9.11.06

LER JORNAIS É PAGAR MAIS

Em 1996, no tempo do Governo de António Guterres, uma maioria socialista na Assembleia da República consagrou, através de Lei, a possibilidade dos residentes nas Regiões Autónomas poderem adquirir livros, jornais e revistas ao mesmo preço dos cidadãos residentes no território continental.

A medida foi saudada por todos os quadrantes políticos e bem recebida nos Açores, na medida em que eliminava uma antiga discriminação no acesso a bens culturais. Socialistas de cá e de lá apresentaram esta decisão como uma medida emblemática da política do Estado em relação às Regiões Autónomas.
Dez anos depois, um outro governo socialista, em nome duma prosaica contenção de custos, dum economicismo mal explicado e de alegados gastos nunca quantificados, revoga esta Lei retirando aos Açorianos direitos adquiridos.
A Assembleia Legislativa, por iniciativa do PSD, aprovou uma proposta de Lei visando corrigir uma flagrante injustiça praticada pelo Governo da República.
Tanto a Assembleia Legislativa como o Governo Regional foram unânimes em considerar a atitude do Governo de José Sócrates lesiva dos interesses dos Açorianos.
Como vem sucedendo com demasiada frequência, o Governo da República desrespeitou a vontade dos Açorianos, expressa através dos seus órgãos de governo próprio.
Também na Assembleia da República, a maioria socialista, esquecendo o seu próprio passado, rejeitou a proposta de Lei açoriana, obrigando os cidadãos destas ilhas a pagarem mais 20% a 30% pelos livros, revistas e jornais adquiridos.
Embaraçados, os Deputados socialistas, Fagundes Duarte, Renato Leal e Ricardo Rodrigues, refugiaram-se na abstenção, não tendo coragem de preferir os interesses dos Açores à complacência com uma medida penalizadora de todos os Açorianos e discriminatória.
A defesa dos interesses dos Açores que Ricardo Rodrigues não se esqueceu de proclamar na imprensa açoriana e para consumo local, não teve qualquer tradução no plano parlamentar.
Triste maneira de defender os Açores. Os Açorianos mereciam mais.
PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL

FINANÇAS REGIONAIS - APARÊNCIAS E CONTRADIÇÕES

A Lei das Finanças Regionais (Lei nº 13/98, de 24 de Fevereiro) - LFR -foi classificada por Roberto Amaral – ao tempo Secretário Regional das Finanças – como a "melhor lei do século". Bastaram oito anos, para o mesmo Governo socialista – agora já sem aquele Secretário Regional – confirmar que o tempo não provou a excelência deste diploma.

A fórmula legal de regulação das transferências financeiras do Estado para as Regiões Autónomas nunca foi aplicada, funcionando sempre a designada “cláusula de salvaguarda” e os projectos de interesse comum nunca saíram do papel.

Esta Lei foi importante, contudo, para estabelecer um quadro geral de relacionamento financeiro entre as Regiões e a República, reconhecendo os constrangimentos e limitações financeiras regionais.

Interessa recordar – para a história das relações dos Açores com a República – que foi o actual Governo da República que, ao aplicar pela primeira vez, neste ano, a Lei de Estabilidade Orçamental, paralisou os efeitos da LFR.

É também o mesmo Governo que, de modo descarado, propõe uma revisão da LFR que permite ao Estado diminuir substancialmente a solidariedade nacional para com o esforço de desenvolvimento duma das suas parcelas territoriais.

Se a Proposta de Lei procede bem ao diferenciar os Açores da Madeira, anda mal - muito mal mesmo - ao penalizar a Madeira, apenas para permitir ao Estado poupar alguns milhões.

Na revisão da Lei das Finanças Locais o Governo da República adoptou um critério que agora abandonou: o princípio da neutralidade financeira, segundo o qual, durante um período transitório, nenhum dos beneficiados pelas transferências ganha ou perde.

Uma das mistificações mais repetidas é a que se refere ao valor das transferências financeiras do Estado para as Regiões Autónomas. Ao contrário da vulgata oficial, não é a primeira vez que os Açores recebem do Estado mais dinheiro do que a Madeira.

A revisão da LFR prometeu mais do que concede.
PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL, NA EDIÇÃO DE 8 DE NOVEMBRO DE 2006

OPOSIÇÃO, PODER E OS JOGOS DE ESPELHOS

Os resultados das eleições legislativas regionais de 2004 – como a data já nos parece longínqua – ditaram a continuação do PS no poder, com o reforço da sua maioria absoluta e manutenção do PSD na oposição, reduzida ao PP, no plano parlamentar.

Ao longo de trinta anos de Autonomia, os sistemas político e eleitoral sempre demonstraram possuir, na respectiva matriz genética, a dimensão da alternância democrática, no plano parlamentar e de governação. Mesmo em 1996, com o sobressalto do partido mais votado não ter recolhido a maioria dos assentos parlamentares, o sistema eleitoral não deixou de permitir uma mudança política nos Açores. Já este ano, fruto da vontade do PS e da conveniência dos pequenos partidos, o sistema eleitoral foi modificado, introduzindo-se um décimo círculo eleitoral – um círculo de restos eleitorais – e aumentando o número de Deputados para 57. Tenho para mim que caminhámos no sentido errado, quer da história, quer da melhor solução para um sistema eleitoral equilibrado. Os seus autores anunciaram, pomposamente, como sempre gostam de o fazer, a adopção da solução "perfeita", mas creio que se adoptou uma solução infeliz e que viola uma relação de lealdade com os eleitores. Melhor teríamos andado, se tivesse existido a coragem e a determinação para reduzir o número de Deputados para 43.

Os resultados eleitorais têm confirmado a bipolizarização da vida política regional, com a alternância de poder a girar em volta dos dois grandes partidos políticos dos Açores: o PS e o PSD, ambos com vocação de poder, mas com matrizes políticas e sociais distintas: o PSD, como partido de bases, interclassista, com uma forte organização partidária que os anos de oposição não eliminaram e com uma cultura de debate e de confronto interno muito acentuados; o PS, fruto talvez da sua raiz ideológica e da circunstância de ter nascido quase como um partido de quadros, nunca se mostrou como um partido organizado, passe a redundância. Vivendo na franja do poder, o PS como partido, está organizado enquanto dispuser de poder. Depois disso, regressará ao seu estado natural. Ao PS sempre faltou a dimensão interclassista que o PSD comporta. O PS-no-poder sustenta o PS-partido.

SER OPOSIÇÃO OU ESTAR NA OPOSIÇÃO?

A tendência para a bipolarização não deve eliminar, nem o papel nem a importância dos pequenos partidos no sistema partidário regional. Desde logo, do ponto de vista social democrata, seria mau se o PSD ficasse acantonado à direita política, sem um partido conservador de direita que preenchesse o espaço político à direita da social democracia. De passagem, sublinhe-se a deriva política do CDS/PP que, hesitando entre ser oposição ao PS e parceiro nalgumas ocasiões, tem optado por esta última, com inusitada frequência. A pequenez dos populares açorianos e a necessidade de afirmação política aconselhariam uma conduta diferente, sob pena de se diluírem politicamente.

À esquerda, o PCP trava um combate com o BE pela supremacia na esquerda, à esquerda do PS, e pela garantia dum assento parlamentar. Os últimos meses têm revelado um declínio da intervenção política do PCP, acusando dois factores: a sua saída do parlamento e os jogos de poder com o PS no terreno autárquico, envolvendo o seu líder histórico, que lhe retiram campo de manobra no confronto político com o Partido Socialista.

A história política dos Açores tem revelado uma inusitada duração dos ciclos políticos de poder e, por consequência, de oposição. Para os partidos da oposição, estes longos ciclos são penosos e conduzem – como a ciência política ensina e os factos confirmam – a sucessivas mudanças nas lideranças e nas direcções partidárias. A vida política açoriana tem sido um mau exemplo neste aspecto, quando a instabilidade é a regra e não a excepção.

Como o coelho da Alice que gritava "estou com pressa" a cada pergunta que lhe faziam, os partidos que não exercem o poder têm de encarar a sua passagem pela oposição como um exercício equivalente à maratona. O frenesim, tanto na política como na vida, conduz a resultados indesejados.

Ser oposição é tão digno como estar no poder. Fazer oposição é, antes de mais, criticar o governo e as suas medidas, porque todas as governações são criticáveis. Porém, a legitimidade da oposição não se pode esgotar aqui.

Os partidos da oposição e, em especial o PSD, têm de provocar rupturas políticas com o PS, apresentando políticas alternativas para que os cidadãos se possam posicionar em relação a elas e, na hora do voto, decidirem uma mudança política.

O PSD não tem de apresentar – a dois anos de eleições – um programa de governo alternativo, mas precisa de clarificar, de imediato as suas posições quanto a aspectos essenciais para vida comum dos Açorianos: sistema de saúde, política de segurança, inovação científica e tecnológica, emprego e sistema de transportes.

Estas cinco áreas constituem vectores estratégicos para o desenvolvimento dos Açores e permitem ao PSD propor medidas e políticas que o distinguem do PS e da governação socialista.

