27.2.06

LIBERDADE DE IMPRENSA E PUBLICIDADE

O Grupo Parlamentar do PSD deu entrada na Assembleia Legislativa de um projecto de Decreto Legislativo Regional que estabelece as regras aplicáveis à distribuição das acções informativas e de publicidade da iniciativa do Governo Regional, dos institutos públicos, das autarquias locais e das empresas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos pela imprensa regional.

As mudanças na sociedade moderna operaram, também, uma mudança nas relações entre a comunicação social e os poderes fácticos.

A comunicação social está mais presente no nosso quotidiano. Nas suas diversas formas, das tradicionais às mais recentes, utilizando os meios digitais, o "quarto poder" construiu com os cidadãos uma nova relação: todos somos consumidores globais de informação à escala planetária.

De espaço de informação a produto económico, de meio de participação a instrumento de conhecimento, consoante a perspectiva de análise, os media desempenham um papel essencial em democracia.

Uma parte do controle democrático sobre as instituições públicas e o escrutínio dos outros poderes, a começar pelo poder político, é feito pelos órgãos de comunicação social.

Em sociedades pequenas, em que os órgãos de comunicação social têm estruturas empresariais frágeis, em que as tiragens ou a expressão financeira da publicidade é pequena e os poderes públicos têm um peso acentuado na vida económica - como sucede nos Açores - torna-se imperioso garantir que as relações entre as entidades públicas e os órgãos de comunicação social quanto à colocação de publicidade institucional, estejam sujeitas aos princípios da igualdade, equidade e transparência.

A transparência decorre do conceito de "administração aberta", segundo o qual os cidadãos devem ter a possibilidade de consultar os actos da Administração Pública.

A colocação de acções informativas e de publicidade por parte do Governo Regional, autarquias locais, institutos públicos e sociedades anónimas de capitais públicos não pode ser uma zona opaca das relações entre os poderes públicos e a comunicação social.

Sem um regime legal próprio, a colocação de publicidade nos órgãos de comunicação social presta-se a dúvidas e suspeições várias, que inúmeras "coincidências", repetidamente verificadas, alimentam.

O princípio da igualdade de tratamento entre órgãos de comunicação social, não significa igualitarismo, antes remetendo – como o próprio conceito jurídico compreende – o tratamento igual do que é igual e o tratamento diferenciado do que é diferente.

O princípio da igualdade assegura que todos os órgãos de comunicação social podem esperar um tratamento isento das entidades públicas.

O princípio da equidade tem a ver com a justiça, com fairness, na repartição dos recursos públicos, pelos diferentes órgãos de comunicação social, segundo a sua dimensão.

A avaliação da qualidade dum regime democrático também se mede pela expressão da liberdade da sua imprensa.

Por isso mesmo, entre nós, a Constituição não se limita a garantir o direito à liberdade de imprensa, no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, mas impõe ao Estado o dever de assegurar essa liberdade e a "independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e económico" (artigo 38º, nº 4). O legislador constituinte pressentiu - e bem – que, tanto o poder político como o económico, pela sua própria natureza, representam as maiores ameaças para a liberdade de imprensa.

A imposição assim feita ao Estado tem uma dupla vertente: o Estado, por um lado, deve assegurar, por meio de legislação adequada a independência dos órgãos de comunicação social e, por outro, abster-se de acções ou medidas que ponham em crise a independência dos media ou afrontem a liberdade de imprensa.

A conjugação destes princípios no plano legislativo, como o PSD propõe, visa obter uma solução que assegure critérios objectivos, antecipadamente conhecidos de todos.

A ausência de regras próprias neste domínio tem permitido todas as dúvidas, alimentado suspeitas de distribuição discricionária de acções informativas e de publicidade, que ora favorecem uns, ora outros, prejudicando alguns, numa lógica pendular que deixa um rasto que não abona em favor da liberdade da imprensa e dos órgãos de comunicação social.

Há que afastar suspeitas de que os dinheiros públicos não são usados com isenção e imparcialidade.

Há que afastar suspeitas sobre a influência que a distribuição discricionária de acções informativas e de publicidade possa ter sobre a liberdade de informação.

Num momento em que o Governo Regional, em nome da reforma dos apoios públicos aos media regionais, impõe a lei do garrote financeiro aos órgãos de comunicação social, o projecto do PSD adquire um significado maior, em nome da liberdade de imprensa.

Com esta iniciativa, o PSD lança um debate necessário para a qualidade da democracia nos Açores.

Sem a arrogância que tantos outros gostam de exibir nos debates neste Parlamento e atrás da qual escondem a fragilidade das suas posições, o PSD declara a sua disponibilidade para aceitar todos os contributos que tenham por objecto melhorar a iniciativa legislativa apresentada.

