22.2.05

UMA NOVA MAIORIA



1. A vitória do PS, com uma expressiva maioria absoluta, 14 anos depois da última maioria absoluta dum só partido em Portugal (em 1991, com Cavaco Silva) vem provar que o sistema eleitoral português tem a capacidade de, não apenas gerar maiorias estáveis, como de permitir a existência de maiorias absolutas monocolores, provando, ainda, que as maiorias absolutas não são uma excepção do sistema: elas podem ser atingidas em determinados momentos da vida política, quando os eleitores assim o desejam.

2. Os resultados da noite de 20 de Fevereiro reflectem um juízo negativo do eleitorado sobre a governação do PSD e do CDS/PP e sobre os sobressaltos governativos provocados com o governo de Pedro Santana Lopes. As dificuldades económicas do país, as restrições impostas à economia das famílias, a elevada taxa de desemprego a somar à mudança de Primeiro-Ministro, ao estilo de Pedro Santana Lopes e ao facto das eleições terem ocorrido a meio dum ciclo de governação, levaram os portugueses a desejar uma mudança política.

3. A votação nos dois partidos do governo expressa uma acentuada rejeição da política governativa. Estou convencido que o PS somou, também, muitos votos de descontentamento. Isto é, o resultado do PS não deve a uma adesão popular a José Sócrates ou às políticas propostas pelos socialistas: ela concentra uma parte significativa do desencanto dos portugueses.

4. Convenhamos: a campanha do PS não foi brilhante, por muito que os resultados tendam agora a escondê-lo. O líder do PS também não provou nada: as eleições antecipadas caíram-lhe do céu e ele limitou-se a apanhar o comboio eleitoral. As suas prestações durante a campanha – em debates, em comícios e no discurso de vitória – não revelam especial preparação para o cargo de Primeiro-Ministro. A sensação com que se fica é que falta ao líder do PS a densidade política exigível a um Primeiro-Ministro. O Engº Sócrates terá de convencer os portugueses de que está à altura do desempenho do cargo.

5. Os portugueses disseram ao PSD que precisa de mudar de vida. Mudar, na sua relação com os portugueses, no seu estilo político, nos protagonistas. Seria injusto não reconhecer que o actual líder do PSD assumiu a liderança do PSD e a chefia do Governo numa conjuntura difícil – dentro do partido e no país. Mas, também, é forçoso dizer que a parte que dependia exclusivamente dele não foi cumprida da melhor maneira. Não que a sua governação tenha provocado perturbação social ou gerado ondas de protesto nas ruas. Porém, a sensação que foi passando para a opinião pública, foi a dum Governo hesitante, numa instabilidade crescente, em que a autoridade do Primeiro-Ministro tinha dificuldade em afirmar-se.

6. A baixa votação do PSD, podendo ser comparável a outras votações, noutros momentos históricos, não ilude a circunstância do PSD ter sido afastado do Governo, por uma maioria absoluta do seu mais directo concorrente.

7. O tempo, tal como as marés e as circunstâncias, mudou. O PSD precisa de começar de novo, com um horizonte político de quatro anos pela frente, em que os desafios mais imediatos passam pelas eleições autárquicas e presidenciais. O PSD precisa dum líder disponível para liderar o partido durante quatro anos e disposto a construir uma alternativa de poder ao PS, com serenidade e sem falsas desculpas. Começa agora um tempo de falar a verdade para dentro do PSD, em que a realização dum rápido congresso é condição essencial.

8. Uma nota sobre os resultados nos Açores, para destacar a bipolarização eleitoral, em que o PS reconquistou o Deputado perdido no último acto eleitoral, não repetindo um dado histórico: sempre que houve maioria absoluta dum só partido a nível nacional, o partido vencedor nos Açores ganha quatro Deputados. Também cá, o resultado deve ser interpretado à luz dum quadro interpretativo nacional, muito embora o PS e o PSD tenham conseguido resultados superiores às respectivas médias nacionais.

