31.3.05

PROPOSTAS APRESENTADAS NA COMISSÃO DE REVISÃO DA LEI ELEITORAL
Na reunião da Comissão realizada no dia 11 de Março, apresentei à Comissão a proposta de que, para além das matérias objecto dos ante-projectos apresentados pelo Grupos Parlamentares, a Comissão pudesse apreciar os aspectos da Lei Eleitoral que abixo indico, com o objectivo de não circunscrever a revisão da lei eleitoral apenas à questão do método de eleição dos Deputados ou, se quisermos, à mecânica eleitoral.

No desenvolvimento dos trabalhos da Comissão, as matérias atrás elencadas não foram objecto de qualquer iniciativa legislativa, não tendo a maioria parlamentar do PS mostrado qualquer abertura para a sua discussão.

Penso que o Parlamento - por uma estreiteza de visão da maioria do PS - perdeu uma oportunidade para ir além duma revisão minimalista da Lei Eleitoral.


1. Criação dum novo círculo eleitoral, com a designação de "Círculo Eleitoral Fora dos Açores", elegendo dois Deputados, no qual seriam eleitores os cidadãos eleitores residentes no estrangeiro, inscritos também no recenseamento eleitoral no território da Região Autónoma dos Açores.

2. Atribuição de competências à Região Autónoma dos Açores em matéria de consolidação dos cadernos eleitorais.

3. Possibilidade de grupos de cidadãos poderem apresentar candidaturas às eleições para a Assembleia Legislativa.

4. Simplificação e desburocratização do modo de exercício do voto antecipado previsto nos artigos 79º-A e seguintes da Lei Eleitoral.

5. Previsão da possibilidade de voto por via electrónica.

6. Clarificação do âmbito do artigo 9º da Lei Eleitoral, no sentido de que os candidatos que sejam Presidentes de Câmara Municipal ou que legalmente os substituam, apenas estão obrigados a suspensão de funções, que não de mandato.

7. Clarificação do conceito de "proibição de propaganda fora das assembleias de voto até à distância de 500 m", cf. o artigo 92º da Lei Eleitoral.

16.3.05

O SERVIÇO REGIONAL DE SAÚDE
O Serviço Regional de Saúde atravessa hoje um dos seus maiores desafios: o da sua reorganização para sair da crise crónica na qual, dia a dia, vai agonizando, sem alívio de dor ou com tratamento paliativo à vista.

Apesar do aumento dos recursos financeiros colocados à disposição do Serviço Regional de Saúde, ainda estamos longe duma política de saúde que responda eficazmente a um dos mais elementares direitos de cidadania: o direito à saúde e o direito a ser atendido numa unidade de saúde, com rapidez e eficiência, num tempo clinicamente aceitável.
Decorridos oito anos de governação do Partido Socialista, a pergunta que se impõe é a de saber se hoje temos melhor saúde e se temos a melhor saúde pelo preço que todos nós pagamos com o dinheiro dos nossos impostos.

O Serviço Regional de Saúde foi criado em 1980, seguindo um modelo tradicional: três hospitais e 16 Centros de Saúde. Hoje, todos os concelhos da região dispõem, pelo menos, de uma unidade de saúde, embora a maioria dos cuidados diferenciados seja prestada nos três Hospitais.

Vinte e quatro anos após a sua consagração legal, o Serviço Regional de Saúde assenta ainda – e exclusivamente – no modelo de gestão pública administrativa da saúde.

É verdade que foi este modelo que ao longo destes anos permitiu importantes ganhos na área da saúde: generalização do acesso dos cidadãos à saúde, alargamento da rede de cobertura das unidades de saúde, redução da taxa de mortalidade perinatal e de mortalidade infantil, expansão da prestação de cuidados diferenciados na rede de saúde pública, para apenas referir os mais importantes.