Se não o fizer, o PSD resignar-se-á a estar na oposição, à espera que o decurso do tempo provoque uma mudança política.


SONDAGENS E JOGOS DE ESPELHOS


Pela sua raridade, a publicação de sondagens no espaço mediático açoriano constitui um "facto político". As sondagens e estudos de opinião são, hoje, um instrumento essencial na vida dos partidos, dos negócios e das empresas e seria desejável que a sua publicação ocorresse mais vezes nos Açores. Falta aqui, ainda, uma desejável normalidade.

Num curioso estudo de 1992, John Zaller (The nature and origins of mass opinion) procurou encontrar resposta para o facto dos inquiridos, de sondagem para sondagem, darem respostas diferentes ou mesmo contraditórias.

A tese de Zaller é que os eleitores decidem a partir de informações ou de fragmentos de informação pelos partidos ou grupos políticos com os quais se identificam. Para este autor, os inquiridos, mais do que opiniões, têm "predisposições" e "considerações".

Os políticos costumam dizer que as "sondagens valem o que valem". A vida política não se decide pelas sondagens, muito embora elas devam ser consideradas na decisão política, pois medem a percepção dos inquiridos no exacto momento em que são realizadas.

Se Zaller estiver certo, então a dimensão psicológica no combate político é essencial. Acreditar ou não acreditar num líder é determinante para a identificação do eleitorado com as suas propostas.
PUBLICADO NA REVISTA SABER-AÇORES, EDIÇÃO DE NOVEMBRO DE 2006

17.10.06

INVESTIGAÇÃO E ESQUECIMENTO

Portugal assina hoje um acordo com o Massachusetts Institute of Technology (MIT), no domínio científico, envolvendo sete instituições de investigação portuguesas, com o objectivo de criar massa crítica, aumentar a capacidade científica, promover o surgimento de projectos científicos inovadores e consolidar a investigação científica em Portugal. De acordo com a escassa informação já disponibilizada pelo Governo da República no sítio do Ministério da Ciência (www.mctes.pt) o acordo desdobra-se em áreas essenciais como sistemas de energia, sistemas de transportes, design de engenharia, sistemas de bio-engenharia e gestão.

Ao olhar para as áreas de investigação e pensando na experiência regional em algumas delas, como a energia, com investigação consolidada nas energias renováveis – energia geotérmica, energia das ondas e as recentes experiências no campo experimental de utilização de hidrogénio como fonte energética – pensei que a Universidade dos Açores e os centros de investigação (experimental ou já aplicada) neste domínio fizessem parte da lista de instituições seleccionadas pelo Governo da República para esta parceria estratégica para a investigação científica portuguesa. Puro engano. Os Açores estão arredados da “pool” de parceiros científicos e longe dum projecto de referência que poderia contribuir para a consolidação dum centro de excelência universitária no domínio das energias renováveis, desaproveitando-se o precioso capital de conhecimento que os Açores vêm acumulando laboriosamente ao longo dos anos nos sistemas de energias renováveis.

Os Açores ficaram, inexplicavelmente, de fora, como tem sucedido um pouco ao longo dos anos, no que toca à investigação científica promovida pelo Governo da República.

De nada valeram aos Açores a proclamada sintonia política com o Governo de Lisboa ou as porfiadas páginas de jornal com piedosas e repetidas intenções dos representantes da Região na Comissão Bilateral Permanente do Acordo das Lajes. Temos relações especiais com os EUA, conhecemos bem a Nova Inglaterra, inovamos na área energética, mas somos esquecidos. Mais uma vez.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 11 DE OUTUBRO DE 2006 DO AÇORIANO ORIENTAL

27.9.06

FINANÇAS - OS VOLÁTEIS DO GOVERNO REGIONAL

"Dois pesos e duas medidas" é a expressão que caracteriza a atitude do Governo Regional perante dois diplomas essenciais para os Açores no domínio financeiro: a Lei das Finanças Regionais e a Lei das Finanças Locais.

A solução final de cada uma destas leis não pode ser indiferente para o poder político nos Açores: uma má lei é sempre uma má lei, independentemente de quem esteja no poder em Lisboa. Uma boa lei é uma boa lei, independentemente de quem governe nos Açores.

O que se acaba de escrever só não é uma evidência, porque a atitude da maioria socialista na Assembleia Legislativa se encarregou de o desmentir. O PS, por um lado, aplaude – mais rápido do que a sua própria sombra e com a agilidade dum certo cowboy solitário - através do seu líder parlamentar, a última versão da Lei das Finanças Regionais, considerando-a uma vitória para os Açores; por outro lado, recusa criticar o Governo de Lisboa a propósito da Lei das Finanças Locais e aprovar um voto de protesto apresentado pelo PSD, quando é evidente que a nova lei proposta pelo Governo do Eng. Sócrates é fortemente penalizadora para as finanças locais, a partir de 2009.

Depois duma extemporânea declaração do Vice-Presidente do Governo Regional declarando que a nova lei é "favorável às autarquias açorianas", o Governo afasta-se discretamente da defesa das autarquias locais e da sua posição inicial, remetendo o problema das finanças autárquicas para as negociações nacionais entre o Governo da República e a Associação Nacional de Municípios.

A recusa do PS em protestar contra esta iniciativa do Governo de Lisboa significa que os socialistas açorianos desistiram de lutar pelos interesses açorianos. Abandonaram o campo de batalha a meio do combate, numa desistência incongruente e incompreensível: a legitimidade de ambos os poderes (regional e autárquico) assenta na mesma escolha livre e soberana do povo e que for bom para as autarquias açorianas é bom para os Açores.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 27 DE SETEMBRO DO AÇORIANO ORIENTAL

A EUROPA CONNOSCO?

O velho slogan da "Europa connosco" tem de interpretado à luz da recente jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 6 de Setembro e que julgou improcedente um recurso do Estado português quanto a uma decisão da Comissão sobre alguns aspectos fiscais objecto de Decreto Legislativo Regional aprovado pelo parlamento açoriano. Em causa está a redução de 30% nas taxas de IRC aplicadas na Região às empresas integradas no sector financeiro e bancário e às que prestam serviços dentro do mesmo grupo empresarial.

A decisão do Tribunal de Justiça confirma o entendimento da Comissão de que esta redução fiscal constitui um "auxílio de Estado", proibido pelo artigo 87º do Tratado da União.

Da leitura do acórdão resulta que a Comissão considera a autonomia dos Açores limitada, num entendimento que o Tribunal confirmou e que o Estado português não conseguir contrariar no decurso de todo o processo. O advogado-geral sustenta este ponto de vista assim:"a decisão essencial é a de saber se a taxa de imposto inferior decorre de uma decisão adoptada por uma autoridade local verdadeiramente autónoma em relação ao Governo central do Estado membro. Importa observar que, por verdadeiramente autónoma, entendo autónoma do ponto de vista institucional, processual e económico".

Muito embora esta concreta decisão esteja limitada à matéria fiscal no seu confronto com os "auxílios de Estado", a verdade é que a jurisprudência comunitária traça um entendimento perigoso quanto às relações das autonomias com o Estado e destas com a União Europeia.

Do acórdão tira-se que o Estado português não soube defender bem o grau de autonomia concedido às Regiões Autónomas em matéria fiscal, na sequência da aprovação da Lei das Finanças Regionais, permitindo mesmo que as transferências financeiras inscritas em cada orçamento de Estado a favor dos Açores e da Madeira, em nome do princípio da solidariedade nacional, fossem interpretadas em desfavor das autonomias regionais.

Esta decisão do Tribunal de Justiça, para além de infeliz, inicia uma jurisprudência restritiva quanto às autonomias regionais que deve ser combatida no plano legislativo e político.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 20 DE SETEMBRO DO AÇORIANO ORIENTAL

13.9.06

PARLAMENTO, REFORMA E MODERNIDADE (II)


Iniciei, na semana passada, uma breve reflexão sobre a reforma do funcionamento da Assembleia Legislativa, na espuma da comemoração da data da instalação da então designada Assembleia Regional.

O sistema político regional é de natureza parlamentar como é comum assinalar-se entre os constitucionalistas. Apesar duma certa evidência quanto à especial relação entre o Parlamento e o Governo no plano teórico, a verdade é que nem o regimento da Assembleia Legislativa nem o próprio Estatuto Político-Administrativo o reflectem.

Se o Parlamento, em geral, exerce uma fiscalização política sobre o Governo, este poder deve ter uma expressão diferente num sistema parlamentar, sobretudo quando - como agora sucede após a última revisão constitucional – o Governo Regional é exclusivamente responsável perante o Parlamento.

