalizada de que o fundo de coesão não foi uma ideia do seu departamento.
O que é criticável é que, após nove anos de governação, o PS ainda não é capaz de identificar com segurança novas propostas para o desenvolvimento de todas as ilhas dos Açores. Será a formação de recursos humanos, para além da tradicional e requentada formação profissional que serve para amortecer o desemprego? Será a criação de centros de excelência tecnológica? Serão as biotecnologias, em parceria com o mundo empresarial e universitário? Será a anunciada e adiada aposta na "agenda de Lisboa", inscrita no programa do Governo, sem reflexos a nível orçamental, nem tradução em nenhuma política de governação nestes sete meses do novo executivo?
O Governo Regional não sabe para onde vai. Mas, também, não se importa com isso. Contenta-se em distribuir obras de regime para agradar a todos, sem olhar a prioridades, a não ser aquelas que resultam da sua própria agenda política e eleitoral.

16.6.05

O ELOGIO DO VAZIO


As escolhas do PS para as próximas eleições autárquicas revelam bem uma velha e estranha dificuldade dos dirigentes socialistas açorianos: um partido de poder sem implantação ao nível local.

Os candidatos do PS às presidências das Câmaras Municipais são um sinal evidente de falta de líderes locais, de personalidades fortes que se imponham e possam disputar com sucesso as eleições autárquicas. Como é evidente, o PS optou por refugiar-se em figuras da segunda linha socialista, repetindo candidaturas sucessivamente derrotadas, na boa lógica da bicicleta em movimento, recorrendo ao círculo restrito daqueles que orbitam nas abas do poder regional socialista.

Sem grandes possibilidades de escolha, o PS preferiu – como sempre tem feito, em sucessivos actos eleitorais autárquicos – o recurso a candidatos que, assegurando fidelidade partidária, não aspiram – na sua larga maioria – a esperar por eventuais sobressaltos eleitorais que lhes façam cair no regaço uma ou outra autarquia.

As opções do PS traduzem a fadiga do ténue aparelho partidário socialista!

As candidaturas às cidades da Horta, Angra do Heroísmo ou Ponta Delgada, são, a este título, paradigmáticas.

Em Angra do Heroísmo e na Horta, a escolha do PS é a opção pela inércia. Os actuais Presidentes de Câmara são candidatos sem terem vencido as anteriores eleições e sem disporem de especiais atributos políticos que os qualificassem para uma candidatura.

Em nome de outros, sobrevivendo apenas na força política dos seus fautores, não sendo estrelas políticas e contentando-se à simples condição de planetas, reflectindo a luz de outros, José Pedro Cardoso e João Castro são candidatos pela singela razão de que se sentam na cadeira de Presidente.

Em Ponta Delgada, José San-Bento é um candidato de recurso, sem recursos políticos.

Desdobrando-se em múltiplas intervenções públicas, procurando dar consistência a uma candidatura que o próprio não terá desejado, mas que as circunstâncias impuseram que aceitasse, José San-Bento não é candidato: está candidato!

A candidatura de José San-Bento é modesta nos objectivos, pobre nas ideias e remediada nos propósitos.

Pretendendo apenas "uma vitória psicológica" – nas palavras do próprio, à revista "Factos" - José San-Bento admite explicitamente uma derrota em Outubro, não se coibindo de criticar os actuais vereadores do PS na autarquia de Ponta Delgada, acusando-os de não terem "perfil de quadros políticos do PS", o que teria dificultado a oposição. Não sei o que pensarão Rui Bettencourt, Director Regional da Juventude, Rui Coutinho, ex- Director Regional do Ordenamento do Território ou Piedade Lalanda, Deputada e colega de bancada parlamentar de José San-Bento desta apreciação à sua actuação na Câmara de Ponta Delgada.

A crítica de San-Bento, coloca, porém, a fasquia eleitoral num outro nível: o candidato socialista está politicamente obrigado a, pelo menos, igualar o resultado de Rui Bettencourt nas últimas eleições.

A tarefa não é fácil, sobretudo porque o próprio, apesar de estar a ocupar um espaço mediático – comportamento que critica a Berta Cabral – não foi ainda capaz de dizer o que quer para Ponta Delgada. Para além de pregar uma doutrina de entendimento com o Governo Regional – "remake" envergonhado da tese com que o PS procurou ganhar as últimas eleições autárquicas – as opções conhecidas da candidatura resumem-se a ideias avulsas que, longe de constituírem um programa são apenas um rosário de intenções destinadas a agradar a vários segmentos eleitorais, contradizendo mesmo o que os actuais vereadores do PS têm vindo a defender ao longo dos últimos quatro anos.