A independência dos órgãos de comunicação merece a atenção deste parlamento porque, como escreveu o poeta John Milton, no século XVII, numa carta dirigida ao parlamento inglês, a "liberdade é uma boa e velha causa".
INTERVENÇÃO NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, EM 23 DE FEVEREIRO DE 2006

22.2.06

OS SOLAVANCOS DA COESÃO


O anúncio feito pelo Secretário Regional da Economia da criação da sociedade "Ilhas de Valor", de capitais exclusivamente públicos, com a exclusão das ilhas de S. Jorge e Corvo do âmbito do seu apoio em 2006 e com a inclusão do apoio a um projecto na Terceira, veio revelar que a estratégia do Governo quanto às políticas de desenvolvimento integral das várias ilhas dos Açores vai flutuando ao sabor das conveniências políticas de cada momento.

Até hoje o Governo Regional nunca explicou, nem à Assembleia Legislativa, nem aos investidores, nem aos cidadãos em geral, qual é a sua estratégia para promover o desenvolvimento das parcelas mais atrasadas da nossa Região, nem como concluiu que as ilhas da designada “coesão” são apenas aquelas cinco, cuja integração no grupo ocorreu de modo discricionário.

As voltas que a coesão do Governo Regional tem dado, agora alicerçada no novo chavão das "ilhas de valor", apenas significa que o Governo pratica uma política de desenvolvimento casuística, acertada com os calendários eleitorais, na qual mistura os velhos incentivos, sob novas roupagens.

As declarações do Secretário da Economia revelam mais do que escondem: o Governo Regional continua a demonstrar uma opulência financeira que as circunstâncias e o orçamento regional não permitem.

A nova sociedade agora criada (cujos accionistas são a Região, Fundo de Coesão, a SATA e a Atlânticoline) é um truque contabilístico e orçamental que permite ao Governo fugir ao controle prévio do Tribunal de Contas e escapar às restrições orçamentais. Porém, a factura será sempre paga com o dinheiro dos nossos impostos. Hoje ou amanhã!

A coesão do Prof. Duarte Ponte é, afinal, um emblema na lapela política do Governo.

17.2.06

CONTRADIÇÕES E EQUÍVOCOS


1. Depois da posição pública tomada no dia 7, o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (o número 3 na hierarquia do Governo), na Universidade de Évora, na cerimónia de doutoramento honoris causa a Aga Khan, no passado dia, voltou a proferir uma extraordinária declaração sobre o caso dos cartoons. Na ocasião, o chefe da diplomacia portuguesa, afirmou caber ao Ocidente tomar a iniciativa de tentar apaziguar os ânimos, pois tem sido ele, historicamente o "agressor" do Oriente. Textualmente, Freitas do Amaral disse o seguinte: "O maior agressor temos sido nós. Para já não falar das Cruzadas, que vão longe mas que estão presentes como alguma coisa que se passou anteontem, para já não falar na colonização de África e de vários povos islâmicos e asiáticos, para já não falar da política de canhoneira seguida pela Inglaterra em relação a esses países, veja o que foi a estratégia seguida pela maior potência mundial no mundo árabe neste momento.". O MNE profere estas palavras no mesmo dia em que o Primeiro-Ministro faz uma declaração, clarificando a sua posição sobre a questão, que ela própria, desautoriza o comunicado do seu Ministro, de 7 de Fevereiro.

Ambas as posições são inexplicáveis e fazem a diplomacia portuguesa resvalar para fora daquelas que são as suas grandes opções – predominantemente pacíficas – quanto à condução da política externa portuguesa.

2. As sucessivas posições que Freitas do Amaral tomou (com os seus posteriores esclarecimentos e piedosas tentativas de explicação) revelam um Ministro desajustado no seu papel e incapaz de compreender que, desde o início deste Governo a sua posição estava sob um particular escrutínio – da opinião pública e dos seus pares.

No princípio – ainda antes de ser nomeado Ministro – foi a augusta declaração ao Expresso, de acordo com as entrelinhas da qual apenas teria aceite ir para o Governo depois de conhecer (e de avaliar, presume-se) o resto da equipa. Depois, foi a estrondosa declaração sobre a avaliação do desempenho do Governo de que faz parte. Seguiu-se a insinuação de que poderia sair do Governo, por estar disponível para ser o candidato da esquerda às presidenciais. Agora, um conjunto de declarações, oscilando entre uma noção equívoca sobre a liberdade, a consciência religiosa, a construção europeia e um certo terceiro-mundismo, mais evidente nas palavras proferidas em Évora.

3. Perante este estado de coisas, o Primeiro-Ministro nada diz, permitindo que todas as leituras sejam possíveis. Concordará ele com o número três do seu Governo? Subscreve o Primeiro-Ministro a tese de que o estado actual do mundo resulta do comportamento do Ocidente e, dentro dos países ocidentais, do comportamento dos EUA? A liberdade de imprensa deve ser entendida como a define Freitas do Amaral? Os nossos aliados, afinal quem são?

A frase de Freitas do Amaral reconduz a política externa portuguesa para uma postura de desalinhamento com os nossos aliados tradicionais na Europa e com os EUA, recuperando um discurso que não estranharíamos ver proferido por Francisco Louça ou por Garcia Pereira.