Por isso mesmo, o elenco das Comissões deve ser alargado, de modo a espelhar um amplo processo de acompanhamento e de fiscalização da actividade do Governo e da Administração, abrangendo áreas novas, como a segurança, as relações exteriores, o mar ou dando tradução institucional aos assuntos europeus, cada vez mais determinantes no nosso dia-a-dia. O regime das comissões de inquérito deve ser aproximado ao regime das suas congéneres na Assembleia da República, com atribuição de poderes de natureza judiciária. Por outro lado, a prestação de esclarecimentos perante uma Comissão Parlamentar deve ser encarado com naturalidade pelos membros do Governo e não constituir uma excepção. A deslocação dos Secretários Regionais ao Parlamento, não pode ficar-se pela rotineira ida na fase de discussão do plano e do orçamento ou da apresentação dum qualquer diploma.

O início de cada ano parlamentar (sessão legislativa) deveria ser marcado sobre um debate sobre política geral, com a presença do Presidente do Governo e no qual o Governo Regional apresentaria as suas opções políticas, sujeitando-se ao escrutínio político parlamentar e ao confronto com a oposição. Do mesmo modo, no final de cada sessão legislativa deveria ocorrer, um debate sobre o “estado da região”, durante o qual o Presidente do Governo faria o balanço da acção governativa, sujeitando-se – aqui também – ao debate parlamentar.

Reformar a Assembleia Legislativa deixou de ser uma opção para se tornar uma exigência democrática.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL

8.9.06

PARLAMENTO, REFORMA E MODERNIDADE (I)


A Assembleia Legislativa assinalou, em sessão solene, o 30º aniversário da instalação do primeiro parlamento democraticamente eleito.

A ocasião pode, e deve, servir para olhar criticamente o funcionamento do parlamento regional ao longo da nossa história. Ao longo de trinta anos, muita coisa mudou nos Açores e no modo como os partidos, os Deputados e o Governo Regional devem executar o trabalho parlamentar. Algumas das soluções de há trinta anos já não servem para o exercício do mandato de Deputado que se deseja mais eficaz e mais próxima dos cidadãos.

Trinta anos depois, é tempo de reformar profundamente o parlamento dos Açores, com ousadia e sentido de mudança.

A Assembleia Legislativa tem de reunir mais vezes em plenário, assegurando que o debate político se faz no parlamento, com tempo e oportunidade. Apesar de, hoje, o parlamento reunir mais vezes do que há trinta anos, a verdade é que ainda reúne pouco e com reduzido espaço para o debate político. A actividade parlamentar não pode ficar prisioneira da agenda legislativa. O debate sobre as grandes questões regionais e os pequenos problemas de ilha ou concelhios têm lugar numa assembleia parlamentar de dimensão regional. Diminuir o debate ou limitá-lo a uma semana por mês traduz uma inaceitável desvalorização do confronto político, afinal a essência da democracia.

O trabalho das comissões deve ser aberto ao público e à comunicação social, de modo a ser integralmente escrutinado. Também as comissões parlamentares, por princípio, devem disponibilizar-se para ouvir os cidadãos a propósito de todos os diplomas em discussão, em sessões de trabalho públicas e especialmente organizadas para o efeito.

A experiência tem demonstrado que é possível reduzir o número de Deputados em cada comissão (dos actuais 11 para 9), ganhando-se em eficácia nos trabalhos e combatendo o recurso à frequente substituição dos parlamentares nas reuniões.

Por outro lado, algumas das reuniões de comissão poderiam realizar-se com recurso a videoconferência, com evidente poupança de recursos e maior eficiência no trabalho parlamentar.
PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL, EM 6 DE SETEMBRO DE 2006

30.8.06

COMBATER A INSEGURANÇA – UMA POLÍCIA REGIONAL

Um pouco por todo o lado, o sentimento de insegurança dos Açorianos aumenta. Os índices de criminalidade confirmam a sensação geral de falta de segurança. Não defendo que os Açores se tornaram uma região insegura, sobretudo se compararmos a nossa realidade com a de outros pontos do país. O que digo é que a insegurança não é apenas "psicológica". É bem real e todos a sentimos.

Os Açores são uma das regiões do país em que verificou um aumento da criminalidade participada às autoridades competentes, de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna relativo ao ano de 2005 – elaborado no âmbito do Ministério da Administração Interna. Com um aumento de 3,8% em relação ao ano anterior, os Açores são a região do país em que se registou o 4º maior crescimento da taxa de criminalidade, com 88% das ocorrências a terem lugar nas ilhas de S. Miguel, Terceira e Faial.

Apesar deste quadro que preocupa os cidadãos que temem pelos seus bens, quando não pela sua integridade física, os quadro de pessoal afectos às forças de segurança nos Açores estão por preencher e os meios materiais colocados à sua disposição são exíguos, impossibilitando ou comprometendo o cumprimento da sua principal missão: assegurar a segurança pública.

Preocupado com este assunto, apresentei, em requerimento, ao Governo Regional, um conjunto de questões, tentando apurar o seu papel junto do Governo da República no sentido da obtenção dum reforço de meios para as forças de segurança nos Açores.

Estou convencido que, como sempre o Governo Regional, remeterá a resolução dos problemas de insegurança para o Governo da República que, dificilmente, colocará a insegurança nos Açores na primeira linha das suas preocupações.

O combate à crescente insegurança nestas ilhas e à crónica falta de meios a que o Estado nos vota, passa pela criação dum corpo de polícia regional, sob tutela do Governo Regional, cuja missão principal seria assegurar a ordem pública, em cooperação com as forças de segurança de carácter nacional. Ainda que, com competências menos extensas do que a PSP ou GNR, a criação duma polícia regional permitira um policiamento de proximidade, um número de agentes suficientes nas ruas e asseguraria um eficaz combate à criminalidade e insegurança.
PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL, EM 23 DE AGOSTO DE 2006

7.8.06

AS MIRAGENS DO TURISMO AÇORIANO

Escrevo debruçado sobre a baía de S. Lourenço, em Santa Maria. O mar está translúcido, entre o azul e verde. Da minha varanda atlântica, sobranceiro aos quartéis de vinha desenrolados encosta abaixo, consigo ver o fundo do mar. O casario, rente à estrada, exibe uma alvura que pontua a paisagem, predominantemente verde. Os vinhedos de S. Lourenço lá vão resistindo ao tempo, às sucessivas imposições legais, graças à teimosia duns poucos. Só quem já percorreu os estreitos caminhos de pedra que atravessam os quartéis de vinha, pode dar valor ao esforço que é cuidar destas vinhas, nas quais as máquinas não entram. O trabalho é braçal, como sempre foi desde os primórdios.

A paisagem idílica e a temperatura amena que leva um amigo – num deslumbramento momentâneo – a classificar Santa Maria como as "Caraíbas dos Açores" não esconde as dificuldades duma ilha que ainda não obteve do poder regional o impulso para a sua afirmação como destino turístico.

Nem a parte que depende directamente da Região, como o transporte marítimo de passageiros e de viaturas, está devidamente estruturada para servir o Verão e permitir um fluxo turístico nesta época estival. Preocupado em resolver o problema do transporte marítimo para as Flores, o Governo Regional penalizou mais uma vez os marienses, permitindo que a Transmaçor apenas operasse para esta ilha durante o fim-de-semana, chegando ao absurdo de efectuar uma viagem aos Sábados, que não serve ninguém.

Apesar das apregoadas "vantagens" da sintonia política entre o poder regional e o poder local, a verdade é que, no caso da Santa Maria, isso não tem revertido em vantagem para os marienses ou para a sedimentação da aposta turística.

O turismo continua a parecer uma actividade de amadores. O Governo Regional e Câmara Municipal de Vila do Porto não aprendem com os erros do seu próprio passado. E, como sempre, são os marienses e os empresários locais que pagam uma pesada factura.
PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL EM 3AGO2006

DE QUANTOS DEPUTADOS PRECISAMOS?

A Assembleia da República vota amanhã a alteração à Lei eleitoral para a Assembleia Legislativa. Previsivelmente, a maioria socialista, com os votos do PCP, BE e do CDS/PP, confirmará a solução que foi aprovada no parlamento açoriano, com os votos de socialistas e populares. Dos partidos com representação parlamentar, apenas o PSD não concorda com a alteração em curso.

Diz o nosso povo que “mais vale só, do que mal acompanhado”. Tem razão a sabedoria popular, já que neste caso o PSD está sozinho batendo-se contra uma solução que, criando mais um círculo eleitoral de aproveitamento de restos, aumenta o número de Deputados para 57.

O PSD está isolado numa luta contra o aumento do número de Deputados, mas o tempo e os eleitores dar-lhe-ão razão.

Desde há muito, que me bato por uma redução de nove Deputados no nosso parlamento, fazendo-o retornar à sua dimensão inicial. Defendo esta solução por convicção pessoal e por acreditar que um parlamento mais pequeno pode funcionar melhor e dum modo mais eficaz.

A representação das várias parcelas da nossa Região não seria afectada, já que a redução atingiria todas as ilhas por igual, de São Miguel ao Corvo. A velha jurisprudência do Tribunal Constitucional, segundo a qual não seria possível a existência dum círculo eleitoral uninominal nas ilhas, merece ser desafiada, com ousadia e determinação, à luz da evolução constitucional e em nome da proporcionalidade global do actual sistema eleitoral dos Açores.

