28.6.05

UM ATENTADO À AUTONOMIA – O CASO DO ANDEBOL


A decisão da Federação Portuguesa de Andebol de não permitir que equipas açorianas participem nos quadros competitivos normais da época, ficando restringidas à disputa dum "play-off", é um atentado à Autonomia e uma violação dos mais elementares direitos de cidadania dos açorianos.

Desde logo, a decisão federativa coloca em causa o princípio da igualdade, ao impedir que as equipas açorianas possam competir em idêntico plano ao de todas as equipas continentais. As equipas açorianas, apesar de obterem sucesso desportivo, de acordo com as regras estabelecidas pela própria Federação, são agora remetidas para um estatuto de menoridade e privadas de fazerem aquilo que qualquer equipa, de qualquer modalidade sabe fazer: jogar para ganhar e atingir o escalão mais elevado da sua modalidade.

As equipas açorianas estão a ser discriminadas pelo simples facto de serem destas ilhas, num soez ataque à dignidade das pessoas e das instituições dos Açores. A verdade desportiva está a ser pervertida por meras questões financeiras.

Depois duma tentativa ocorrida há duas épocas atrás, a Federação Portuguesa de Andebol, finalmente consegue eliminar as equipas dos Açores dos quadros competitivos nacionais, apenas permitindo a competição numa fase final, subvertendo todos os elementares princípios de desportivismo.

Afinal quem ganha e tem estatuto de campeão não é tratado como tal!

A Lei de Bases do Desporto (Lei nº 30/2004, de 21 de Julho), no seu artigo 13º estabelece o princípio da continuidade territorial que tem por objecto garantir que os açorianos e madeirenses participem desportivamente em plano de igualdade com outros portugueses, corrigindo-se as desigualdades resultantes do afastamento e da insularidade.

Este mesmo artigo impõe ao Estado, designadamente, o cumprimento das suas obrigações constitucionais, por forma a assegurar que a descontinuidade territorial dos Açores e da Madeira não impeça os atletas e as equipas destas Regiões Autónomas de participarem em campeonatos ou provas de âmbito nacional.

O texto deste artigo 13º resultou duma proposta da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e tem com ratio assegurar um direito de participação desportiva.

O princípio da continuidade territorial consagrado na Lei de Bases do Desporto representa a consagração do princípio da igualdade, em sede da lei que define as bases gerais do sistema desportivo português.

Apesar de, no caso do andebol, estarmos perante uma decisão federativa, não pode o Governo da República deixar de tomar posição sobre esta matéria, impondo à Federação Portuguesa de Andebol a revogação desta medida, ou por via administrativa ou por via judicial.

Na última época, o Governo da República impôs à Federação Portuguesa de Andebol o respeito pelo princípio da continuidade territorial, permitindo que a equipa d’ "Os Marienses" pudesse chegar desportivamente onde chegou.

É altura do Governo da República voltar a intervir, de modo a acautelar os legítimos direitos, liberdades e garantias de equipas açorianas, pois é disso mesmo que se trata aqui: estamos perante uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, com base numa descriminação de base territorial: os desportistas dos Açores são menos iguais do que os outros.

O Governo Regional, por seu lado, não pode deixar de utilizar todos os meios ao seu alcance para obter do Governo da República aquilo que é justo para as equipas açorianas.

Os Açorianos não podem baixar os braços perante uma indignidade desta natureza!