A dúvida que nos resta é de saber se as palavras de Freitas do Amaral consubstanciam uma nova linha de actuação da política externa portuguesa ou se, pelo contrário, entram na categoria das "declarações infelizes", prenuncia de que o MNE português faz parte da lista dos Ministros remodeláveis a curto prazo?

4. A crise dos cartoons não é um simples incidente nem uma questão menor, de potencial conflito entre liberdade de imprensa e de respeito pelos símbolos religiosos. Pela intensidade social que a coberto dela se repercutiu um pouco por todo o mundo, pelos sinais expressos ou latentes de conflito com países como o Irão, os cartoons e o que deles resulta vai dominar a agenda política dos países ocidentais nos próximos tempos. Na Europa e no outro lado do Atlântico.

O nosso olhar sobre o problema não pode ignorar a emergência deste novo conflito difuso num mundo marcado pelo 11 de Setembro.

O conflito não ocorre longe da nossa porta. Nesta matéria, como noutras, a Europa não fica depois dos Pirinéus.

1.2.06

A OPOSIÇÃO E O SEU CONTRÁRIO



1. A exclamação do Presidente do Governo Regional de que "esta oposição não presta" referindo-se ao PSD, no calor dum debate parlamentar na Assembleia Legislativa e a que alguma comunicação social deu um inusitado destaque, deve ser entendida num contexto político muito preciso, interessando recordar que o mesmo Carlos César, no seu primeiro mandato – em minoria parlamentar – disse numa célebre entrevista ao Expresso que o "PSD é um partido fora do sistema".

O PS de Carlos César revela que convive mal com o debate e com o confronto político que é o sal da vida democrática. No parlamento e fora dele, há um certo solipsismo socialista que tem várias manifestações: no último congresso socialista, com a pulsão de controlar sectores importantes da sociedade, das instituições ou outros poderes revelada nas entrelinhas da moção do líder socialista; na indiferença pelo parlamento ao qual não são prestadas as informações necessárias para o exercício do contraditório, bastando para confirmar esta premissa, um simples confronto entre o teor de diversos requerimentos de Deputados da oposição e as respostas do Governo ou a demora na obtenção da informação solicitada ou ainda o facto do Governo escolher – por exemplo – divulgar dados da acção governativa fora do parlamento, como sucedeu esta semana com os números previsionais da conta de 2005 que ainda não são do conhecimento do Parlamento.

2. A frase de Carlos César é sintomática dum certo enfado da maioria pelo combate político. O PS gostaria de poder moldar a oposição ao seu estilo de governação: acomodada e conformada. Quando diz que a "oposição não presta", o Presidente do Governo afinal quer dizer que gostaria de ter uma oposição que pudesse controlar, esquecendo que, quem determina o calendário e o modo de actuação da oposição é ela própria.

Carlos César percebeu já que o estilo de oposição do PSD mudou, ultrapassado que está um longo ciclo eleitoral com eleições europeias, regionais e autárquicas e a crise de liderança do PSD.

Com a acuidade política que se lhe reconhece, Carlos César percebeu que o PSD se prepara para ser uma oposição muito incómoda ao seu Governo e à maioria que o suporta, pois esta é a natureza duma oposição que pretende chegar ao poder em 2008.

3. A semana parlamentar que passou é ilustrativa duma atitude da oposição que desagrada ao Presidente do Governo Regional.

O debate sobre a dívida pública, a propósito da conta da Região relativa ao ano de 2003, levou mesmo o Presidente do Governo a desautorizar o seu Vice-Presidente e admitir que afinal a dívida pública regional é aquela que o PSD revelou: a dívida directa da Região e toda a dívida que resulta dos milhões de avales concedidos a empresas públicas regionais que se fossem privadas estariam tecnicamente falidas.

O voto de protesto que o PSD apresentou – e que pode ser consultado no portal da Assembleia Legislativa,
– criticando o Governo da República por ter desaplicado a Lei das Finanças das Regiões Regionais pela primeira vez, retirando à Região cerca de 11 milhões de euros, foi chumbado pela maioria socialista com uma argumentação pobre e titubeante, mostrando que, quando tem de escolher entre a defesa da Autonomia ou a solidariedade partidária, este PS dos Açores escolhe sempre Lisboa.

O desacerto político do PS foi ao ponto de se ter abstido num voto de saudação ao Presidente da República eleito apresentado pelo PSD, para votar favoravelmente um voto idêntico subscrito pela bancada socialista, que os sociais-democratas votaram favoravelmente.

A oposição que "não presta" é - contas feitas - uma oposição que não dá jeito ao Governo ter.

4. Quando alguns, de modo apressado criticam a oposição esquecem que, nos Açores – por uma estranha conjugação de factores – é oposição é muito mais invisível do quem Lisboa. O facto do PS ter chumbado o voto de protesto ao Governo de Lisboa passou quase despercebido à opinião pública açoriana, quando o sentido do voto socialista é politicamente relevante, merecendo destaque.

A luta da oposição social-democrata, faz-se, em primeiro lugar contra o seu adversário político no poder regional e, depois, contra a invisibilidade a que a actuação da oposição está votada nos Açores, num evidente sinal de falta de qualidade da democracia.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL