O SERVIÇO REGIONAL DE SAÚDE
O Serviço Regional de Saúde atravessa hoje um dos seus maiores desafios: o da sua reorganização para sair da crise crónica na qual, dia a dia, vai agonizando, sem alívio de dor ou com tratamento paliativo à vista.
Apesar do aumento dos recursos financeiros colocados à disposição do Serviço Regional de Saúde, ainda estamos longe duma política de saúde que responda eficazmente a um dos mais elementares direitos de cidadania: o direito à saúde e o direito a ser atendido numa unidade de saúde, com rapidez e eficiência, num tempo clinicamente aceitável.
Decorridos oito anos de governação do Partido Socialista, a pergunta que se impõe é a de saber se hoje temos melhor saúde e se temos a melhor saúde pelo preço que todos nós pagamos com o dinheiro dos nossos impostos.
O Serviço Regional de Saúde foi criado em 1980, seguindo um modelo tradicional: três hospitais e 16 Centros de Saúde. Hoje, todos os concelhos da região dispõem, pelo menos, de uma unidade de saúde, embora a maioria dos cuidados diferenciados seja prestada nos três Hospitais.
Vinte e quatro anos após a sua consagração legal, o Serviço Regional de Saúde assenta ainda – e exclusivamente – no modelo de gestão pública administrativa da saúde.
É verdade que foi este modelo que ao longo destes anos permitiu importantes ganhos na área da saúde: generalização do acesso dos cidadãos à saúde, alargamento da rede de cobertura das unidades de saúde, redução da taxa de mortalidade perinatal e de mortalidade infantil, expansão da prestação de cuidados diferenciados na rede de saúde pública, para apenas referir os mais importantes.
Porém, apesar de ter permitido todos estes avanços – obra dos sucessivos Governos Regionais – torna-se cada vez mais evidente o esgotamento deste modelo, gerador de perdas de eficiência, de eficácia no atendimento dos utentes e causador duma desestruturação no funcionamento do próprio Serviço Regional de Saúde.
Resultado? Insatisfação generalizada dos utentes com a prestação de cuidados de saúde, em particular ao nível dos cuidados primários de saúde.
Em 1992 existiam na região 333 médicos. Em 2002 já eram 427 médicos. Porém, o número de médicos da carreira de clínica geral apenas aumentou de 114 médicos em 1992 para 117 em 2002.
Já nos hospitais, no mesmo período de tempo, o número de médicos passou de 214 para 310.
Curiosamente, quer nos Centros de Saúde quer nos Hospitais, os funcionários administrativos duplicaram entre 91 e 2001. Só para se ter uma ideia passaram, de 276 para 376, nos Centros de Saúde e de 135 para 289 nos hospitais.
Nos Açores, a relação médico/doente é pior que no continente. Enquanto que a média nacional aponta para um médico por cada 303 habitantes, a média regional confirma o que sempre se verificou, ou seja, um médico para cada 619 pacientes.
Acresce que a situação dos médicos de família não sofreu melhorias significativas. Antes pelo contrário.
Em 1997, cada médico de família atendia 1776 pacientes; em 2001, cada médico de família atendia 1656 doentes. Mas não se iludam: a média baixou porque nem toda a população está coberta pelo médico de família. Recordo apenas o exemplo da maior cidade açoriana. Ponta Delgada, que tem cerca de 65 mil habitantes e apenas 33 mil estão inscritos no centro de saúde.
A realidade diz-nos, ainda, que as consultas nos centros de saúde baixaram. Em 1995, os Centros de Saúde registaram 340.947 consultas; em 2001 realizaram apenas 260.952 consultas. Em contrapartida, os atendimentos urgentes por centro de saúde dispararam: passámos de 182.900 atendimentos urgentes em 1995 para 243.800 em 2001.
Nos hospitais o número de consultas aumentou. Para além do aumento do número de consultas externas, aumentou, sobretudo, o número de consultas nas urgências dos hospitais e pelas piores razões: hoje, quem vive perto de um hospital prefere estar duas horas no banco de urgência e ser visto por um especialista do que ir a um centro de saúde para ser visto por um médico da carreira de clínica geral.
Este comportamento dos utentes só pode ser fruto do desinvestimento e degradação a que estas unidades de saúde têm sido sujeitas.
Importa, por isso, inverter a marcha e, a curto prazo, desenvolver uma política que devolva e assegure a credibilidade necessária a estes clínicos e torne a especialidade de clínica geral numa especialidade atractiva.
O objectivo tem de passar necessariamente pelo reforço de clínicos nos Centros de Saúde de Ponta Delgada, Angra e Horta procedendo a um programa especial de contratação de médicos, procedendo à celebração de contratos de trabalho a termo, por um período não inferior a cinco anos, devendo estes contratos ser devidamente equacionados e com os seus termos bem definidos.
Por outro lado, importa avançar com um corajoso programa de combate às listas de espera, de modo a permitir que os utentes não esperem mais tempo por um atendimento para além do tempo clinicamente aceitável. Permitam-me que refira, neste particular, a contradição entre o discurso oficial e a realidade, a propósito do maior Hospital da Região – o Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada. O anterior Director Clínico, nomeado pelo anterior titular da pasta da Saúde, afirmou publicamente, por diversas vezes, que não existiam problemas com as listas de espera. A nova Directora Clínica, já nomeada pelo actual Secretário Regional dos Assuntos Sociais, na sua tomada de posse, assumiu que o combate às listas de espera era uma das suas prioridades.
Infelizmente, as contradições na política de saúde prosseguida pelos vários governos da responsabilidade do PS não se ficam por aqui.
Durante anos, os diversos Secretários ou Sub-Secretários da saúde, com particular destaque para o Dr. Francisco Coelho, agora líder parlamentar do PS, disseram que a inexistência do cartão de utente do Serviço Regional de Saúde se ficava a dever ao Governo da República. Porém, espantosamente, como por artes mágicas, o processo de aquisição do cartão de utente está em curso, por iniciativa do Governo Regional.
Ao fim de vinte e quatro anos o Governo Regional descobriu que tinha andado a enganar os Açorianos!
Mas, mais: em 1999, esta Assembleia Legislativa aprovou uma alteração ao modelo de Serviço Regional de Saúde, por proposta do Governo do PS, criando as Unidades de Saúde de ilha.
Na altura, o PSD não inviabilizou esta alteração legislativa, de modo a permitir que o PS executasse a sua política para o sector.
No dia 11 de Fevereiro de 2005, o Governo Regional descobre que se enganou! O Secretário Regional dos Assuntos Sociais, de visita a São Jorge põe em causa o modelo de funcionamento das unidades saúde de ilha e cito "levanta-se a questão de saber se se deve ou não aplicar o que está regulamentado, se deve ser revisto, se deve ser repensado o tipo de cuidados a prestar".
Já de visita ao Pico, o mesmo Secretário Regional elogia a unidade de saúde desta ilha, enaltecendo os seus méritos.
Em que é que ficamos? A resposta é clara: o PS não sabe o que fazer com o Serviço Regional de Saúde.
Faltam-lhe as ideias e as propostas. Falta-lhe, sobretudo, um sentido reformador.
Já chega de má gestão, de indisciplina orçamental e dum mau serviço prestado aos utentes. Não podemos continuar a gerir os recursos humanos ao sabor das conveniências, sem rigor ou pudor.
Os sucessivos relatórios do Tribunal de Contas a propósito das contas ou dos desacertos, se preferirem, de alguns Centros de Saúde mostram bem o estado calamitoso da gestão da saúde.
Nas Lajes do Pico, no Nordeste, na Povoação, na Calheta ou nas Velas, na Horta ou em Vila do Porto, sucedem-se os atropelos à lei e duplica-se as horas extraordinárias, ultrapassando todos os limites legais ou sequer razoáveis e aceitáveis para justificar o funcionamento dos serviços.
Na estrutura da despesa, 50% é dispendida com pessoal e 25% com subcontratos. As horas extraordinárias e as noites continuam a ter um valor muito expressivo.
Só para se ter uma ideia, em 2001, das verbas dispendidas com pessoal, as horas extraordinárias cresceram 29% e as noites 18%. Ou seja, um quarto da despesa com pessoal é pago em horas extraordinárias. Uma irracionalidade!
Em 2004, depois de um saneamento financeiro inédito na história da autonomia feito em 2001 pelo Governo do Engº Guterres que deixou praticamente a zero a dívida do Serviço Regional de Saúde, eis que a dívida ascende a 98, 5 milhões de euros.
Em quatro anos o Serviço Regional de Saúde endividou-se anualmente em mais de 20 milhões de euros, não contanto com os valores do factoring.
A este ritmo nem um novo milagre da multiplicação das rosas ou a benevolência anunciada da nova amizade do Presidente do Governo Regional com o Engº José Sócrates poderá salvar tamanho descalabro.
É caso para dizer que a dívida do Serviço Regional de saúde cresce a um ritmo só comparado à vertigem do Partido Socialista na mudança dos Secretários Regionais da tutela.
A instabilidade na pasta da Saúde gera uma crescente falta de autoridade política e de vontade de atacar os problemas de fundo do Serviço Regional de Saúde, sobretudo, porque cada novo Secretário – como o actual está a fazer – finge que começa de novo e é membro do Governo para aplicar aquilo a que designa pomposamente pela "sua política para o sector".
Afirmar como afirma o Plano Regional de Saúde para 2004-2006 ou o próprio programa de Governo de que os principais objectivos são a promoção de um sistema integrado de prestação de cuidados de saúde, o investimento na promoção da saúde e na prevenção da doença e a sensibilização do cidadãos para a responsabilidade que têm perante a sua saúde individual e perante o sistema é pouco, demasiado pouco, para se perceber que o PS tem alguma proposta concreta para ultrapassar o problema crónico do subfinanciamento do sector.
Atrevo-me, mesmo a afirmar que o PS apenas poderá conseguir gerir expectativas, adiando como adiou durante oito anos, uma solução mais consentânea com o estado deteriorado a que chegou este sector da governação.
A SAUDAÇOR, anunciada como a solução para o financiamento do Serviço Regional da Saúde, depois dos Governos socialistas terem experimentado o Instituto de Gestão Financeira da Saúde está longe de proporcionar uma clara separação entre o prestador de cuidados de saúde e o seu financiador.
A SAUDAÇOR é um instrumento de engenharia financeira que permitiu apenas a desorçamentação, possibilitando o embelezamento financeiro do orçamento da região.
A SAUDAÇOR não é uma empresa: é uma central de dívidas!
Oito anos depois, o PS não sabe para onde vai. Infelizmente, os cidadãos sabem que a Região não lhes presta os cuidados de saúde a que têm direito.
Termino como comecei: a saúde está doente na região porque o PS não é capaz de arranjar um tratamento adequado.
Merecíamos melhor, muito melhor!
(Intervenção na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores - 16 de Março de 2005)