22.6.05

QUANDO O ILUSIONISTA É A ILUSÃO


A maioria socialista aprovou na última sessão da Assembleia Legislativa a criação dum designado "fundo de coesão", que o marketing político se tem encarregue de identificar como o instrumento essencial para a promoção do "desenvolvimento harmonioso" – para utilizar uma linguagem clássica – de todas as ilhas dos Açores. Embora apresentado sob o signo da ambição, o fundo de coesão é o sucedâneo possível da fusão de competências e atribuições dos velhos Fundo Regional das Actividades Económicas e Fundo Regional dos Transportes.
Nascido em pleno clima de campanha eleitoral para as últimas eleições regionais, o fundo de coesão procurou ser a resposta política do Governo Regional às propostas que preconizavam a criação de diversas sociedades de desenvolvimento por ilha ou por grupos de ilhas. Muito embora a natureza do fundo de coesão não se contraponha às sociedades de desenvolvimento, podendo ambos coexistirem, o que é verdade é que as circunstâncias históricas traçaram o destino político deste fundo.
Com funções de mera pagadoria dos apoios da Região concedidos ao abrigo dos diversos sistemas de incentivo ao investimento, o fundo de coesão permite muito menos do que o discurso oficial deixa antever: a majoração de incentivos a diversas ilhas em nada depende da existência deste novo fundo; a promoção ou atracção de novos investimentos nas ilhas mais pequenas não se concretiza através do fundo de coesão; nem sequer a participação da Região em sociedades de desenvolvimento ou sociedades anónimas, associando capitais privados e capitais públicos depende da criação deste instrumento. Se fosse um ser biológico, o fundo de coesão seria, provavelmente, um ornitorrinco – um mamífero estranho, com bico de pato, que se reproduz por meio de ovos e vive em pequenos buracos, à beira da água. Um mamífero que vive e se alimenta no meio dos peixes, mas que com eles não se identifica. Um mamífero que se dá mal com os seu género, votado à solidão singular a que a natureza o remeteu.
Nada na política de desenvolvimento dos Açores depende do fundo de coesão. Porém, se a proposta política do PS para os próximos quatro anos assenta num mecanismo desta natureza, a verdade é que nem o Vice-Presidente do Governo ou o Secretário da Economia souberam caracterizar as novas políticas de desenvolvimento dos Açores. Nem no debate parlamentar, Duarte Ponte conseguiu fugir do discurso sobre o óbvio, alimentando a convicção generalizada de que o fundo de coesão não foi uma ideia do seu departamento.
O que é criticável é que, após nove anos de governação, o PS ainda não é capaz de identificar com segurança novas propostas para o desenvolvimento de todas as ilhas dos Açores. Será a formação de recursos humanos, para além da tradicional e requentada formação profissional que serve para amortecer o desemprego? Será a criação de centros de excelência tecnológica? Serão as biotecnologias, em parceria com o mundo empresarial e universitário? Será a anunciada e adiada aposta na "agenda de Lisboa", inscrita no programa do Governo, sem reflexos a nível orçamental, nem tradução em nenhuma política de governação nestes sete meses do novo executivo?
O Governo Regional não sabe para onde vai. Mas, também, não se importa com isso. Contenta-se em distribuir obras de regime para agradar a todos, sem olhar a prioridades, a não ser aquelas que resultam da sua própria agenda política e eleitoral.

16.6.05

O ELOGIO DO VAZIO


As escolhas do PS para as próximas eleições autárquicas revelam bem uma velha e estranha dificuldade dos dirigentes socialistas açorianos: um partido de poder sem implantação ao nível local.

Os candidatos do PS às presidências das Câmaras Municipais são um sinal evidente de falta de líderes locais, de personalidades fortes que se imponham e possam disputar com sucesso as eleições autárquicas. Como é evidente, o PS optou por refugiar-se em figuras da segunda linha socialista, repetindo candidaturas sucessivamente derrotadas, na boa lógica da bicicleta em movimento, recorrendo ao círculo restrito daqueles que orbitam nas abas do poder regional socialista.

Sem grandes possibilidades de escolha, o PS preferiu – como sempre tem feito, em sucessivos actos eleitorais autárquicos – o recurso a candidatos que, assegurando fidelidade partidária, não aspiram – na sua larga maioria – a esperar por eventuais sobressaltos eleitorais que lhes façam cair no regaço uma ou outra autarquia.

As opções do PS traduzem a fadiga do ténue aparelho partidário socialista!

As candidaturas às cidades da Horta, Angra do Heroísmo ou Ponta Delgada, são, a este título, paradigmáticas.

Em Angra do Heroísmo e na Horta, a escolha do PS é a opção pela inércia. Os actuais Presidentes de Câmara são candidatos sem terem vencido as anteriores eleições e sem disporem de especiais atributos políticos que os qualificassem para uma candidatura.

Em nome de outros, sobrevivendo apenas na força política dos seus fautores, não sendo estrelas políticas e contentando-se à simples condição de planetas, reflectindo a luz de outros, José Pedro Cardoso e João Castro são candidatos pela singela razão de que se sentam na cadeira de Presidente.

Em Ponta Delgada, José San-Bento é um candidato de recurso, sem recursos políticos.

Desdobrando-se em múltiplas intervenções públicas, procurando dar consistência a uma candidatura que o próprio não terá desejado, mas que as circunstâncias impuseram que aceitasse, José San-Bento não é candidato: está candidato!