Aumentar o número de Deputados, como fazem o PS e os seus aliados conjunturais - que, oportunisticamente, vêem neste círculo de restos a sua salvação eleitoral – é defraudar os cidadãos e fingir que o mundo à volta dos Açores não existe. A Madeira reduziu 21 Deputados e na Assembleia da República começou já a discussão sobre a redução dos actuais 230 Deputados para um número inferior.

Nesta matéria, como noutras, o PS escolheu contornar o problema. Preferiu as suas clientelas aos Açores.
PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL A 19JULHO2006

20.6.06

AS "BRASILEIRAS" DO PRESIDENTE

O discurso do Presidente do Governo Regional, na semana passada, em Rabo de Peixe, quando acusou as Câmaras Municipais de gastarem dinheiro em cantoras "brasileiras", ao invés de investirem na promoção da habitação social é revelador duma atitude política e dum comportamento institucionalmente desadequado. A intervenção sobre as "brasileiras" não pode ser interpretada à margem do que disse o Presidente do Governo na sessão solene comemorativa do dia da Região: o chefe do executivo, não só continua a confundir o seu papel institucional de Presidente do Governo com o de líder partidário, como resiste cada vez menos à tentação de desqualificar os outros poderes fácticos da sociedade açoriana, sobretudo os que estão legitimadas por meio do voto popular. Com uma maioria confortável no parlamento, com uma liderança inquestionável dentro do Partido Socialista, com autoridade pessoal e política sobre todos os membros do seu Governo, o que pode levar Carlos César a comportar-se desta maneira, a dois anos de eleições? Em primeiro lugar, um certo incómodo de Carlos César com a função que desempenha. O líder socialista vê-se arrastado para um futuro que não desejou para si próprio: abundam os indícios – alimentados pelo próprio, antes de mais – de que poderá candidatar-se a um quarto mandato, o que o deixa desconfortável. Carlos César deixa que as circunstâncias lhe imponham um percurso que tanto criticou ao seu arqui-rival, Mota Amaral. Sem espaço político fora dos Açores, Carlos César perdeu a frescura política de outros tempos perante a encruzilhada do seu percurso. Em segundo lugar, o tempo demonstrou que o Presidente do Governo convive mal com a crítica ou com o poder de outros. As críticas da oposição têm acertado no alvo e o poder de outros leva-o a discursos despropositados – alguns dirão que é a sua natureza; acrescento que é a consequência do momento. As "brasileiras" do Governo não têm nomes melodiosos, nem dizem "oi", mas custam bem mais ao erário público: Transmaçor, SCUT’s, Portas do Mar, Kairós e tantas outras.
PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL EM 14 DE JUNHO DE 2006

7.6.06

DIA DA REGIÃO - O DISCURSO DO PRESENTE IMPERFEITO

O discurso do Presidente do Governo Regional na cerimónia de comemoração do Dia da Região revela, por um lado, o estado de alma dos socialistas açorianos, e por outro, a falta de ambição que o chefe do executivo tem em relação ao processo autonómico.

Na mesma sala da Sociedade Amor da Pátria, na qual os socialistas açorianos exibiram institucionalmente – quando o parlamento ali funcionou – o seu desconforto e o seu desacordo com a construção do processo autonómico, Carlos César faz-se apresentar como Presidente dos Açores (cargo inexistente, já que é somente Presidente do Governo Regional) e profere um discurso de chefe partidário.

Sem rasgo e sem brilho, o chefe do executivo prefere o discurso do auto-elogio da obra socialista, num registo marcadamente partidário, inadequado a uma cerimónia plural, na qual se celebra os Açores e se exalta a afirmação dos açorianos, nas ilhas e no mundo, à reflexão serena sobre os desafios que se colocam à Autonomia, como fez – e bem – o Presidente da Assembleia Legislativa.

O universo do pensamento político socialista sobre a Autonomia resume-se ao dia-a-dia da governação.

Acossado pelas críticas da oposição à sua governação, em áreas de notório insucesso, como a educação e a saúde, o Presidente do Governo, mistura o plano do combate político – a que se furta no parlamento - com a posição institucional, numa atitude que lhe é cada vez mais frequente.

Com ciúmes duma história que não pode mudar, o Presidente do Governo mal se referiu às personalidades e instituições que o parlamento deliberou homenagear, o que se compreende mal, quando entre os homenageados estava Mota Amaral.

No seu discurso, Carlos César falou das desconfianças em relação à Autonomia. Tem razão na afirmação, muito embora ignore que o seu estilo de governação é o responsável por outro tipo de desconfiança, bem mais grave: quanto à credibilidade dos membros do seu governo e ao bom uso dos dinheiros públicos.

30.5.06

DEIXA QUE EU CHUTO!


O futebol tomou conta do país. Entre a selecção dos sub-21 e a selecção que se prepara para o Mundial, o futebol marca o ritmo de Portugal. A vida escorre entalada entre as referências ao futebol que, com a aproximação do início do Mundial, ganham cada vez mais expressão informativa.

Os que amam o futebol e os que o odeiam ou, simplesmente, lhe são indiferentes, vivem numa sociedade em o tempo é marcado pelo futebol.

Ao longo do dia, mas em especial à hora do jantar, as televisões servem-nos doses maciças de especiais sobre as selecções, os craques e as trivialidades do dia-a-dia.

Qualquer declaração serve para alimentar uma polémica. Uma polémica faz ganhar audiências e as audiências aumentam a facturação. Não tem que saber: a receita é tão velha quanto o mundo. Os espectadores gostam e os accionistas (mesmo que seja o Estado, na pública RTP) não desdenham.

O futebol domina a informação e a agenda informativa, numa sub-espécie de jornalismo desportivo que faz a "Hola" – uma das mais famosas revistas do coração do nosso tempo – corar de vergonha.

Portugal tornou-se numa república da bola. Convenientemente o Governo da República e o Governo Regional desaparecerão no perfume dos relvados. Desemprego? Despesa pública? Problemas no sistema de saúde? Atraso no desenvolvimento? Os barcos de transporte de passageiros que custam milhões à Região e que não navegam? Os números alarmantes do consumo de álcool nestas ilhas?

Contra o Pauleta, o Simão, o Cristiano Ronaldo, o Ricardo, o Scloari os factos nada podem. José Sócrates e Carlos César podem sorrir. A sociedade encolhe os ombros e prepara-se para seguir, do sofá, as jogadas dos príncipes da bola. De preferência num plasma gigante, novinho em folha, comprado a prestações, que a banca facilita.

18.5.06

OS EQUÍVOCOS DE VASCO CORDEIRO


O Secretário da Presidência, Vasco Cordeiro, em entrevista à última edição do "Expresso das Nove" não consegue fugir ao pensamento mainstream, corolário, não apenas da direcção socialista, mas também do Governo de que ele é um proeminente membro.

A entrevista é elucidativa porque, sendo concedida por um dirigente partidário e Secretário Regional com acrescidas responsabilidades políticas, dela não transparece qualquer ideia – por mais fugidia que possa ser – quanto a opções do governo, atitudes políticas ou ideias políticas que sustentem a designada "nova geração de políticas", elevada a novo céu do Governo de Carlos César.
As declarações do Dr. Vasco Cordeiro assentam em três aspectos: numa crítica ao estilo de oposição protagonizada pelo PSD, num elogio comedido – que não disfarça o incómodo – ao Vice-Presidente do Governo e numa modesta explicação do reajustamento governamental recentemente anunciado.
O Dr. Vasco Cordeiro rende-se à facilidade discursiva: ora critica a oposição por não ter ideias, por não apresentar iniciativas, ao mesmo tempo que critica algumas das propostas que o PSD efectivamente apresenta (na circunstância, o diploma sobre a publicidade institucional nos órgãos de comunicação regional).
A contradição é evidente e reveladora do facto do PS conviver mal – muito mal, mesmo – com as críticas, venham elas da oposição ou da sociedade civil, num comportamento autista, acentuado nos últimos meses.
O PS comporta-se como guardião do céu, quando o cumprimento do mandato que o povo lhe conferiu o obriga a respeitar a oposição, a aceitar a crítica e a compreender que a qualidade da democracia é uma exigência na sociedade açoriana.
Quando o Secretário da Presidência ocupa grande parte duma entrevista a falar da oposição isso significa que não quer falar muito do governo a que pertence e que a oposição está a cumprir o seu papel: fiscaliza o Governo.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 17 DE MAIO DE 2006, DO AÇORIANO ORIENTAL

15.3.06

AÇORIANOS DE SEGUNDA?


O Governo da República, de modo injusto e inexplicável, revogou legislação de 1996 que equiparava o preço de venda ao público, entre o continente e as Regiões Autónomas, dos livros, revistas e jornais.

Contra a posição da Assembleia Legislativa e do Governo Regional, o Governo socialista de Lisboa, transformou os Açorianos em cidadãos de segunda no acesso a bens culturais essenciais, como os livros e os jornais.

Em nome dum mal explicado critério economicista, o Governo do Eng. Sócrates esquece que os cidadãos que residem nos Açores e na Madeira têm o mesmo direito a comparar livros, revistas e jornais ao mesmo preço que os cidadãos do restante território nacional.

O Decreto-Lei nº 43/2006, de 24 de Fevereiro discrimina quem reside nas ilhas, fazendo recair sobre os particulares um sobrecusto que varia entre 20% a 30%, na compra destes bens culturais.

Está em causa um direito que levou anos a consagrar e que agora, com a facilidade de quem ignora que a geografia impõe um custo pesado a quem vive nas ilhas, é apagado dum modo politicamente iníquo e economicamente injusto.

O princípio da continuidade territorial no domínio da fruição dos bens culturais é arredado, impondo-se uma alteração aquele Decreto-Lei nº 43/2006, que reponha a situação anterior e mantenha os direitos dos residentes nestas ilhas.

A Autonomia que a Constituição consagra não pode significar – como quer o Governo da República – um tratamento de desfavor. Muito pelo contrário, as razões que fundam a Autonomia político-constitucional impõem que o Estado assuma um tratamento mais favorável aos residentes nas ilhas.

A defesa da Autonomia, nesta como noutras matérias, faz-se de acções e não apenas de declarações de princípios.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL

1.3.06

REPRESENTANTE DA REPÚBLICA – SER E PARECER


A discussão sobre a nova figura do Representante da República, antecipada pela iniciativa de Mota Amaral, tornou-se numa apetecível arma de combate político do PS contra o PSD, pelas más razões e com maus argumentos.

Há precisamente oito dias atrás, na Assembleia Legislativa, em resposta a uma Declaração Política do PS, tive ocasião de dizer, em nome do PSD, que embora não subscrevendo a solução quanto ao estatuto protocolar e remuneratório do Representante da República proposta pelo Dr. Mota Amaral, reconhecia mérito no debate e oportunidade na discussão.

Mais rápido do que a sua sombra, para utilizar uma expressão associada a um certo cowboy solitário, o PS finge que o problema não existe, refugiando-se numa interpretação jurídica não muito clara, a partir do actual texto da Constituição.

Ao longo dos últimos trinta anos, os Ministros da República – mercê do seu estatuto de "ministros" – foram adquirindo um conjunto de atribuições, competências ou representações institucionais de cada Região Autónoma (por exemplo, no Conselho Superior de Defesa Nacional, no Conselho Superior de Segurança Interna, no Conselho Superior da Protecção Civil). Após a revisão constitucional de 2004 e a nomeação dos primeiros Representantes da República pelo próximo Presidente da República, é importante clarificar o papel institucional – que não protocolar – desta figura.

A questão que a controvérsia pública iludiu foi a saber se o Represente República sucede automaticamente ao Ministro nas competências não inscritas na Constituição. Para clarificar este aspecto, torna-se indispensável definir um estatuto diferente do actual. Politicamente, o Representante da República é muito menos do que Ministro da República.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL

27.2.06

LIBERDADE DE IMPRENSA E PUBLICIDADE

O Grupo Parlamentar do PSD deu entrada na Assembleia Legislativa de um projecto de Decreto Legislativo Regional que estabelece as regras aplicáveis à distribuição das acções informativas e de publicidade da iniciativa do Governo Regional, dos institutos públicos, das autarquias locais e das empresas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos pela imprensa regional.

As mudanças na sociedade moderna operaram, também, uma mudança nas relações entre a comunicação social e os poderes fácticos.

A comunicação social está mais presente no nosso quotidiano. Nas suas diversas formas, das tradicionais às mais recentes, utilizando os meios digitais, o "quarto poder" construiu com os cidadãos uma nova relação: todos somos consumidores globais de informação à escala planetária.

De espaço de informação a produto económico, de meio de participação a instrumento de conhecimento, consoante a perspectiva de análise, os media desempenham um papel essencial em democracia.

Uma parte do controle democrático sobre as instituições públicas e o escrutínio dos outros poderes, a começar pelo poder político, é feito pelos órgãos de comunicação social.

Em sociedades pequenas, em que os órgãos de comunicação social têm estruturas empresariais frágeis, em que as tiragens ou a expressão financeira da publicidade é pequena e os poderes públicos têm um peso acentuado na vida económica - como sucede nos Açores - torna-se imperioso garantir que as relações entre as entidades públicas e os órgãos de comunicação social quanto à colocação de publicidade institucional, estejam sujeitas aos princípios da igualdade, equidade e transparência.

A transparência decorre do conceito de "administração aberta", segundo o qual os cidadãos devem ter a possibilidade de consultar os actos da Administração Pública.

A colocação de acções informativas e de publicidade por parte do Governo Regional, autarquias locais, institutos públicos e sociedades anónimas de capitais públicos não pode ser uma zona opaca das relações entre os poderes públicos e a comunicação social.

Sem um regime legal próprio, a colocação de publicidade nos órgãos de comunicação social presta-se a dúvidas e suspeições várias, que inúmeras "coincidências", repetidamente verificadas, alimentam.

O princípio da igualdade de tratamento entre órgãos de comunicação social, não significa igualitarismo, antes remetendo – como o próprio conceito jurídico compreende – o tratamento igual do que é igual e o tratamento diferenciado do que é diferente.

O princípio da igualdade assegura que todos os órgãos de comunicação social podem esperar um tratamento isento das entidades públicas.

O princípio da equidade tem a ver com a justiça, com fairness, na repartição dos recursos públicos, pelos diferentes órgãos de comunicação social, segundo a sua dimensão.

A avaliação da qualidade dum regime democrático também se mede pela expressão da liberdade da sua imprensa.

Por isso mesmo, entre nós, a Constituição não se limita a garantir o direito à liberdade de imprensa, no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, mas impõe ao Estado o dever de assegurar essa liberdade e a "independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e económico" (artigo 38º, nº 4). O legislador constituinte pressentiu - e bem – que, tanto o poder político como o económico, pela sua própria natureza, representam as maiores ameaças para a liberdade de imprensa.

A imposição assim feita ao Estado tem uma dupla vertente: o Estado, por um lado, deve assegurar, por meio de legislação adequada a independência dos órgãos de comunicação social e, por outro, abster-se de acções ou medidas que ponham em crise a independência dos media ou afrontem a liberdade de imprensa.

A conjugação destes princípios no plano legislativo, como o PSD propõe, visa obter uma solução que assegure critérios objectivos, antecipadamente conhecidos de todos.

A ausência de regras próprias neste domínio tem permitido todas as dúvidas, alimentado suspeitas de distribuição discricionária de acções informativas e de publicidade, que ora favorecem uns, ora outros, prejudicando alguns, numa lógica pendular que deixa um rasto que não abona em favor da liberdade da imprensa e dos órgãos de comunicação social.

Há que afastar suspeitas de que os dinheiros públicos não são usados com isenção e imparcialidade.

Há que afastar suspeitas sobre a influência que a distribuição discricionária de acções informativas e de publicidade possa ter sobre a liberdade de informação.

Num momento em que o Governo Regional, em nome da reforma dos apoios públicos aos media regionais, impõe a lei do garrote financeiro aos órgãos de comunicação social, o projecto do PSD adquire um significado maior, em nome da liberdade de imprensa.

Com esta iniciativa, o PSD lança um debate necessário para a qualidade da democracia nos Açores.

Sem a arrogância que tantos outros gostam de exibir nos debates neste Parlamento e atrás da qual escondem a fragilidade das suas posições, o PSD declara a sua disponibilidade para aceitar todos os contributos que tenham por objecto melhorar a iniciativa legislativa apresentada.

A independência dos órgãos de comunicação merece a atenção deste parlamento porque, como escreveu o poeta John Milton, no século XVII, numa carta dirigida ao parlamento inglês, a "liberdade é uma boa e velha causa".
INTERVENÇÃO NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, EM 23 DE FEVEREIRO DE 2006

22.2.06

OS SOLAVANCOS DA COESÃO


O anúncio feito pelo Secretário Regional da Economia da criação da sociedade "Ilhas de Valor", de capitais exclusivamente públicos, com a exclusão das ilhas de S. Jorge e Corvo do âmbito do seu apoio em 2006 e com a inclusão do apoio a um projecto na Terceira, veio revelar que a estratégia do Governo quanto às políticas de desenvolvimento integral das várias ilhas dos Açores vai flutuando ao sabor das conveniências políticas de cada momento.

Até hoje o Governo Regional nunca explicou, nem à Assembleia Legislativa, nem aos investidores, nem aos cidadãos em geral, qual é a sua estratégia para promover o desenvolvimento das parcelas mais atrasadas da nossa Região, nem como concluiu que as ilhas da designada “coesão” são apenas aquelas cinco, cuja integração no grupo ocorreu de modo discricionário.

As voltas que a coesão do Governo Regional tem dado, agora alicerçada no novo chavão das "ilhas de valor", apenas significa que o Governo pratica uma política de desenvolvimento casuística, acertada com os calendários eleitorais, na qual mistura os velhos incentivos, sob novas roupagens.

As declarações do Secretário da Economia revelam mais do que escondem: o Governo Regional continua a demonstrar uma opulência financeira que as circunstâncias e o orçamento regional não permitem.

