29.9.05

FALEMOS DO QUE INTERESSA


As notícias e as sondagens sobre alguns dos candidatos a autarcas envolvidos em processos judiciais der natureza criminal enchem o melhor espaço da comunicação social portuguesa e alimentam as expectativas sobre o desfecho das lutas eleitorais nos respectivos concelhos. Como jurista, acredito no princípio da presunção da inocência, segundo o qual, qualquer arguido se presume inocente até haver uma decisão judicial condenatória, da qual não se possa recorrer. Acreditar neste princípio significa acreditar, também, num dos pilares essenciais do Estado de direito democrática, rejeitando, do mesmo passo, os julgamentos públicos e mediáticos efectuados diariamente nos órgãos de comunicação social, muitas vezes sem pudor ou sem limites.

No plano jurídico a questão apenas se pode colocar deste modo, porque é assim que se garante a defesa de quem é denunciado ou acusado e se asseguram os meios jurídicos para o seu efectivo exercício.

Já no plano social, da percepção que os eleitores têm dos políticos – eleitos em sufrágio directo, secreto e universal – custa a aceitar que os eleitores não venham a fazer um juízo de censura sobre o comportamento político daqueles que elegeram e que os representam.

O caso da Dra. Felgueiras é paradigmático neste aspecto: depois de mais de dois anos no Brasil, para onde viajou para evitar o cumprimento duma mediada de coacção privativa da liberdade, regressa com dia e hora anunciados, sob os holofotes da comunicação social, para no dia seguinte – precisamente, no dia seguinte – iniciar a sua campanha eleitoral para o Município de Felgueiras, com direito a cartazes e outros meios de campanha que não se produzem apenas num dia.

As sondagens, entretanto publicadas, indicam que a Dra. Felgueiras poderá ser a vencedora da contenda eleitoral. Não sei se ela é culpada ou inocente, se praticou ou não os crimes de que vem acusada, cabendo ao Tribunal competente fazer o julgamento do caso e decidir; sei, porém, que se trata duma cidadã que troçou da justiça, fugindo para o Brasil.

Os eleitores de Felgueiras não se incomodarão com este tipo de comportamentos? Valerá tudo na política? Os eleitores não se importam de voltar a eleger quem adopta o tipo de comportamentos e o estilo da Dra. Felgueiras?

Pelos vistos a consciência e o sentido crítico do eleitorado está adormecido. Apenas esse facto pode explicar que um editorial de Nuno Mendes no Jornal dos Açores, de 23 de Setembro não tenha merecido nenhum comentário.

Relata o editor executivo daquele jornal que uma assessora de imprensa do Presidente da Câmara Municipal da Lagoa contactou o jornal manifestando o "desagrado" daquele autarca quanto à forma como o jornal cobriu algumas acções do município lagoense e comunicando que o autarca "vai mandar retirar a publicidade e as assinaturas do jornal" (sic).

A ousadia da declaração é espantosa. A ser verdade o que o jornal relata – o que não foi desmentido até hoje – trata-se duma forma inaceitável de pressão sobre os jornalistas, através dum poderoso instrumento: os meios financeiros de natureza pública.

Aqui sim, estamos perante a mercearia da troca de notícias pela publicidade institucional, procurando condicionar, limitar ou cercear a liberdade de informação dos jornalistas, goste-se ou não do estilo de jornalismo do praticado pelo jornal.

Estranhamente, o caso ficou-se por um editorial. Nem uma reacção do sindicato dos jornalistas, nem a publicação duma eventual resposta de João Ponte a perguntas de jornalistas sobre este assunto. Nada. Absolutamente nada!

Como dizia Francisco Sá Carneiro, a "política sem ética é uma vergonha". Até onde iremos?
Publicado na edição do Açoriano Oriental de 28 de Agosto de 2005

22.9.05

CRÓNICA DOS ÁLAMOS TRISTES

A normalidade da abertura do ano lectivo é um dado já adquirido na sociedade portuguesa e reveladora duma assinalável maturidade do sistema educativo, não apropriável por qualquer força partidária do arco governativo. O caminho percorrido ao longo de trinta anos, faz com a que a abertura de cada ano lectivo não se transforme num drama para os alunos, as famílias, professores e funcionários.

A normalidade funcional do sistema educativo, não esconde uma outra realidade, bem mais dura e profundamente dolorosa: a do insucesso escolar.