14.2.05


INTERVENÇÃO NA CONFERÊNCIA SOBRE A REVISÃO DO SISTEMA ELEITORAL ORGANIZADA PELO AÇORIANO ORIENTAL, EM 12 DE FEVEREIRO DE 2005 – PONTA DELGADA

As minhas primeiras palavras são para o Director do Açoriano Oriental, agradecendo a gentileza do convite para participar neste colóquio. Aceitei o convite com gosto enquanto cidadão e o empenho que a função de Deputado e Presidente da Comissão Parlamentar encarregue da revisão do sistema eleitoral impõem.

Com esta iniciativa, de inegável alcance público, o Açoriano Oriental, não só corresponde ao apelo reiteradamente feito para que este debate não se restrinja à Assembleia Legislativa, como faz jus aos seus pergaminhos autonomistas e honra a tradição de reflexão e defesa da autonomia, entendida como livre administração dos Açores pelos Açorianos.

A minha segunda referência vai para a Universidade dos Açores, na pessoa do Magnífico Reitor.

Nesta instituição de raiz açoriana, mas de vocação universalista, cumprindo a matriz genética do saber sem fronteiras, que o espírito universitário exalta, acentuamos com este debate um facto inultrapassável: a Universidade dos Açores, nascida Instituto Açoriano, é uma das mais emblemáticas referências do regime autonómico e motivo de orgulho para todos os Açorianos.

Permito-me, Senhor Reitor, citar V. Exa. quando na cerimónia de comemoração do dia da Região Autónoma dos Açores, nesta mesma Universidade, em 2003, disse: "Não falemos mais em "autonomia progressiva", uma expressão que gerou desconfiança na comunidade portuguesa. Não falemos mais em "autonomia tranquila", uma expressão que significa uma capitulação desnecessária. Não vale a pena falar de "nova autonomia", porque importa que ela tenha raízes bem antigas. Não vale a pena falar de "autonomia cooperativa", porque a cooperação tem de ser uma característica intrínseca de todo o processo autonómico. Esforcemo-nos, tão só, para que a autonomia seja sempre Regional – de todas as ilhas sem excepção – seja sempre Constitucional, isto é que seja inscrita no texto regulador da nossa vida colectiva".

Acompanho-o neste desafio. É por isso mesmo que estamos aqui hoje: para encetarmos uma reflexão que permita dar mais profundidade aos mecanismos de participação e representação política.

Saúdo também os Professores Doutores Jorge Miranda e Carlos Amaral. O primeiro, um eminente constitucionalista, de quem tive a honra de ser aluno. O segundo, um distinto académico açoriano que se tem distinguido na reflexão da problemática das autonomias.

A reflexão sobre a revisão do sistema eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, assim designada após a revisão constitucional de 2004, impõe que não se faça a diabolização política ou jurídica do actual sistema eleitoral.

O sistema eleitoral açoriano – importa lembrá-lo – é modelado pelos "founding father’s" da autonomia sob inspiração do modelo norte-americano, o que nos autoriza a detectar nele alguns elementos "para-federeais". Do modelo americano se retira a representação territorial, que nos EUA se efectua no Senado, composto por cem Senadores (dois por cada Estado) e que nos Açores se faz através da atribuição de dois Deputados a cada círculo eleitoral, cada um deles coincidente com uma ilha. Já a representação proporcional é obtida pela atribuição dum mandato por cada 6.000 eleitores ou fracção superior a 1.000, em cada círculo eleitoral.

Porém, como constatamos, não se adoptou um sistema bicameral nos Açores (solução cara ao Prof. Doutor Amaral que, certamente, a defenderá aqui hoje, pese embora a Constituição não permita a sua adopção), optando-se por combinar numa única câmara os dois tipos de representação.

Em 1976 elegiam-se 43 Deputados para o parlamento açoriano. Com o andar dos tempos e com as alterações introduzidas no quociente para a determinação do número de Deputados por círculo eleitoral, chegámos a uma Assembleia Legislativa constituída por 52 Deputados.

Desde a sua génese até ao último acto eleitoral de 17 de Outubro de 2004, o sistema eleitoral permitiu a formação de maiorias parlamentares de sinal político diferente: de 1976 a 1992 gerou maiorias absolutas do PSD; em 2000 e 2004 permitiu a formação de maiorias absolutas do PS. Apenas em 1996, o sistema eleitoral açoriano sofreu um sismo – para utilizar uma linguagem bem açoriana – quando o partido mais votado ( o PS, com 45,8% dos votos obteve o mesmo número de mandatos – 24 – do que o PSD, que apenas obteve 41% dos votos expressos).