A nova sociedade agora criada (cujos accionistas são a Região, Fundo de Coesão, a SATA e a Atlânticoline) é um truque contabilístico e orçamental que permite ao Governo fugir ao controle prévio do Tribunal de Contas e escapar às restrições orçamentais. Porém, a factura será sempre paga com o dinheiro dos nossos impostos. Hoje ou amanhã!

A coesão do Prof. Duarte Ponte é, afinal, um emblema na lapela política do Governo.

17.2.06

CONTRADIÇÕES E EQUÍVOCOS


1. Depois da posição pública tomada no dia 7, o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (o número 3 na hierarquia do Governo), na Universidade de Évora, na cerimónia de doutoramento honoris causa a Aga Khan, no passado dia, voltou a proferir uma extraordinária declaração sobre o caso dos cartoons. Na ocasião, o chefe da diplomacia portuguesa, afirmou caber ao Ocidente tomar a iniciativa de tentar apaziguar os ânimos, pois tem sido ele, historicamente o "agressor" do Oriente. Textualmente, Freitas do Amaral disse o seguinte: "O maior agressor temos sido nós. Para já não falar das Cruzadas, que vão longe mas que estão presentes como alguma coisa que se passou anteontem, para já não falar na colonização de África e de vários povos islâmicos e asiáticos, para já não falar da política de canhoneira seguida pela Inglaterra em relação a esses países, veja o que foi a estratégia seguida pela maior potência mundial no mundo árabe neste momento.". O MNE profere estas palavras no mesmo dia em que o Primeiro-Ministro faz uma declaração, clarificando a sua posição sobre a questão, que ela própria, desautoriza o comunicado do seu Ministro, de 7 de Fevereiro.

Ambas as posições são inexplicáveis e fazem a diplomacia portuguesa resvalar para fora daquelas que são as suas grandes opções – predominantemente pacíficas – quanto à condução da política externa portuguesa.

2. As sucessivas posições que Freitas do Amaral tomou (com os seus posteriores esclarecimentos e piedosas tentativas de explicação) revelam um Ministro desajustado no seu papel e incapaz de compreender que, desde o início deste Governo a sua posição estava sob um particular escrutínio – da opinião pública e dos seus pares.

No princípio – ainda antes de ser nomeado Ministro – foi a augusta declaração ao Expresso, de acordo com as entrelinhas da qual apenas teria aceite ir para o Governo depois de conhecer (e de avaliar, presume-se) o resto da equipa. Depois, foi a estrondosa declaração sobre a avaliação do desempenho do Governo de que faz parte. Seguiu-se a insinuação de que poderia sair do Governo, por estar disponível para ser o candidato da esquerda às presidenciais. Agora, um conjunto de declarações, oscilando entre uma noção equívoca sobre a liberdade, a consciência religiosa, a construção europeia e um certo terceiro-mundismo, mais evidente nas palavras proferidas em Évora.

3. Perante este estado de coisas, o Primeiro-Ministro nada diz, permitindo que todas as leituras sejam possíveis. Concordará ele com o número três do seu Governo? Subscreve o Primeiro-Ministro a tese de que o estado actual do mundo resulta do comportamento do Ocidente e, dentro dos países ocidentais, do comportamento dos EUA? A liberdade de imprensa deve ser entendida como a define Freitas do Amaral? Os nossos aliados, afinal quem são?

A frase de Freitas do Amaral reconduz a política externa portuguesa para uma postura de desalinhamento com os nossos aliados tradicionais na Europa e com os EUA, recuperando um discurso que não estranharíamos ver proferido por Francisco Louça ou por Garcia Pereira.

A dúvida que nos resta é de saber se as palavras de Freitas do Amaral consubstanciam uma nova linha de actuação da política externa portuguesa ou se, pelo contrário, entram na categoria das "declarações infelizes", prenuncia de que o MNE português faz parte da lista dos Ministros remodeláveis a curto prazo?

4. A crise dos cartoons não é um simples incidente nem uma questão menor, de potencial conflito entre liberdade de imprensa e de respeito pelos símbolos religiosos. Pela intensidade social que a coberto dela se repercutiu um pouco por todo o mundo, pelos sinais expressos ou latentes de conflito com países como o Irão, os cartoons e o que deles resulta vai dominar a agenda política dos países ocidentais nos próximos tempos. Na Europa e no outro lado do Atlântico.

O nosso olhar sobre o problema não pode ignorar a emergência deste novo conflito difuso num mundo marcado pelo 11 de Setembro.

O conflito não ocorre longe da nossa porta. Nesta matéria, como noutras, a Europa não fica depois dos Pirinéus.

1.2.06

A OPOSIÇÃO E O SEU CONTRÁRIO



1. A exclamação do Presidente do Governo Regional de que "esta oposição não presta" referindo-se ao PSD, no calor dum debate parlamentar na Assembleia Legislativa e a que alguma comunicação social deu um inusitado destaque, deve ser entendida num contexto político muito preciso, interessando recordar que o mesmo Carlos César, no seu primeiro mandato – em minoria parlamentar – disse numa célebre entrevista ao Expresso que o "PSD é um partido fora do sistema".

O PS de Carlos César revela que convive mal com o debate e com o confronto político que é o sal da vida democrática. No parlamento e fora dele, há um certo solipsismo socialista que tem várias manifestações: no último congresso socialista, com a pulsão de controlar sectores importantes da sociedade, das instituições ou outros poderes revelada nas entrelinhas da moção do líder socialista; na indiferença pelo parlamento ao qual não são prestadas as informações necessárias para o exercício do contraditório, bastando para confirmar esta premissa, um simples confronto entre o teor de diversos requerimentos de Deputados da oposição e as respostas do Governo ou a demora na obtenção da informação solicitada ou ainda o facto do Governo escolher – por exemplo – divulgar dados da acção governativa fora do parlamento, como sucedeu esta semana com os números previsionais da conta de 2005 que ainda não são do conhecimento do Parlamento.

2. A frase de Carlos César é sintomática dum certo enfado da maioria pelo combate político. O PS gostaria de poder moldar a oposição ao seu estilo de governação: acomodada e conformada. Quando diz que a "oposição não presta", o Presidente do Governo afinal quer dizer que gostaria de ter uma oposição que pudesse controlar, esquecendo que, quem determina o calendário e o modo de actuação da oposição é ela própria.

Carlos César percebeu já que o estilo de oposição do PSD mudou, ultrapassado que está um longo ciclo eleitoral com eleições europeias, regionais e autárquicas e a crise de liderança do PSD.

Com a acuidade política que se lhe reconhece, Carlos César percebeu que o PSD se prepara para ser uma oposição muito incómoda ao seu Governo e à maioria que o suporta, pois esta é a natureza duma oposição que pretende chegar ao poder em 2008.

3. A semana parlamentar que passou é ilustrativa duma atitude da oposição que desagrada ao Presidente do Governo Regional.

O debate sobre a dívida pública, a propósito da conta da Região relativa ao ano de 2003, levou mesmo o Presidente do Governo a desautorizar o seu Vice-Presidente e admitir que afinal a dívida pública regional é aquela que o PSD revelou: a dívida directa da Região e toda a dívida que resulta dos milhões de avales concedidos a empresas públicas regionais que se fossem privadas estariam tecnicamente falidas.

O voto de protesto que o PSD apresentou – e que pode ser consultado no portal da Assembleia Legislativa,
– criticando o Governo da República por ter desaplicado a Lei das Finanças das Regiões Regionais pela primeira vez, retirando à Região cerca de 11 milhões de euros, foi chumbado pela maioria socialista com uma argumentação pobre e titubeante, mostrando que, quando tem de escolher entre a defesa da Autonomia ou a solidariedade partidária, este PS dos Açores escolhe sempre Lisboa.

O desacerto político do PS foi ao ponto de se ter abstido num voto de saudação ao Presidente da República eleito apresentado pelo PSD, para votar favoravelmente um voto idêntico subscrito pela bancada socialista, que os sociais-democratas votaram favoravelmente.

A oposição que "não presta" é - contas feitas - uma oposição que não dá jeito ao Governo ter.

4. Quando alguns, de modo apressado criticam a oposição esquecem que, nos Açores – por uma estranha conjugação de factores – é oposição é muito mais invisível do quem Lisboa. O facto do PS ter chumbado o voto de protesto ao Governo de Lisboa passou quase despercebido à opinião pública açoriana, quando o sentido do voto socialista é politicamente relevante, merecendo destaque.

A luta da oposição social-democrata, faz-se, em primeiro lugar contra o seu adversário político no poder regional e, depois, contra a invisibilidade a que a actuação da oposição está votada nos Açores, num evidente sinal de falta de qualidade da democracia.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL

24.1.06

UM NOVO PRESDIENTE PARA PORTUGAL

Depois das presidenciais e da vitória de Cavaco Silva, o quadro institucional estabiliza-se, inaugurando-se um longo período sem eleições. Presidente novo, vida nova. Para ler, como sempre, aqui ao lado, no anjo mudo.