De acordo com os números divulgados pelo Ministério da Educação e escondidos ciosamente pela Secretaria Regional da Educação (nem disponíveis estão no site oficial deste departamento governamental), a Região tem a mais alta taxa de insucesso escolar do país, do 2º ao 9º ano de escolaridade, que nalguns casos é quase o dobro ou mesmo o dobro da média nacional. Por exemplo, no segundo ano de escolaridade, a taxa de retenção nos Açores é 29,57%, enquanto a média nacional é de 14,9%; no 5º ano de escolaridade, a média nacional é de 14,5% e a média regional é de 20,05%.

O dramatismo dos números do insucesso escolar é o sinal do falhanço duma política educativa, conduzida nos últimos nove anos pelo PS, que não soube encontrar os meios, as estratégias e as atitudes para inverter o plano inclinado em que mergulhou o sucesso escolar.

Para combater o insucesso não basta, como faz o discurso oficial, sem sofisticação ou brilho, invocar os milhões de euros investidos em equipamentos, infra-estruturas, em novas escolas ou na renovação do parque escolar. Todo este investimento é os que os cidadãos esperam de qualquer governo.

É por isso mesmo que o Governo Regional está incomodado com a revelação destes últimos dados estatísticos. Não bastam as pedras dos edifícios e a estabilidade dos quadros de professores para garantir um automático sucesso escolar, para já não falar do sucesso educativo.

Nove anos depois – e com a continuidade da actuação governativa garantida pelo facto de Álamo Menezes ser, até agora, o único titular da pasta da educação nos governos socialistas, o Presidente do Governo – percebendo a delicadeza do assunto – anunciou, aquando da abertura do ano lectivo, que a redução do insucesso escolar é a "grande aposta" do seu executivo, como se PS já não tivesse um longo passado governativo.

À nova "aposta" não correspondeu, como seria desejável, ao anúncio dum programa ou estratégia de combate à retenção escolar, simplesmente porque o Governo de Carlos César não sabe o que fazer.

O insucesso escolar não se combate com milhões de euros ou com estatísticas de salas de aulas construídas e muito menos se combate com uma atitude de permanente afrontamento dos professores, como revela o recente Despacho nº 48/2005, da autoria do próprio Secretário Regional da Educação.

Sem ouvir os professores, sem auscultar os sindicatos, numa atitude autista que se vem tornando na imagem de marca da sua governação, o Secretário da Educação aumenta o número de horas de permanência dos docentes nas escolas, em nome da racionalidade administrativa, esquecendo que o mundo real das escolas não dispõe de condições físicas para que os docentes possam utilizar as horas adicionais em proveito dos grandes destinatários da acção educativa: os alunos.

Se o sucesso educativo é uma das medidas da eficácia dum sistema de educação, então a conclusão que, infelizmente, tiramos, é de que o sistema educativo dos Açores acaba de chumbar no exame e que nem um segunda época pode salvar as opções de Álamo Menezes.

10.9.05

GANHAR OU PERDER NAS AUTÁRQUICAS


1. A pouco mais dum mês da data das eleições, a campanha eleitoral ainda está morna, num sinal evidente de que as direcções partidárias partilham o sentimento generalizado de que os cidadãos estão cansados dum longo ciclo eleitoral: eleições europeias em Junho, uma longa campanha para as regionais de Outubro do ano passado, as legislativas nacionais de Fevereiro e agora as eleições autárquicas, antecipadas num trimestre em relação à sua data habitual.

A história política destas eleições nos Açores revela que, em geral, a campanha eleitoral começa muito mais tarde do que no continente, excepção feita aos candidatos que se apresentam de novo ou que disputam uma eleição considerada difícil.

Por isso mesmo, ao olharmos para a estratégia política de muitos dos candidatos da oposição autárquica ao PSD (partido dominante nas autarquias açorianas, governando treze dos dezanove municípios) apenas a compreendemos em função dum premissa fundamental: o PS nos Açores não espera nada destas eleições.

As recentes intervenções do líder regional do PS apontam para que os socialistas açorianos tenham uma reduzida expectativa eleitoral. Publicamente, Carlos César já disse (e cito de memória) que o PS ao contrário de outros partidos, não "é um partido que se reduza à dimensão autárquica", num claro ataque ao PSD, bem sabendo que – salvo um imprevisível cataclismo político – o PS perderá as eleições de Outubro.