Foi este acto eleitoral que evidenciou à saciedade uma patologia crónica do nosso sistema eleitoral: uma distorção entre o número de votos obtidos e a sua conversão em mandatos parlamentares.

A história eleitoral dos Açores demonstra que o sistema eleitoral em vigor beneficia os dois maiores partidos na conversão dos votos em mandatos, permitindo-lhes obter uma percentagem maior de mandatos do que a percentagem de votos recebidos. Os partidos menos votados são, pelo contrário, prejudicados.

Não se pense, porém, que o partido mais votado é o mais beneficiado na conversão dos votos em assentos parlamentares. A título de exemplo, refiro as eleições de 1992, em que o PS foi o segundo partido mais votado e obteve um ganho superior ao do PSD. O PS teve 34,6% dos votos e 41,2% dos mandatos. Já nas eleições de 1996, o PSD foi o segundo partido mais votado, tendo sido beneficiado em relação ao PS. O PSD teve 41% dos votos e 46,2% dos mandatos.

No sobressalto provocado na classe política com os resultados eleitorais de 1996, filia-se a urgência da revisão da lei eleitoral, constitucionalmente imposta pela Lei Constitucional nº 1/2004, de 24 de Julho.

Ao mesmo tempo que a última revisão constitucional atribuiu às Regiões Autónomas o direito de iniciativa exclusiva das leis relativas à eleição de Deputados para cada uma das Regiões, bem como a iniciativa exclusiva na sua revisão, impôs a cada uma delas – em sede de disposição final e transitória – a obrigação de, no espaço de 6 meses a contar de 17 de Outubro de 2004, aprovar um projecto de alteração da respectiva lei eleitoral.

A sanção que a própria Lei Constitucional prevê para o não exercício desta iniciativa de alteração das leis eleitorais é a caducidade do direito de iniciativa de cada Região Autónoma, com a consequente preclusão do direito de pronúncia em caso de rejeição ou de introdução de alterações por parte da Assembleia da República no projecto aprovado pela respectiva Assembleia Legislativa, conforme dispõe o artigo 226º da Constituição.

Muito embora o artigo 47º da Lei Constitucional nº 1/2004 não o disponha expressamente, entendemos que tal sanção apenas há-de vigorar para o primeiro processo de alteração da lei eleitoral de cada uma das Regiões Autónomas. Isto é, o eventual não exercício do direito de iniciativa de alteração da lei eleitoral apenas paralisaria momentaneamente este direito, não se comunicando a todos e quaisquer outros processos de revisão subsequentes.

A talhe de foice, seja-nos permitido criticar a solução constitucional encontrada, quer, não apenas pela esdrúxula imposição às Regiões Autónomas, ditada pela vontade que o PS sempre manifestou de alterar a lei eleitoral da Madeira, tendo os Açores sido "vítimas constitucionais" por arrastamento, quer quanto à sua apressada formulação.

A Assembleia da República "esqueceu-se" que entre um acto eleitoral parlamentar e a verificação de poderes dos novos Deputados decorre sensivelmente um mês, o que se verificou no início desta VIII Legislatura.

Se juntarmos a este facto a circunstância do parlamento dever dar prioridade à discussão e aprovação do Programa do Governo, teremos que, do prazo inicial de 6 meses, restam apenas 4 meses e pouco.

Porém, interessa aqui assinalar, que todos os partidos com assento parlamentar na Assembleia Legislativa afirmam já o seu firme empenho de fazerem aprovar um projecto de alteração da lei eleitoral a apresentar à Assembleia da República no prazo de 6 meses, contados a partir de 17 de Outubro último.


O artigo 47º nº 2 da já referida Lei Constitucional nº 1/2004, parametriza a revisão da lei eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores de acordo com o reforço do princípio da proporcionalidade e a salvaguarda do princípio da representação por ilha.

A credencial constitucional conferida ao legislador ordinário obedece a regras estritas: é vedada qualquer alteração que não reforce o princípio da proporcionalidade, bem como também não é permitida qualquer alteração que não salvaguarde a realidade ilha como círculo eleitoral.