UM NOVO PRESIDENTE PARA PORTUGAL

1. A eleição do Prof. Cavaco Silva à primeira volta, nas eleições do passado Domingo, confirmou que os portugueses desejavam uma escolha segura para a presidência da república. Ao contrário de muitos outros que olham para o resultado eleitoral como uma vitória "à tangente", entendo que Cavaco Silva obteve uma grande vitória por duas razões essências: em primeiro lugar, consegue ser eleito à primeira volta numa disputa eleitoral entre seis candidatos, que tende – por definição – a pulverizar o espectro eleitoral; em segundo lugar, porque a campanha eleitoral demonstrou que houve uma bipolarização imperfeita. Ao contrário do que o Dr. Soares poderia ter ambicionado como estratégia para a sua campanha, a bipolarização não aconteceu entre ele e o agora Presidente eleito, mas sim entre este e os restantes cinco candidatos. Esta bipolarização de postura e de discurso – todos contra um – contribui para sedimentar a linha estratégica da campanha de Cavaco Silva: afirmação política, sem entrar em conflito com outros candidatos.

A vitória de Cavaco Silva é uma vitória politicamente folgada e numericamente indiscutível. Cavaco Silva ganhou e ganhou bem, um combate difícil e de desfecho incerto quanto à possibilidade de existência duma segunda volta.

2. A desvalorização da vitória que alguns despeitadamente ensaiam só é compreensível no curioso cenário em que estas eleições decorreram, com a esquerda fragmentada, devorada por contradições internas e com a presença de dois líderes partidários – Francisco Louça e Jerónimo de Sousa – que as aproveitaram apenas para consolidarem as suas próprias lideranças. Mesmo perante este quadro, não se pode dizer que foi a esquerda que perdeu as eleições. Foi Cavaco Silva que as ganhou, num preciso contexto político e eleitoral, não passando dum mero exercício académico a conjectura quanto ao que "aconteceria se…".

3. Com um discurso rigoroso, ideologicamente colocado ao centro, de modo a cobrir todo o espectro eleitoral, Cavaco Silva valorizou aos olhos do eleitorado a sua própria personalidade e a sua atitude perante os problemas do país. Do meu ponto de vista, a interpretação de que Cavaco Silva é um candidato do centro-direita é mais um dos equívocos em que estas eleições foram fertéis.

Na estratégia da campanha, "Portugal maior" não é apenas uma slogan eleitoral, antes representado o sinal público duma atitude: inconformismo, luta contra um certo estado de coisa, vontade de vencer o desânimo que atravessa a sociedade portuguesa.

A história constitucional democrática de Portuguesa já nos ensinou que os diversos Presidentes da República têm interpretações diferentes sobre os poderes presidenciais, de geometria variável, até consoante o tempo de decurso dos respectivos mandatos. Creio que Cavaco Silva não será, nesta matéria, diferente dos seus antecessores. Interpretará os poderes presidenciais de modo próprio, dentro do quadro do actual constitucional, sem se quedar pelo papel de presidente-monarca e sem se deixar seduzir por uma matriz mais presidencialista, até porque o próprio viveu a experiência um Primeiro-Ministro que tem de conviver com um Presidente da República que é tudo menos moderador, como lhe sucedeu no segundo mandato de Mário Soares.

Não teremos um Presidente árbitro, nem um Presidente jogador do jogo. Mas, teremos, por certo, um Presidente da República mais interventor na vida política nacional, sem que tal papel coloque em causa a legitimidade do Governo e da actual maioria parlamentar.

O discurso de vitória de Cavaco Silva na noite de Domingo assinala isso mesmo: anunciando a dissolução da maioria eleitoral, o Presidente eleito não deixou de dizer que ouvirá as pessoas, que estará atento ao país, dizendo mesmo que exercerá "o mandato com o empenhamento total no desenvolvimento do nosso País, no respeito pelos poderes constitucionais do Presidente da República. Desenvolvimento que, para mim só é económico para ser social."

4. No plano dos Açores e da Madeira, o novo Presidente da Repúblicas terá responsabilidades acrescidas como garante das autonomias, após a extinção da figura de Ministro da República, o que sucederá no dia 9 de Março, com a tomada de posse do novo inquilino do Palácio de Belém. A extinção do Ministro da República e a eliminação do papel de representante do Estado, são factores que tendem a fortalecer – do ponto de vista conceptual – a ligação entre as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira ao Presidente da República.

Os próximos tempos darão indicações preciosas sobre o novo papel que a Constituição reserva ao Presidente da República quanto às autonomias dos Açores e da Madeira.

18.1.06

A QUATRO DIAS DO FIM


1. Para prevenir os mais distraídos, convirá sempre acrescentar que este fim é o da campanha eleitoral e não outro qualquer. No dia 22, o país saberá se já tem um novo Presidente da República ou se deveremos esperar por uma segunda volta. Posso estar enganado, mas o meu palpite – e trata-se apenas dum palpite – é de que Cavaco Silva será o Presidente da República eleito já a partir do próximo Domingo, com Manuel Alegre a obter um honroso segundo lugar.

2. Ao longo da pré-campanha e da própria campanha, assinalou-se repetidamente o carácter atípico desta disputa eleitoral: dois líderes partidários, na área da esquerda a tentarem consolidar as suas próprias lideranças e o espaço político de cada um dos seus partidos; um ex-Presidente da República a candidatar-se em nome do seu próprio passado; um distinto militante socialista que, ousadamente, parte ao meio o eleitorado do seu partido, desafia o líder partidário que algum tempo antes tinha enfrentado nas primárias domésticas e –mercê das circunstâncias – fica à margem duma longa amizade com Mário Soares; um ex-Primeiro-Ministro, repetente em eleições presidenciais, que as sondagens indicam ser o preferido do eleitorado e se torna o alvo preferido de todos os outros, desencadeando um inusitada sucessão de ataques políticos.

Este melting pot fez esquecer os temas típicos duma campanha eleitoral centrada na função presidencial: o papel do Presidente da República num sistema semi-presidencial como o nosso, em especial nos domínios da defesa, das relações internacionais e com a União Europeia. Muitas vezes, os debates foram um back to the past, inglório e desinteressante.

Cavaco Silva foi o candidato central da campanha, em volta do qual se posicionaram todas as outras candidaturas, incluindo a de Mário Soares que, nesta campanha, foi uma sombra de si próprio.

3. A entrada de membros do Governo na campanha eleitoral suscita uma observação cuidada, não que se questione a sua intervenção pública em favor de Mário Soares – longe disso, até – mas o modo com o que o fizeram. Ao contrário de José Sócrates – que depois de ter estado em "espírito" foi ao Porto apoiar o seu candidato - Santos Silva e Mário Lino não perceberam que a manifestação de apoio a uma candidatura por parte de quem é Ministro não pode, nem deve ultrapassar certos limites, porque Domingo o visado pode ser Presidente da República. Dizer, como disse, Santos Silva, que a candidatura de Cavaco Silva representa um "golpe de estado constitucional" é um absurdo político.

Amanhã, depois das eleições, o dever de lealdade e respeito institucional entre o Governo e o Presidente da República não obriga apenas o Primeiro-Ministro, sendo extensivo a todos os membros do Governo. Terão em Ministro em campanha percebido isso?

4. Esta campanha desmistificou – penso que de vez – a importância atribuída aos debates eleitorais entre os candidatos. O problema não esteve na fórmula adoptada ou nas regras que as candidaturas discutiram com as televisões para a sua realização. Os debates são o que são! Valem o que valem: isto é, valem muito pouco. A vida política portuguesa já o demonstrou. Os vitoriosos em debates também perdem eleições e os derrotados nestes confrontos também as ganham. A mitologia à volta dos debates terá acabado nesta campanha eleitoral.

5. O Diário de Notícias lançou uma tracking poll feita pela Marktest. Desde o início da campanha, este jornal publica uma sondagem diária, com uma renovação parcial – e não total, ao contrário do que estamos mais habituados – da amostra. As sondagens eleitorais, pela mão do DN ganham uma nova dimensão na leitura e interpretação das campanhas eleitorais, enquanto instrumentos de avaliação dos comportamentos eleitorais. Posso estar enganado, mas depois da experiência do DN/Marketest nada ficará como dantes nas relações entre os jornais, as empresas de sondagens e o público leitor/eleitor.

6. A possibilidade de Cavaco Silva ganhar as eleições na primeira volta constitui – ela própria – um elemento novo no quadro político nacional, deixando a nú o estado de espírito dos eleitores portugueses.

A concretizar-se esta vitória, ela vem provar que o sistema político português, apesar das suas imperfeições, contém o código genético necessário para permitir que um candidato desejado pelo povo possa vencer à primeira.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL

11.1.06

A UNIVERSIDADE, O ATLÂNTICO E NÓS


1. No ano em que os Açores e a Madeira celebram o trigésimo aniversário da consagração constitucional da Autonomia político-administrativa como a solução atlântica, europeia e insular para o auto-governo dos arquipélagos regionais, no quadro da unidade do Estado (o único limite à evolução das autonomias, que nunca é demais evidenciar), celebramos – por uma coincidência feliz – os primeiros trinta anos da nossa Universidade.