Porém, apesar de ter permitido todos estes avanços – obra dos sucessivos Governos Regionais – torna-se cada vez mais evidente o esgotamento deste modelo, gerador de perdas de eficiência, de eficácia no atendimento dos utentes e causador duma desestruturação no funcionamento do próprio Serviço Regional de Saúde.

Resultado? Insatisfação generalizada dos utentes com a prestação de cuidados de saúde, em particular ao nível dos cuidados primários de saúde.

Em 1992 existiam na região 333 médicos. Em 2002 já eram 427 médicos. Porém, o número de médicos da carreira de clínica geral apenas aumentou de 114 médicos em 1992 para 117 em 2002.

Já nos hospitais, no mesmo período de tempo, o número de médicos passou de 214 para 310.

Curiosamente, quer nos Centros de Saúde quer nos Hospitais, os funcionários administrativos duplicaram entre 91 e 2001. Só para se ter uma ideia passaram, de 276 para 376, nos Centros de Saúde e de 135 para 289 nos hospitais.

Nos Açores, a relação médico/doente é pior que no continente. Enquanto que a média nacional aponta para um médico por cada 303 habitantes, a média regional confirma o que sempre se verificou, ou seja, um médico para cada 619 pacientes.

Acresce que a situação dos médicos de família não sofreu melhorias significativas. Antes pelo contrário.

Em 1997, cada médico de família atendia 1776 pacientes; em 2001, cada médico de família atendia 1656 doentes. Mas não se iludam: a média baixou porque nem toda a população está coberta pelo médico de família. Recordo apenas o exemplo da maior cidade açoriana. Ponta Delgada, que tem cerca de 65 mil habitantes e apenas 33 mil estão inscritos no centro de saúde.

A realidade diz-nos, ainda, que as consultas nos centros de saúde baixaram. Em 1995, os Centros de Saúde registaram 340.947 consultas; em 2001 realizaram apenas 260.952 consultas. Em contrapartida, os atendimentos urgentes por centro de saúde dispararam: passámos de 182.900 atendimentos urgentes em 1995 para 243.800 em 2001.

Nos hospitais o número de consultas aumentou. Para além do aumento do número de consultas externas, aumentou, sobretudo, o número de consultas nas urgências dos hospitais e pelas piores razões: hoje, quem vive perto de um hospital prefere estar duas horas no banco de urgência e ser visto por um especialista do que ir a um centro de saúde para ser visto por um médico da carreira de clínica geral.

Este comportamento dos utentes só pode ser fruto do desinvestimento e degradação a que estas unidades de saúde têm sido sujeitas.

Importa, por isso, inverter a marcha e, a curto prazo, desenvolver uma política que devolva e assegure a credibilidade necessária a estes clínicos e torne a especialidade de clínica geral numa especialidade atractiva.

O objectivo tem de passar necessariamente pelo reforço de clínicos nos Centros de Saúde de Ponta Delgada, Angra e Horta procedendo a um programa especial de contratação de médicos, procedendo à celebração de contratos de trabalho a termo, por um período não inferior a cinco anos, devendo estes contratos ser devidamente equacionados e com os seus termos bem definidos.

Por outro lado, importa avançar com um corajoso programa de combate às listas de espera, de modo a permitir que os utentes não esperem mais tempo por um atendimento para além do tempo clinicamente aceitável. Permitam-me que refira, neste particular, a contradição entre o discurso oficial e a realidade, a propósito do maior Hospital da Região – o Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada. O anterior Director Clínico, nomeado pelo anterior titular da pasta da Saúde, afirmou publicamente, por diversas vezes, que não existiam problemas com as listas de espera. A nova Directora Clínica, já nomeada pelo actual Secretário Regional dos Assuntos Sociais, na sua tomada de posse, assumiu que o combate às listas de espera era uma das suas prioridades.

Infelizmente, as contradições na política de saúde prosseguida pelos vários governos da responsabilidade do PS não se ficam por aqui.