Do confronto deste nº 2 com nº 3 que se ocupa da revisão da lei eleitoral para a Região Autónoma da Madeira, resulta que o legislador constituinte quis para uma o que não pretendeu para outra.

De facto, enquanto para a Madeira, o reforço do princípio da proporcionalidade poderá ser conseguido – caso seja "necessário" através da criação dum círculo regional de compensação (cf. o nº 3 "in fine"), já para os Açores o reforço do princípio da proporcionalidade terá de ser obtido sem o recurso a um círculo deste tipo.

Isto é, a adopção dum círculo regional de compensação no caso dos Açores é inconstitucional.

A favor da inconstitucionalidade deste tipo de círculo milita não apenas o argumento atrás expresso (o da previsão da sua existência no caso da Madeira e da sua inexistência no caso dos Açores), como o elemento histórico que, no caso, não é despiciendo. É que à data dos trabalhos da revisão constitucional, o PS tinha apresentado na Assembleia da República um projecto de alteração da lei eleitoral para os Açores contemplando precisamente a criação dum círculo regional de compensação. A isto acresce que este artigo 47º surge como imposição do PS, no âmbito das negociações com o PSD para a revisão da lei eleitoral, devendo lembrar-se que a pretensão original do Partido Socialista era condicionar a revisão constitucional à alteração das leis eleitorais das duas Regiões Autónomas.

Daqui, há que concluir, que o legislador constituinte "consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" para usar a fórmula do artigo 3º, nº 3 do Código Civil.

Do mesmo passo, a adopção de quaisquer outros círculos eleitorais – de natureza concelhia, por exemplo – também padecerá de inconstitucionalidade por violação do princípio da "salvaguarda da representação por ilha".

É que a revisão constitucional de 2004 consagrou, de modo inequívoco, o respeito absoluto pela realidade do círculo eleitoral-ilha.

A revisão do sistema eleitoral açoriano não deve perseguir uma perfeição que não é alcançável quando se convertem votos expressos em mandatos parlamentares.

Apesar das suas patologias, o nosso sistema eleitoral, ainda assim, consegue um elevado índice de proporcionalidade, acima dos 90%, o que recomenda, não uma revolução, mas uma revisão equilibrada e sensata, efectuada, não a pensar na próxima eleição, mas nas próximas gerações de cidadãos e de eleitores.

O reforço do princípio da proporcionalidade que a Constituição impõe apenas pode ser obtido por uma de duas maneiras: ou por um aumento do número de Deputados ou pela sua diminuição, dentro de cada círculo eleitoral.

A solução do aumento do número de Deputados seria a mais fácil e a mais cómoda de realizar, muito embora julgue que não vai de encontro à opinião maioritária dos Açorianos.

Neste particular, sublinho o facto do meu partido ter efectuado um referendo aos seus militantes, tendo 66,5% dos votantes manifestado preferência pela diminuição de um Deputado em cada círculo eleitoral.

Mas mais: um eventual aumento do número de Deputados não vai sequer de encontro à tendência dominante na sociedade portuguesa quanto à dimensão da representação parlamentar.

A Assembleia da República tem um máximo de 230 Deputados, quando já teve originariamente 250, havendo mesmo quem defenda a redução da sua composição para o mínimo de 180 Deputados, constitucionalmente autorizado.

Nos termos do já citado artigo 47º, nº 3 da Lei Constitucional nº 1/2004, a Madeira será obrigada a reduzir o número de Deputados dos actuais 68 para um mínimo de 41 e um máximo de 47.

Apenas a título de exemplo, refiro que Cabo Verde com 10 ilhas e 483.000 habitantes tem um parlamento com 72 Deputados, que as Canárias com 1.915.000 habitantes, têm um parlamento com um máximo de 70 Deputados ou ainda que a Martinica com 429.000 habitantes tem um parlamento com 45 Deputados.

É claro que, a estes exemplos, sempre se poderá contrapor o exemplo das Ilhas Aland, um arquipélago finlandês com 6.554 ilhas… das apenas 60 são habitadas por 25.000 pessoas e cujo parlamento tem 30 Deputados.

Fará sentido aumentar o número de Deputados nos Açores? A minha resposta é negativa.

A solução mais equilibrada é a de diminuir um Deputado em cada um dos círculos eleitorais, retirando um ao contingente territorial.

Esta é uma opção exclusivamente pessoal, que não vincula o meu partido – que ainda não se pronunciou sobre a matéria – nem representa a opção da Comissão Parlamentar a que presido.

A diminuição do número de Deputados que defendo é uma opção por uma melhor representação parlamentar, por uma Assembleia Legislativa mais equilibrada na sua dimensão, sem que daqui resulte qualquer prejuízo para a representatividade de todas as ilhas ou para a qualidade do trabalho parlamentar.

É também uma opção de natureza política, reflectindo um desejo de reforma institucional do parlamento açoriano. Nesta matéria, como noutras de carácter institucional, primeiro fazem-se escolhas políticas e só depois se procuram as soluções jurídicas.

Se houver coragem política para adoptar a redução de nove mandatos na Assembleia Legislativa, estou certo que os partidos darão um passo importante na direcção da reconciliação da classe política com os eleitores.

Aplicando solução que proponho aos resultados eleitorais de 17 de Outubro, o PS ficaria com 27 mandatos (62,8% dos mandatos), tendo obtido 57% dos votos expressos. A Coligação Açores obteria 16 Deputados (37,2% dos mandatos), tendo obtido 37% dos votos expressos.

Perder-se-ia proporcionalidade a nível de cada círculo eleitoral, mas obter-se-ia um ganho de proporcionalidade global.

Contra esta solução poderá argumentar-se com o facto do círculo eleitoral do Corvo passar a ser um círculo uninominal. Porém, tal solução é constitucionalmente autorizada.

Desde logo, do confronto do disposto no artigo 149º, nº 1 com artigo 231º, nº 2 da Constituição. Enquanto que aquele dispõe que na eleição de Deputados para a Assembleia da República, a lei eleitoral tem de "assegurar o sistema de representação proporcional", aqui, para a eleição de Deputados às Assembleia Legislativas, apenas há que garantir a "harmonia com o princípio da representação proporcional".

Ora, esta "harmonia com o princípio da representação proporcional" é uma imposição gradativamente mais fraca do que a de "assegurar o sistema de representação proporcional", a qual confere credencial ao legislador ordinário para poder encontrar uma harmonização com o tal princípio, da qual resulte uma proporcionalidade global na Região Autónoma dos Açores, admitindo "desvios marginais".

Este entendimento encontra uma novo apoio agora, no artigo 47º, nº 2 da já citada Lei Constitucional, que impõe a "salvaguarda do princípio da representação por ilha". Para se obter o reforço da proporcionalidade simultaneamente com a salvaguarda do princípio da representação por ilha é forçoso admitir uma de duas soluções no plano constitucional: ou a de diminuição do contingente de representação territorial ou o do aumento do contingente de representação proporcional (um Deputado por cada 6.000 eleitores ou fracção superior a 1.000).

O imperativo da eleição da Assembleia Legislativa de "harmonia com o princípio da representação proporcional" foi mitigado pela revisão constitucional de 2004 ao determinar a "salvaguarda" da representação por ilha.

Com interesse para esta perspectiva, cite-se a sentencia nº 45/1992, de 2 de Abril de 1992 do Tribunal Constitucional espanhol, sobre o sistema eleitoral das Baleares, de acordo com a qual "é compatível com o carácter globalmente proporcional de um sistema eleitoral o facto de, atendendo a circunstâncias especiais, como seja a condição insular, haver que outorgar uma representação própria e específica a uma determinada população e, inclusivamente, em virtude de necessidades decorrentes da própria natureza proporcional do sistema, só se lhe atribuir um lugar".

Em causa estava, entre outros, o facto do distrito eleitoral de Formentera, da Comunidade Autónoma das Baleares, eleger apenas um Deputado, o que no entender dos requerentes violaria o princípio da representação proporcional consagrado no artigo 152º, nº 1 da Constituição espanhola.