Em 9 de Janeiro de 1976, o Decreto-Lei nº 5/76, do Governo de Pinheiro de Azevedo, cria o então Instituto Universitário dos Açores, "que tem por fim promover no arquipélago o ensino de nível superior, a investigação científica e tarefas de extensão cultural e de prestação de serviços à comunidade", enunciando-se como pressuposto da sua criação o facto do "carácter de insularidade da região" implicar "soluções particulares que o ajustem às realidades geográficas, económicas e sociais do arquipélago".

Ainda antes da definição dos órgãos de governo próprio da Região, das primeiras eleições para o parlamento regional, a Universidade dos Açores nasce como precursora do próprio processo autonómico, antecipando uma das características matriciais da suja génese: o carácter aberto, inovador e universalista que os Constituintes desenharam para o auto-governo das ilhas.

2. Ao longo destes trinta anos, a Autonomia dos Açores evoluiu, cresceu e consolidou-se. Não serei exagerado se disser que o mesmo sucedeu com a Universidade.

A Autonomia enquanto solução de livre governo dos "Açores pelos Açorianos" e a Universidade enquanto expressão do livre pensamento, da livre investigação, de espaço e símbolo de cultura e de afirmação de identidade dum povo, são duas faces da mesma moeda: a da novidade que o processo autonómico de segunda geração trouxe ao Portugal democrático e aos Açores saídos da Revolução de 74.

Seria impossível conceber os Açores sem a Universidade, sem os seus estudantes, os seus doutores e investigadores, sem a produção intelectual, a investigação científica e os recursos humanos que, de modo quase imperceptível, ajudaram a construir os Açores modernos.

Os Açores sem a Universidade não seriam o que são hoje! Por isso mesmo lhe chamei "a nossa Universidade". Sem perder de vista o carácter universal do saber, a universalidade que o seu corpo docente e discente bem espelham, sem pretender reduzi-la a uma dimensão estreita de universidade regional, a Universidade dos Açores é uma universidade geograficamente situada, sem que geografia possa significar insulação do pensamento ou uma fatalidade limitadora da acção ou da capacidade de inovação.

3. O feliz acaso da tripolaridade, nascida da geografia e imposta pelas circunstâncias, acabou por diferenciar geneticamente a Universidade dos Açores de todas as outras, o que nem sempre o poder político soube compreender. As características desta nova universidade nunca foram bem compreendidas, nem pelo poder central, nem pelo poder regional, confundindo-se as coisas na velha querela da dupla tutela.

A dupla tutela é uma das mais estéreis discussões a propósito da Universidade dos Açores. Se é uma universidade, como todas as outras, inserida nos sistema de ensino superior em Portugal, sujeita à disciplina legal deste ramo de ensino, então a sua tutela tem de competir à República que, nessa medida deve assumir as suas responsabilidades para com esta Universidade, como o faz em relação a todas as outras, a começar pela responsabilidade quanto ao seu financiamento. Porém, as especiais características duma Universidade insular e tripolar – e não apenas tripolar – impõem ao Estado uma especial obrigação quanto ao seu financiamento. Isto é, a Universidade dos Açores não pode ser estrangulada financeiramente pelo Estado, castigada pela sua insularidade tripolar.

Por seu lado, a Região não pode fingir não ter uma Universidade no seu território e que essa Universidade é uma pedra essencial na sua estratégia de desenvolvimento.

Apoiar a Universidade, torná-la parceira do desenvolvimento, não se basta apenas, como candidamente o Governo Regional afirma, com a compra de serviços, com o consequente pagamento que os nossos governantes confundem com financiamento.

Apostar na Universidade é definir com ela uma parceria para o desenvolvimento e para a inovação tecnológica, que possa colocar os Açores na vanguarda da investigação científica. A distância que a geografia nos impõe, não é uma barreira ao desenvolvimento tecnológico ou à investigação científica de ponta. O sonho duns "Açores Valley" de natureza tecnológica não é uma impossibilidade!

Precisamos apenas de decisores políticos com visão e com vontade!

Parabéns à nossa Universidade.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL

4.1.06

OS EQUÍVOCOS DE MÁRIO SOARES


A candidatura do Dr. Mário Soares é um equívoco e uma fonte de equívocos.

O Dr. Mário Soares, mesmo sendo um ex-Presidente da República, tem todo o direito de se apresentar a estas eleições presidenciais. Tem percurso político, vontade, idade e estatuto pessoal para ser candidato presidencial. Na sua candidatura não me incomoda o facto de ter oitenta anos ou, sequer, a circunstância – muito ao seu estilo – de assumir que apenas fará um mandato no caso de conseguir a eleição. A polémica em torno da sua condição pessoal para ser candidato, não me interessa particularmente: é supérflua e não conduz a lado nenhum.

Interessa-me interpretar o contexto da candidatura, as motivações do candidato, as propostas que apresenta e a sua postura na contenda, à luz dum longo olhar sobre o seu desempenho no cargo que agora pretende voltar a ocupar. Já o disse uma vez, mas volto a assinalar este facto: enquanto em relação a todos os outros candidatos, o julgamento sobre o desempenho do cargo é apenas de prognose, em relação ao Dr. Soares, ele é bem mais exigente, pois assenta na apreciação dos seus dois mandatos presidenciais. Ao contrário, dos seus adversários, Mário Soares já foi Presidente da República e isso, no actual contexto e com a estratégia de campanha que adoptou, não é uma vantagem para ele.

O Dr. Soares tem-se revelado um candidato contraditório. Num primeiro momento, sobre a possibilidade de avançar com uma candidatura. Que seria "uma loucura", que "bastava de política". Avançou mesmo com o seu apoio a António Guterres ou a António Vitorino. Após mudar de opinião, o Dr. Soares justifica ao país a sua opção com uma "mudança de circunstâncias": fala vagamente dos perigos da globalização, do papel dos EUA, da crise do país, das dificuldades das finanças públicas e, sobretudo "do Cavaco" como ele gosta de designar o seu mais forte oponente.

Nenhuma razão consistente ou substancial. As mesmas razões poderiam servir para justificar tantas outras opções tomadas na vida política. Depois de impor a sua candidatura ao interior do PS, abrindo com ela feridas que levarão tempo a cicatrizar, o Dr. Soares parte convencido de que o combate entre a esquerda e a direita é o suficiente para lhe garantir uma vitória nestas eleições, reeditando a disputa presidencial com Freitas do Amaral. Ainda ontem, em entrevista à TSF, disse isso mesmo: o candidato acredita que na hora do voto os portugueses se lembrarão dele como referência da esquerda. A sua estratégia de campanha reflecte esta premissa: não hostiliza nenhum candidato à esquerda, alimentado o sonho de fazer o pleno à esquerda.

Nas razões apresentadas para a sua candidatura, há uma que merece uma observação mais detalhada: a de combater a candidatura de Cavaco Silva. Implicitamente, Mário Soares confirma a sensação geral e o que as sondagens persistem em dizer: o Prof. Cavaco Silva leva uma enorme vantagem sobre todos os outros candidatos. Nem o facto de Mário Soares estar na "brecha" (a expressão é dele mesmo) perturba a consolidação eleitoral de Cavaco Silva. Mais do que tudo o resto, este facto deve perturbar Mário Soares. No universo soarista, estas eleições são o combate que o Dr. Soares sonhou travar, com o homem que partilha com ele um lugar de destaque na política portuguesa do século XX. Nunca se enfrentaram directamente e, na primeira vez em que isso acontece, a história – sempre traiçoeira – parece colocar Mário Soares num papel menor. Apenas isto pode justificar uma estratégia de campanha absurda: atacar Cavaco Silva sem quartel, como o debate entre os dois bem demonstrou.

Na entrevista de ontem à TSF, Mário Soares chegou mesmo a dizer que alguns grupos de comunicação social estavam "combinados" para apoiar a candidatura de Cavaco Silva.

Com receio de não conseguir vencer as primárias da esquerda, num cenário de segunda volta eleitoral, Mário Soares faz da sua campanha um exercício penoso: ataca a comunicação social, pede debates, sugerindo eventuais recusas dos seus adversários, desvaloriza o cargo a que concorre, na ânsia de "disparar" sobre os adversários, mistifica o seu próprio desempenho enquanto Presidente da República, com o intuito de reforçar a concepção que concebeu para si próprio: a do Presidente moderador, radicaliza o discurso e o tom, numa postura mais de Garcia Pereira do dele próprio.

Em Portugal não há políticos retirados. Apenas políticos derrotados. Mário Soares arrisca-se a cumprir esta profecia, com uma candidatura fora de tempo e contra o tempo.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 4 DE JANEIRO DE 2006, DO AÇORIANO ORIENTAL

ANO NOVO, CARA NOVA

O anjo mudo estreia um novo visual para 2006. Simples, escorreito, de fácil leitura. Como as palavras que aqui são colocadas. Para ler devagar ou a correr, que o rush do tempo não dá tréguas. Simplesmente para ler, como quiserem.