Durante anos, os diversos Secretários ou Sub-Secretários da saúde, com particular destaque para o Dr. Francisco Coelho, agora líder parlamentar do PS, disseram que a inexistência do cartão de utente do Serviço Regional de Saúde se ficava a dever ao Governo da República. Porém, espantosamente, como por artes mágicas, o processo de aquisição do cartão de utente está em curso, por iniciativa do Governo Regional.

Ao fim de vinte e quatro anos o Governo Regional descobriu que tinha andado a enganar os Açorianos!

Mas, mais: em 1999, esta Assembleia Legislativa aprovou uma alteração ao modelo de Serviço Regional de Saúde, por proposta do Governo do PS, criando as Unidades de Saúde de ilha.

Na altura, o PSD não inviabilizou esta alteração legislativa, de modo a permitir que o PS executasse a sua política para o sector.

No dia 11 de Fevereiro de 2005, o Governo Regional descobre que se enganou! O Secretário Regional dos Assuntos Sociais, de visita a São Jorge põe em causa o modelo de funcionamento das unidades saúde de ilha e cito "levanta-se a questão de saber se se deve ou não aplicar o que está regulamentado, se deve ser revisto, se deve ser repensado o tipo de cuidados a prestar".

Já de visita ao Pico, o mesmo Secretário Regional elogia a unidade de saúde desta ilha, enaltecendo os seus méritos.

Em que é que ficamos? A resposta é clara: o PS não sabe o que fazer com o Serviço Regional de Saúde.

Faltam-lhe as ideias e as propostas. Falta-lhe, sobretudo, um sentido reformador.

Já chega de má gestão, de indisciplina orçamental e dum mau serviço prestado aos utentes. Não podemos continuar a gerir os recursos humanos ao sabor das conveniências, sem rigor ou pudor.

Os sucessivos relatórios do Tribunal de Contas a propósito das contas ou dos desacertos, se preferirem, de alguns Centros de Saúde mostram bem o estado calamitoso da gestão da saúde.

Nas Lajes do Pico, no Nordeste, na Povoação, na Calheta ou nas Velas, na Horta ou em Vila do Porto, sucedem-se os atropelos à lei e duplica-se as horas extraordinárias, ultrapassando todos os limites legais ou sequer razoáveis e aceitáveis para justificar o funcionamento dos serviços.

Na estrutura da despesa, 50% é dispendida com pessoal e 25% com subcontratos. As horas extraordinárias e as noites continuam a ter um valor muito expressivo.

Só para se ter uma ideia, em 2001, das verbas dispendidas com pessoal, as horas extraordinárias cresceram 29% e as noites 18%. Ou seja, um quarto da despesa com pessoal é pago em horas extraordinárias. Uma irracionalidade!

Em 2004, depois de um saneamento financeiro inédito na história da autonomia feito em 2001 pelo Governo do Engº Guterres que deixou praticamente a zero a dívida do Serviço Regional de Saúde, eis que a dívida ascende a 98, 5 milhões de euros.

Em quatro anos o Serviço Regional de Saúde endividou-se anualmente em mais de 20 milhões de euros, não contanto com os valores do factoring.

A este ritmo nem um novo milagre da multiplicação das rosas ou a benevolência anunciada da nova amizade do Presidente do Governo Regional com o Engº José Sócrates poderá salvar tamanho descalabro.

É caso para dizer que a dívida do Serviço Regional de saúde cresce a um ritmo só comparado à vertigem do Partido Socialista na mudança dos Secretários Regionais da tutela.

A instabilidade na pasta da Saúde gera uma crescente falta de autoridade política e de vontade de atacar os problemas de fundo do Serviço Regional de Saúde, sobretudo, porque cada novo Secretário – como o actual está a fazer – finge que começa de novo e é membro do Governo para aplicar aquilo a que designa pomposamente pela "sua política para o sector".

Afirmar como afirma o Plano Regional de Saúde para 2004-2006 ou o próprio programa de Governo de que os principais objectivos são a promoção de um sistema integrado de prestação de cuidados de saúde, o investimento na promoção da saúde e na prevenção da doença e a sensibilização do cidadãos para a responsabilidade que têm perante a sua saúde individual e perante o sistema é pouco, demasiado pouco, para se perceber que o PS tem alguma proposta concreta para ultrapassar o problema crónico do subfinanciamento do sector.

Atrevo-me, mesmo a afirmar que o PS apenas poderá conseguir gerir expectativas, adiando como adiou durante oito anos, uma solução mais consentânea com o estado deteriorado a que chegou este sector da governação.

A SAUDAÇOR, anunciada como a solução para o financiamento do Serviço Regional da Saúde, depois dos Governos socialistas terem experimentado o Instituto de Gestão Financeira da Saúde está longe de proporcionar uma clara separação entre o prestador de cuidados de saúde e o seu financiador.

A SAUDAÇOR é um instrumento de engenharia financeira que permitiu apenas a desorçamentação, possibilitando o embelezamento financeiro do orçamento da região.

A SAUDAÇOR não é uma empresa: é uma central de dívidas!

Oito anos depois, o PS não sabe para onde vai. Infelizmente, os cidadãos sabem que a Região não lhes presta os cuidados de saúde a que têm direito.

Termino como comecei: a saúde está doente na região porque o PS não é capaz de arranjar um tratamento adequado.

Merecíamos melhor, muito melhor!
(Intervenção na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores - 16 de Março de 2005)
CHAMPANHE, NOVO GOVERNO E O RESTO


1. O novo Governo da República tomou posse, sem os sobressaltos da última cerimónia do género. O discurso do Primeiro-Ministro foi o reflexo da campanha eleitoral socialista: o país ainda não percebeu qual é o rumo deste novo Governo. Não chega anunciar a venda livre fora das farmácias de medicamentos que dispensam prescrição médica para se ter a percepção das opções de governação. A medida é de aplaudir do ponto de vista dos consumidores e faz jus ao facto de José Sócrates se ter empenhado, enquanto membro do Governo com a tutela da defesa dos consumidores, na defesa dos consumidores portugueses. Sendo boa, a medida é deslocada num discurso de tomada de posse. Ela é tão avulsa como outra medida qualquer, tirada da cartola política. Nem sequer é o indício duma nova política para o medicamento. Depois do silêncio imposto enquanto durou o processo de formação do Governo, ela tem o estranho mérito de brilhar mediaticamente e de colocar – de imediato e sem custos em termos de opinião pública – o executivo nas primeiras páginas de jornais. Sem ser subtil, a manobra de relações públicas é eficaz, procurando induzir nos portugueses a ideia de que o chefe do Governo é um homem de autoridade.

2. Já a ideia de fazer uma revisão constitucional de modo a permitir a realização simultânea de consultas referendárias com outros actos eleitorais é bastante sensata. A proibição constitucional já não tem grande razão de ser nos dias que correm. O perigo de confusão que o constituinte pretendia evitar, está afastado pela natural consolidação da democracia participativa. A revisão constitucional, neste domínio, deve permitir a realização do referendo conjuntamente com todos os tipos de actos eleitorais, de modo a abrir a possibilidade de realização de referendos locais ao mesmo que ocorrem eleições autárquicas.

Por outro lado, a realização conjunta de eleições e referendo permite melhorar os tradicionalmente baixos índices de participação nas consultas referendárias. A realização do referendo na data das próximas eleições autárquicas é uma boa solução e vem clarificar as prioridades dos socialistas quanto às opções referendárias, afastando a emergência da consulta sobre a despenalização do aborto, pretendida pelos sectores mais à esquerda do PS e pelos partidos mais à esquerda do PS.

3. Insisto na ideia de que não é necessário efectuar uma revisão constitucional para submeter a referendo uma questão clara sobre a ratificação da designada “Constituição Europeia”. Mas, já que a revisão constitucional – a sétima – parece estar na calha, então que se aproveite a circunstância para permitir a ratificação de tratados internacionais – ou pelo menos os tratados relativos à União Europeia - por meio de referendo.