Deste modo, o facto da ilha do Corvo eleger apenas um Deputado não colocaria em causa a proporcionalidade global do sistema eleitoral, aquela a que importa atender, não se perdendo de vista a chave essencial para a interpretação do regime político-administrativo das autonomias inscrita no artigo 225º, nº 1 da Constituição: "o regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas (…)".

Há aqui um direito à diferença de natureza institucional que deve ter tradução na definição do sistema eleitoral dos Açores.

Com a determinação de sempre, com a vontade de, nos Açores encontrar as melhores soluções de auto-governo para os Açorianos, estou certo de que saberemos honrar a tradição dos que nos antecederam, nos sempre eternos confrontos com Lisboa.
Como escreveu Natália Correia "creio que o amor tem asas de ouro".

O amor aos Açores dar-nos-á as asas para fazer a Autonomia voar mais alto e mais além.

10.2.05

A CAMPANHA E O RESTO

De modo quase imperceptível o país entrou em campanha eleitoral. A pré-campanha começou no dia em que o Presidente da República também pré-anunciou a dissolução do parlamento. Suavemente, em Domingo de Carnaval, com o país virado para o "rei-momo", a campanha formal inscreveu o seu início no calendário. A campanha, aliás, parece refém de tudo o que é prévio: os pretextos abundam, as premonições quanto aos resultados de 20 de Fevereiro e aos resultados das diversas sondagens eleitorais enchem parte do discurso dos principais partidos, as prédicas morais tornaram-se um recurso estilístico frequente, como forma de esconjurar uma onda de boatos – das diversas índoles – que tem manchado a contenda eleitoral.

A campanha está estranha!

Não são apenas os boatos, os "innuendos" sobre as qualidades ou opções de vida dos candidatos a chefe de governo ou o estilo de campanha negativa (a lembrar o conceito de publicidade comparativa, tirado dos manuais do marketing comercial) adoptado por algumas forças políticas a marcar, de modo negativo, a campanha eleitoral. Há um tom de arrogância moral que alguns líderes partidários usam (lembremos o que disse Francisco Louçã a Paulo Portas sobre o aborto, no confronto que ambos tiveram na SIC-Notícias) que não augura nada de bom sobre a qualidade do debate democrático, cujo expoente máximo deve ocorrer precisamente no tempo de campanha eleitoral.

É durante a campanha eleitoral que os líderes partidários se devem prestar ao debate entre si para melhor esclarecerem os eleitores. Curiosamente, sendo esta uma das mais intensas campanhas eleitorais dos últimos anos (no melhor e no pior sentido), o debate entre os dois principais candidatos ao lugar de Primeiro-Ministro está reduzido ao mínimo: um debate a dois (asséptico na forma e equilibrado quanto ao resultado final – um "match nulo") e um debate com todos os líderes partidários a ter lugar na televisão pública. A forma inovadora de fazer política de que o Engº Sócrates se diz portador não comporta o risco do debate político, no confronto das ideias? Um político que não gosta de debater é um político que não gosta do confronto. Será assim com este outro engenheiro?

Do lado da actual maioria, a atitude é bem diferente: disposição para o debate, para o confronto político, muito embora Santana Lopes e Paulo Portas se posicionem de modo bem diferente quanto à estratégia eleitoral: Santana Lopes acredita no seu talento pessoal para “virar o jogo” dos resultados e partir para uma vitória em 20 de Fevereiro, contra os resultados desfavoráveis que todas as sondagens prenunciam para o PSD; por seu lado, Paulo Portas, numa estratégia eleitoralmente hábil, invoca o "voto útil" no CDS/PP, para o transformar num partido charneira e do qual dependa a formação duma nova maioria parlamentar (ora com o PSD, ora com o PS), reivindicando um papel na política portuguesa semelhante àquele que foi desempenhado na Alemanha, em sucessivos actos eleitorais, pelo Partido Liberal, de Helmut Gensher (salvaguardando as naturais diferenças ideológicas entre os dois partidos).

As campanhas do PSD e do PP orientam-se para objectivos bem diversos: o PSD discute a vitória com o PS; o PP já só aposta numa vitória do PS, mas sem maioria absoluta.