A candidatura de José San-Bento é modesta nos objectivos, pobre nas ideias e remediada nos propósitos.

Pretendendo apenas "uma vitória psicológica" – nas palavras do próprio, à revista "Factos" - José San-Bento admite explicitamente uma derrota em Outubro, não se coibindo de criticar os actuais vereadores do PS na autarquia de Ponta Delgada, acusando-os de não terem "perfil de quadros políticos do PS", o que teria dificultado a oposição. Não sei o que pensarão Rui Bettencourt, Director Regional da Juventude, Rui Coutinho, ex- Director Regional do Ordenamento do Território ou Piedade Lalanda, Deputada e colega de bancada parlamentar de José San-Bento desta apreciação à sua actuação na Câmara de Ponta Delgada.

A crítica de San-Bento, coloca, porém, a fasquia eleitoral num outro nível: o candidato socialista está politicamente obrigado a, pelo menos, igualar o resultado de Rui Bettencourt nas últimas eleições.

A tarefa não é fácil, sobretudo porque o próprio, apesar de estar a ocupar um espaço mediático – comportamento que critica a Berta Cabral – não foi ainda capaz de dizer o que quer para Ponta Delgada. Para além de pregar uma doutrina de entendimento com o Governo Regional – "remake" envergonhado da tese com que o PS procurou ganhar as últimas eleições autárquicas – as opções conhecidas da candidatura resumem-se a ideias avulsas que, longe de constituírem um programa são apenas um rosário de intenções destinadas a agradar a vários segmentos eleitorais, contradizendo mesmo o que os actuais vereadores do PS têm vindo a defender ao longo dos últimos quatro anos.

7.6.05

OLHARES DISTRAÍDOS



1. As medidas de combate ao défice do Estado anunciadas pelo Governo ainda não beliscaram a quota de popularidade do Primeiro-Ministro, apesar da sua dureza atingir a generalidade dos cidadãos e de todos partilharmos do estranho sentimento de que o Estado impõe aos portugueses medidas draconianas que ele próprio – com o andar do tempo – deixa de cumprir ou não cumpre de todo. Historicamente, o Estado português não é um modelo de eficiência, nem a sua actuação traduz um paradigma na contenção das despesas ou na aplicação das receitas. Como disse uma vez Miguel Cadilhe, num debate parlamentar, o "Estado é bronco nos seus negócios". Não apenas nos negócios, no sentido empresarial da expressão, mas no modo como actua e como desenvolve a sua actividade.

A celebrada "reforma do Estado", com direito a ministério próprio nalguns governos da democracia, tornou-se um chavão a que os governos fazem apelo apenas quando procuram justificar as medidas impopulares de natureza fiscal. O Estado é flácido na sua dimensão e pesado na sua gestão.

Todos aspiramos a uma mudança de cultura, de paradigma, no desenho, no peso da Administração e na dimensão do Estado – sem que isto signifique uma adesão às correntes neo-liberais. Porém, temos a sensação difusa de que passado o período de maiores dificuldades, tudo voltará a ser como dantes. Ou quase!

2. O discurso do Governo do Engenheiro Sócrates, que começou por parecer claro e – como diz o povo – "cortar a direito", revela-se contraditório e pouco afirmativo. Apenas dois exemplos, para ilustrar melhor a ideia: o Primeiro-Ministro anuncia o fim das reformas e das subvenções para a classe política – medida que aplaudo – mas a certeza inicial resvala rapidamente para interpretações ziguezagueantes, sem que se perceba já o que pretende o Governo socialista, depois de forte pressão dos Deputados do PS e da revelada acumulação de pensões privadas com ordenados de Ministro, por parte de dois membros do Governo. O segundo exemplo, tem a ver com a anunciada intenção do Governo de agregar freguesias e municípios com menos de mil habitantes. Sem que o Governo revele qual o estudo que presidiu à opção, o Ministro António Costa, em nome do combate à despesa, revela a militantes do PS a medida. Porém, é o mesmo Governo que não se preocupa em agregar unidades de saúde, estabelecimentos de ensino, tribunais…

3. A contenção da despesa pública tornou-se o fio condutor do discurso político do Governo, que teima em governar pouco, preferindo ser apenas o gestor dos negócios públicos. A euforia do futebol – nacional e europeu – o processo de candidatura de António Guterres a um alto cargo da ONU, a saga do referendo ao aborto, a revisão constitucional e a ressaca dos referendos ao novo tratado europeu, têm propiciado ao Governo socialista uma cobertura mediática, servida pela exemplar invisibilidade do Primeiro-Ministro, ambas úteis para encobrir a anemia governativa.