4. Mota Amaral deixou a presidência da Assembleia da República, depois dum curto mandato, no exercício do qual impôs uma marca reformista no funcionamento do parlamento. Num exercício salutar, Mota Amaral lançou no final do seu mandato duas obras, nas quais colige discursos proferidos durante o exercício daquele cargo, evidenciando que o papel dum parlamento, mesmo com uma maioria absoluta, não se pode limitar a um papel de notário do Governo. Com particular interesse, apontem-se os prefácios do próprio Mota Amaral, nos quais traça com clareza as opções de reforma parlamentar.

5. Curiosamente, outro açoriano distinto sucede a Mota Amaral na cadeira de segunda figura da hierarquia do Estado. Jaime Gama, coroando uma longa carreira no parlamento e no Governo, torna-se no primeiro presidente da Assembleia da República da era Sócrates. Sinais dos tempos ou singularidades da história?

8.3.05

OS FANTASMAS DA MAIORIA


1. A gestão silenciosa da formação do novo Governo da República credita politicamente a favor do novo Primeiro-Ministro: José Sócrates conseguiu fazer os convites para o novo elenco governativo longe dos olhares da comunicação social, em contraste evidente com as últimas alterações governamentais no Governo do PSD/CDS. Com esta postura, o líder do PS conseguir remar contra a maré: os Governos não se devem fazer ou desfazer nos jornais.

No meio da gestão do silêncio, pareceu-me que a comunicação social foi demasiado complacente: se aquilo que se pede a um Primeiro-Ministro indigitado é que forme o seu governo no recato do seu gabinete, à comunicação exige-se que cumpra seu dever de informar e que tente furar aquela reserva (seja ela fruto da convicção ou apenas da conjuntura). A comunicação social – em gera – deixou-se submergir e contagiar pelo voto de silêncio do novo chefe de governo. Apenas espero que seja uma atitude passageira e que não prognostique um inusitado e prolongado estado de graça – essa invenção mediática das modernas democracias.

2. O novo Governo é feito de velhos governantes e de novos Ministros que ainda terão tudo para provar no plano da acção política. Este é um governo que não desperta emoções nem comoções. Misturando militantes com militantes não filiados, com independentes, o Governo de José Sócrates é um "melting pot" de personalidades e de combinações ideológicas. Com rigor, não posso dizer que seja um mau Governo, como também não poderei afirmar que é um governo de "mão cheia", como diz o nosso povo.

3. O Governo da nova maioria socialista é um Governo que vai governar no arame político muito embora a generosa maioria parlamentar lhe dê o conforto e os votos que os anteriores governos não tiveram. A nova maioria socialista não corresponde a uma viragem ideológica ou sociológica na sociedade portuguesa como já escrevi. Talvez por isso mesmo, este Governo seja tão eclético na sua composição e tão compromissório do ponto de vista ideológico. Claro que apenas iremos esclarecer com clareza esta questão quando o Governo apresentar o seu programa à Assembleia da República.

4. Os primeiros sinais dum Governo que ainda não tomou posse são equívocos: o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros afirma publicamente que apenas aceitou o convite depois de saber quem eram os outros Ministros; o Ministro das Finanças declara que admite um aumento dos impostos a médio prazo, contrariando a linha de orientação do PS durante a campanha eleitoral. Naturalmente que o Primeiro-Ministro deve ter ficado sobressaltado com o protagonismo destes novos Ministros.

5. Como se não bastasse, Cavaco Silva, a partir de Luanda, permite que das suas palavras se entenda aquilo que as sondagens evidenciam: a candidatura presidencial. Com a sibilina afirmação, Cavaco Silva posiciona-se para as presidenciais se o dizer de modo expresso. A maioria socialista agarra-se às palavras de Mário Soares, querendo ver nele um oráculo. Os socialistas desejam que a teoria dos ovos e dos cestos não funcione. Terá esta teoria uma geometria variável?