Duas notas finais: a primeira, para assinalar a reabertura do Coliseu Micaelense, em todo o seu esplendor. A cidade fica mais bonita com o Coliseu. A próxima etapa é a definição duma política de promoção cultural inteligente para os Açores, que tire partido dos espaços de que dispomos e que valorize e projecto os nossos criadores culturais. A segunda nota, é para saudar o "Açoriano Oriental"pela realização, em conjunto com a Universidade dos Açores dum debate sobre a revisão do sistema eleitoral, fazendo jus aos seus pergaminhos autonómicos.

Texto publicado no Açoriano Oriental, de 9 de Fevereiro de 2005


9.2.05

A LARANJA COMO METÁFORA


Depois da derrota eleitoral de 17 de Outubro o PSD - como todos os partidos que sofrem derrotas em regimes democráticos -fez no último congresso o seu acto de contrição político: reconheceu os erros estratégicos cometidos e reconheceu que os Açorianos preferem um PSD que se apresente a eleições sem coligações pré-eleitorais.

Três meses após as eleições, o último congresso provou que o PSD já não perde muito tempo a olhar para trás. A política do retrovisor fica para o PS que, após oito anos de poder, ainda fala do passado da governação do PSD, como causa justificativa das suas opções. Apesar de vitorioso em três actos eleitorais sucessivos, o PS continua a sofrer dum certo síndroma de trincheira, não resistindo a comportar-se no poder como se ainda estivesse na oposição. O PS não resiste mesmo a querer dizer à oposição como se deve comportar, como se viu no discurso de tomada de posse proferido pelo Presidente do Governo perante a Assembleia Legislativa.

As eleições de 17 de Outubro conferiram ao PS e ao PSD mandatos muito claros: aos socialistas, um mandato para governar; aos sociais-democratas um mandato para liderarem a oposição nos Açores.

O PSD não tem a pretensão de dizer ao governo como governar. Fará isso sim, um juízo político sobre a condução da governação e apresentará no parlamento e fora dele as propostas que diferenciam o PSD do PS, construindo uma alternativa de governo. É isso mesmo que o PSD tem para oferecer aos Açorianos: a construção duma alternativa de governo, para todos os que não se revêem na governação socialista. Alguns dirão que é demasiado cedo, pois as próximas eleições regionais são apenas em 2008. Não é demasiado cedo. A construção duma alternativa começa desde já, sobretudo quando o próximo ano e meio será consumido numa voragem de três actos eleitorais sucessivos, não contando com a realização de um ou dois referendos.

A alternativa que o PSD oferece aos Açorianos assenta na reafirmação da Autonomia e do seu carácter permanentemente evolutivo, dialéctico, no confronto com o poder central e na certeza de que a Autonomia não se esgota ou se confunde, sequer, com a governação ou com o desenvolvimento dos Açores.

A defesa da autonomia para as pessoas, pressupõe uma atitude firme em relação ao poder central, seja ele de que cor for, a qual não tem de significar um clima de guerrilha permanente. A firmeza na defesa da autonomia resulta mais da atitude, do que do voluntarismo.

Esta acepção que defendo, implica que não voltemos ao tempo da "autonomia cooperativa", que o Presidente da República parece compartilhar. Esta visão traduz uma concepção de autonomia limitada, amputada na sua ambição que não serve os Açores. Nem sequer a "moratória" na evolução constitucional da Autonomia que o Presidente do Governo Regional propõe, é aceitável!

Depois da última revisão constitucional, abriu-se um novo caminho na definição das competências legislativas das Regiões Autónomas, que a revisão do Estatuto Político-Administrativo deve agora concretizar, duma maneira ousada e descomplexada.

O PSD apresentará na Assembleia Legislativa uma proposta de revisão da "lei fundamental" açoriana que não se limite apenas às matérias obviamente decorrentes da última revisão constitucional, mas que seja portador dum carácter reformista quanto ao nosso sistema de governo, entendido na sua globalidade.

Do mesmo modo, porque se torna indispensável para a saúde do nosso sistema político, o PSD apresentará uma proposta para a reforma da Assembleia Legislativa, propondo, desde logo, um maior número de reuniões do plenário e mecanismos que aproximem o parlamento dos eleitores.

Para os partidos autonomistas, os próximos meses constituem uma oportunidade renovada para a reafirmação da Autonomia e para a sua consolidação institucional. Há diferenças entre o PSD e o PS que ficarão ainda mais evidentes.