A forte implantação do PSD no plano local, a existência de elites dirigentes locais na área dos sociais-democratas, uma estrutura partidária eficaz e em funcionamento, apesar do longo afastamento do poder regional, o sucesso generalizado da gestão dos autarcas sociais-democratas, são factores regionais que limitam fortemente a ambição socialista, juntando-se-lhes as dificuldades económicas que atingem a economia das famílias, em resultado das medidas do Governo socialista de José Sócrates, que levarão os eleitores a penalizar os candidatos socialistas, do partido no poder, como resulta da história eleitoral autárquica portuguesa.

2. Muito embora seja uma evidência dizê-lo, as próximas eleições destinam-se a escolher autarcas e a avaliar a governação dos municípios e freguesias. Não são um plebiscito à governação socialista regional e muito menos ao Presidente do Governo, que até desceu à contenda autárquica, apresentando-se como candidato à Assembleia de Freguesia da Fajã de Baixo, como se a Fajã de Baixo pudesse ganhar objectivamente alguma coisa com isso. Que vantagem terão os cidadãos da freguesia pelo facto de Carlos César ser membro da Assembleia de Freguesia? A pergunta é mesmo esta: o que poderá o Governo socialista fazer pela Fajã de Baixo com Carlos César como autarca local, que não tenha feito até hoje?

Se a resposta for "poderá fazer muito mais, porque conhece melhor os problemas da freguesia", então, a conclusão é que a relação entre o poder regional e o poder autárquico está inquinada e o poder regional não está atento à dimensão dos problemas locais. Se a resposta for "é apenas um acto simbólico", então a conclusão é que, em Ponta Delgada, o líder socialista penas espera salvar a "honra do convento" com uma incerta vitória num tradicional bastião, reconhecendo que a candidatura socialista a Ponta Delgada está abaixo das expectativas.

3. O discurso da sintonia política entre o Governo e os autarcas, tantas vezes repetido pelos candidatos socialistas ou mesmo pelo líder do PS é, no mínimo, equívoco: durante os últimos oito nove anos de governação socialista, o poder local, maioritariamente social-democrata, realizou projectos, fez obra, desenvolveu concelhos e freguesias. Houve sobressaltos? Claro que sim. Existiram crispações e tensões políticas? Claro que sim. O Governo Regional teve ciúmes do protagonismo, da visão, da atitude dos autarcas sociais-democratas? Claro que sim. Não há autarquias socialistas, que apesar da famosa "sintonia política", ainda não deram um salto de desenvolvimento (como por exemplo, Vila do Porto ou Lagoa)? Claro que sim. O Governo e as autarquias colaboraram – em termos gerais – quando o interesse público e o interesse das populações o impôs? Claro que sim.

Estamos sempre perante uma inevitável tensão entre dois níveis de poder, em territórios de dimensão reduzida, como são as nossas ilhas. Ambos os níveis de poder recolhem a sua legitimidade do voto soberano e universal do povo que, ao longo dos últimos anos, já disse com clareza eleitoral suficiente, preferir entregar o poder regional ao PS e o poder local ao PSD.

Por muito que isso possa custar ao líder socialista, uma vitória social-democrata nas eleições de Outubro não transforma o PSD num partido de poder local, nem reduz a sua ambição de voltar a governar estas ilhas. O PSD continua a ser o partido da alternância política nos Açores, com uma vantagem adicional sobre o PS: tem experiência de governação no poder local e tem sensibilidade para o governo das nossas pequenas comunidades. É este o factor que, na hora da verdade do voto, faz pender a balança a favor do PSD.

4. A vitória na noite eleitoral apenas se pode medir duma maneira: ganhará as eleições quem tiver mais autarquias, mais mandatos e mais votos, podendo, deste modo, manter a liderança da Associação de Municípios. Bem sabemos que as noites eleitorais se prestam ao malabarismo dos números, na contabilização das derrotas ou das vitórias. Contudo, a matemática irrefutável é feita com base num balanço global do resultado, temperado pelas leituras de vitórias ou derrotas em concelhos geograficamente mais importantes do que outros, assumindo relevo o desfecho eleitoral em Angra do Heroísmo e na Horta.

O PS deseja muito das próximas eleições, mas espera pouco!
(Publicado no JORNAL DOS AÇORES, em 29 de Agosto )