6. Faz esta semana um ano que inocentes morreram em Espanha um bárbaro atentado, apenas porque eram cidadãos livres duma democracia ocidental. Nunca é demais lembrá-lo! Faz esta semana um ano que uma maioria perdeu as eleições, contra todas as sondagens, porque o povo deixou de confiar nela.

1.3.05

A ARTE DO POSSÍVEL




1. A política tem sido definida classicamente como a "arte do possível", numa síntese entre as opções programáticas, as propostas eleitorais e as contingências políticas ou de governação. Nenhum partido, uma vez no poder, chega a cumprir integralmente o seu programa eleitoral, por circunstâncias várias, de entre as quais avultam os imponderáveis da própria arte de governar e da "real politik". Contudo, a medida do exercício da governação é feita pela avaliação da capacidade empreendedora dum chefe de governo e pelo exercício de autoridade política que ele é capaz de exibir (e exercer) no cargo, levando o seu governo a tomar medidas e a fazer escolhas políticas.

2. Sem desculpas, constrangimentos parlamentares ou resultantes da necessidade de entendimento com outras forças políticas, o PS com a maioria que já dispõe - eventualmente reforçada hoje pelo voto dos círculos fora do território nacional - terá de demonstrar se o curto período de oposição por que passou foi suficiente para regenerar boa parte da sua classe dirigente, afinal a mesma que fez parte do último governo socialista. Os partidos políticos apenas se renovam e se regeneram na oposição, reconstruindo o seu modelo de intervenção política que lhes permita voltar ao poder. Apenas três anos depois, o PS regressa ao poder, agora com o seu terceiro líder.

3. O novo Primeiro-Ministro não terá uma tarefa fácil, sobretudo se pretender romper com a tradição que o seu antecessor socialista (e seu modelo inspirador) inaugurou. Direi mesmo mais: a sobrevivência sociológica desta nova maioria de esquerda depende da capacidade que José Sócrates tiver de fazer escolhas. O país não teve tempo de o conhecer como líder político e as circunstâncias tácticas da campanha impuseram um limitado leque de propostas, nas quais avultam o famoso "choque tecnológico" e a criação de 150.000 novos empregos. É pouco, muito pouco para inaugurar um novo ciclo de governação.

4. Já o disse e reafirmo-o: a nova maioria socialista e a viragem sociológica do país à esquerda é produto do mérito desta esquerda, mas, sobretudo, dum voto reactivo, como demonstra a matriz de transferência de votos publicada na última edição do Expresso, ilustrando bem as perdas eleitorais do PSD.

5. O PSD perdeu as eleições, mas ocupa o seu lugar de partido de alternativa política. Hoje não faz oposição, porque iniciou um processo de designação de novo líder. Amanhã, retomará o lugar para o qual o eleitorado o remeteu, com uma carta de recomendação: nova atitude e nova liderança. A maioria socialista não é eterna. Apesar de evidente, é sempre bom sublinhá-lo, num tempo em que a volatilidade dos eleitorados é cada vez mais acentuada.

6. No plano das relações dos Açores com Lisboa, teremos de esperar para ver até onde vai a amizade política entre Carlos César e José Sócrates. Há dossiês em aberto entre a Região e República que aguardam decisões (só a título de exemplo, recordo o acesso generalizado em sinal aberto dos canais de televisão, que o Governo Regional afirma esperar uma decisão de Lisboa). Voltaremos aos tempos da esquiva "autonomia cooperativa" e dos silêncios cúmplices de Carlos César e do PS açoriano em relação às omissões de Lisboa? A falta de ambição que o PS revelou nalgumas declarações do seu cabeça-de-lista durante a campanha eleitoral é preocupante (ver, por exemplo o que foi dito sobre a Lei das Finanças Regionais). Exprimirá ele apenas o seu pensamento ou traduzirá já a versão da autonomia, segundo o evangelho das novas fronteiras?