Sobretudo, há do lado do PSD uma passado que fala por si em matéria da defesa da Autonomia. Do seu lado, o PS exibe hesitações históricas, a permanente confusão entre a concepção teórica da autonomia e o pragmatismo da governação e a convicção – várias vezes repetida pelos seus dirigentes – de que a Autonomia terá começado em 1996, com a primeira vitória do PS.

O tempo se encarregará de repor a verdade.

1.2.05

REFORMAR O SISTEMA ELEITORAL


A primeira consideração a fazer quando se fala da lei eleitoral para a Assembleia Legislativa dos Açores é de que o actual sistema - com todos os seus defeitos e virtudes -já permitiu a formação de sólidas maiorias parlamentares, à esquerda e à direita do espectro partidário.

A segunda consideração tem a ver com o facto do nosso sistema combinar numa única câmara (a Assembleia Legislativa) a representação territorial com a representação proporcional: elegem-se dois Deputados por cada ilha e um Deputado por cada 6000 eleitores recenseados ou fracção superior a 1000.

Em 1996 a credibilidade do sistema eleitoral Açoriano sofreu um abalo, quando o PS, tendo obtido mais votos, acabou por ficar com o mesmo número de Deputados que o PSD, feita a conversão dos votos em mandatos.

A problemática da alteração do sistema eleitoral dos Açores não é nova, nem sequer nasceu com as eleições de 1996. De tempos a tempos ela ressurge, com particular incidência na proximidade de actos eleitorais.

Desta feita, no início duma nova legislatura, estamos no tempo adequado para encarar as alterações ao nosso sistema eleitoral com serenidade e distanciamento.

As alterações aos sistemas eleitorais devem seguir um princípio gradualista; isto é, devem efectuar-se reformas que sejam compreensíveis pelos cidadãos e que não embarquem numa qualquer moda política, em busca da solução perfeita.

Em matéria de sistemas eleitorais não só não há soluções perfeitas, como não se atinge a proporcionalidade absoluta.

Apenas o sentido de equilíbrio e a sensibilidade podem ajudar a encontrar as soluções mais adequadas a cada comunidade política, não a pensar na próxima eleição, mas nas próximas gerações.

De acordo com a Lei Constitucional nº 1/2004, de 24 de Julho, os Açores têm de aprovar uma ante-proposta de alteração da sua lei eleitoral até 18 de Abril, apresentando-a na Assembleia da República, respeitando dois pressupostos: o reforço do princípio da proporcionalidade e a salvaguarda do princípio da representação por ilha.

A revisão constitucional de 2004 consagrou de modo inultrapassável a representatividade da realidade ilha na Assembleia Legislativa, impondo mesmo a sua "salvaguarda" em sede de direito eleitoral. O artigo 47º, nº2 daquela Lei Constitucional não se limita a impor apenas o respeito por um princípio geral de representação por ilha: vai mais longe e obriga o legislador ordinário (naquilo a que poderíamos designar como "prescrição forte") a salvaguardar este tipo de representação. A credencial constitucional que daqui resulta afasta, desde logo, todas as soluções que não se conformem com a estrita observância formal desta disposição. Voltarei ao assunto, sobretudo para analisar as consequências directas que daqui se retiram.

Quanto ao "reforço do princípio da proporcionalidade", ele apenas pode ser atingido por uma de duas maneiras: ou através do aumento do número de mandatos ou pela sua diminuição (e aqui a diminuição teria de ser efectuada ao nível da representação territorial, no tal contingente dos dois Deputados atribuídos a cada ilha).

A diminuição de nove Deputados (um por ilha) no nosso parlamento parece-me uma solução equilibrada e consentânea com o sentimento dominante na sociedade açoriana. No recente referendo interno no PSD, 66,5% dos votantes pronunciaram-se a favor duma solução desta natureza.

A redução do número de Deputados efectuada desta forma permite reforçar a proporcionalidade do sistema, sem prejuízo para o trabalho parlamentar ou para a representação de todas as ilhas, ao mesmo tempo que vai de encontro à dimensão de outros parlamentos, proporcionalmente considerado o número de eleitores.