4. A contenção da despesa pública impõe rigor na gestão do orçamento – o do Estado e o da Região. Em 2004, o orçamento da Região teve um anunciado "superavit" que o Vice-Presidente do Governo Regional fez crer ficar a dever-se a uma laboriosa e parcimoniosa administração dos recursos públicos. Porém, o "milagre" do Dr. Ávila foi bem modesto – ficou a dever-se às receitas do IVA, resultantes do aumento de dois pontos na sua taxa. No corrente ano, voltaremos a ver o Dr. Ávila a anunciar um novo "superavit", sem perceber que todos nós percebemos que, com ele no Governo ou sem ele no Governo tudo seria igual.

1.6.05

E AGORA, EUROPA?



1. O "não" francês à designada "constituição europeia", apesar de não ter constituído uma surpresa, veio lançar a ratificação do tratado constitucional num processo politicamente confuso, sem fim à vista, sobretudo se a rejeição francesa se propagar a outros Estados, segundo o princípio dos vasos comunicantes, a começar, hoje, pela Holanda.

Na noite de Domingo, em França, conjugaram-se vários "nãos": de Le Pen a De Villiers, de Laurent Fabius a Marie-George Buffet. As convicções que levaram à rejeição francesa têm motivações diferenciadas. No guarda-chuva da rejeição francesa albergou-se o cepticismo europeu, o fundamentalismo contra o processo de construção europeia, as pulsões soberanistas contra o carácter "federal" do tratado, a ideia de que o tratado é o altar da economia de mercado e o oráculo da liberalização, o medo da dissolução das fronteiras. No gigantesco "não" acolheu-se também a ideia - tão cara ao BE, entre nós – de que uma "constituição" (muito embora se trate apenas dum tratado) deve ser aprovada por uma assembleia constituinte e não pelos parlamentos nacionais ou por referendo ou a discussão intensa – exacerbada, mesmo – da directiva Bolkstein da liberalização dos serviços. O "não"serviu anda para que os franceses se pronunciassem sobre a política interna francesa, de que a substituição de Jean-Pierre Rafarin, como Primeiro-Ministro foi o inevitável e imediato reflexo. O desemprego, o reduzido crescimento económico, a insegurança contaram mais na hora do voto do que o texto do tratado.

2. Foi apenas por isto que o "não" venceu em França? Creio que não! O resultado do referendo francês é, de algum modo, o espelho da alma dos europeus, divorciados do processo europeu, agora alargado a dez novos Estados, com o fenómeno da globalização a pairar como um espectro sobre as economias europeias, com a emergência das potências económicas asiáticas, destacando-se aqui a China, com a inundação dos quinze membros de mão-de-obra qualificada e barata (muito barata, mesmo) vinda dos novos Estados membros, com a perspectiva de novos alargamentos, sem que o mais recente tenha sido digerido.

3. Por outro lado, a votação francesa é também a expressão dum "patinho feio" que vive na angústia de não saber se poderá ser um cisne. A França que, na guerra do Iraque, procurou a afirmar uma liderança europeia perdida, continua a sonhar com um estatuto no cenário europeu que o tempo e a história se encarregaram de lhe roubar. O velho mito "gaulliano" duma França liderante na Europa, esbarra perante a nova geometria dos poderes no quadro dos vinte e cinco Estados membros: de Bona a Londres, a influência francesa foi-se diluindo pela partilha. Nem sequer o facto de ter sido Giscard d’Estaing a presidir à convenção que elaborou o tratado constitucional serviu de bálsamo à auto-estima francesa.

4. A Europa sobreviverá ao golpe que um dos grandes lhe infligiu. Atravessaremos, porém, um tempo de incerteza e de espera, enquanto o resto do mundo não ficará à espera da Europa. Este é um velho drama a que os europeus estão habituados, embora, depois, conviva mal com ele. A ratificação do tratado deverá prosseguir, até os Estados encontrarem uma fora de obterem a ratificação unânime, sob as regras provisórias e deficientes do Tratado de Nice.
O problema, como já se percebeu, não é de sobrevivência, mas do preço que queremos pagar por uma Europa em "ponto-morto". O terramoto francês sacudirá a Europa?
Artigo publicado na edição de hoje do Açoriano Oriental