17.12.08

A PENOSA MARCHA DO ESTATUTO

A discussão, sucessivos vetos presidenciais e votações na Assembleia Legislativa e na Assembleia da República transformaram o processo legislativo de aprovação do Estatuto Político-Administrativo dos Açores numa longa e penosa marcha e num pretexto para que velhas querelas sobre as autonomias dos Açores e da Madeira ressuscitassem politicamente.

O renitente e intransigente comportamento do PS quanto ao artigo 114º da proposta de Lei – agora apenas na redacção que o PS sufraga, bem distinta daquela que foi originariamente aprovada pela Assembleia Legislativa – acarreta um conjunto de perdas políticas para a autonomia.

Em primeiro lugar, toda a polémica em torno dos poderes regionais - a propósito dum aspecto lateral (a audição dos órgãos de governo próprio em causa de dissolução da Assembleia Legislativa) – inquina um debate saudável sobre uma futura revisão constitucional, no capítulo das autonomias, já em 2009.

Em segundo lugar, provocou um indesejável atraso na entrada em vigor do novo Estatuto, impedindo a Região de, com vantagem, explorar o novo domínio competencial conferido pela proposta de Lei.

Em terceiro lugar, é preciso sublinhar, que foi o comportamento e os votos do PS – ao contrário do que pretende fazer crer nesta recente polémica – que impuseram soluções que representam um retrocesso em relação às pretensões autonómicas dos Açores: a eliminação da expressão “povo açoriano”, a substituição do princípio da preferência do direito regional, para elencar apenas aquelas com maior carga simbólica e alcance jurídico.

O PS, equivocamente, transformou o artigo 114º num certificado de defesa da autonomia.

No momento em que escrevo, ainda não é conhecida a decisão do PSD nacional quanto ao sentido de voto na reapreciação do Estatuto. Espero que o PSD vote – em sede de votação final global – a confirmação do Estatuto, porque esta proposta de Lei traduz a justa ambição do Povo Açoriano a uma autonomia mais ampla, como solução de auto-governo para os Açores.

Se o PSD não votar a favor desta proposta, estará a renegar a sua própria história e o legado autonomista de Sá Carneiro, num comportamento que merece claro repúdio.
Publicado na edição de hoje do Açoriano Oriental

28.11.08

DECLARAÇÃO DE VOTO

Acompanhei o sentido de voto do meu Grupo Parlamentar na audição à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores sobre a Proposta de Lei nº 169/X – Aprovação da Terceira Revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, sublinhando, nesta declaração de voto, o privilégio de ter participado, como Deputado eleito pelo povo açoriano, nos frutuosos trabalhos das Comissões e Sub-Comissões Parlamentares que, nesta legislatura, prepararam a reforma do nosso Estatuto Político-Administrativo, que agora aguarda a votação final global na Assembleia da República.

O culminar deste processo confirma o acerto da opção política tomada quanto à revisão do Estatuto Político-Administrativo, sem esperar por uma futura e incerta revisão constitucional.

Os Açores dão, agora, um passo no aprofundamento da Autonomia, como solução de auto-governo, no actual quadro constitucional aberto pela revisão constitucional de 2004.

É assim que devemos olhar para este processo, com a grandeza que o serviço aos Açores e ao seu povo impõe e nunca com a estreiteza de horizontes de quem possa confundir uma parte com o todo ou as questões de intendência com as opções políticas substantivas.

O povo açoriano – sim, o povo açoriano, “este povo que nasceu do mar”, no verso feliz de João de Melo – pode confiar numa nova geração de políticos dos Açores que, com determinação, querem a autonomia ambiciosamente progressiva e não modestamente dinâmica.

Sem que alterações de especialidade ponham em causa um sentimento geral de aprovação da Proposta de Lei agora em audição, a verdade é que algumas das alterações aprovadas são pálidas soluções, no plano político e jurídico, revelando temores que julgava afastados, num tempo de maturidade autonómica.

Pela sua especial consequência futura, não posso deixar de assinalar a minha discordância em cinco aspectos, alguns dos quais mereceram o acordo do PSD.

No domínio da competência legislativa própria (artigo 36º), a formulação adoptada é manifestamente infeliz e não permite uma clara interpretação da extensão da competência legislativa própria da Região, ao impor como limite negativo as meterias que “não estejam constitucionalmente reservadas aos órgãos de soberania”. Na minha perspectiva, as matérias reservadas aos órgãos de soberania são apenas aquelas compreendidas na reserva legislativa da Assembleia da República (artigos 161º, 164 e 165º) e competência do Governo (artigo 198º, nº 2) da Constituição.

A formulação jurídica utilizada aqui, parece-me insuficiente para afastar a jurisprudência do Tribunal Constitucional – que, quanto às Regiões Autónomas, parece ignorar a letra e o sentido das sucessivas revisões constitucionais – que sempre fez uma interpretação extensiva do conceito de “matérias reservadas”, ampliando o seu âmbito até a matérias que, em nome do carácter unitário do Estado e dos laços de solidariedade entre os portugueses, exigiam a intervenção do legislador nacional.

Já após a revisão constitucional de 2004, o Acórdão 258/07, do Tribunal Constitucional, manteve a interpretação extensiva do conceito de “matérias reservadas”.

Se é verdade que esta interpretação extensiva não se harmoniza com o sentido geral da revisão constitucional de 2004 ou com a possibilidade das Assembleias Legislativas legislarem em matéria de reserva legislativa da Assembleia da República, mediante autorização desta, não é menos verdade que se perdeu uma oportunidade para a confirmação do sentido da revisão constitucional de 2004.

O princípio da preferência do Direito Regional, rejeitado pelo centralismo jacobino e arreigado, transformado em “supletividade da legislação nacional”, revela a modéstia da maioria que o impôs.

O exercício do poder legislativo pela Assembleia Legislativa goza de preferência sobre as normas supletivas editadas pelos órgãos de soberania.

A supletividade recortada nesta Proposta de Lei não pode ser interpretada como cláusula de atribuição de competências à Assembleia da República ou ao Governo, não autorizando a emissão de normas pelo Estado para vigorarem no território da Região, em matérias de exclusiva competência regional, enunciadas no Estatuto.

A formulação original do artigo 14º era juridicamente mais precisa e simbolicamente mais consentânea com a interpretação do processo autonómico conferida pelo povo açoriano.

Em vários artigos – como o votos do PS e do PSD - renasceram as expressões “interesses predominante regionais” (artigo 113º, nº 2), “especial incidência” (artigo 113º, nº 3), “implicações especiais” (artigo 118º, nº 2, aliena a)) que, conceptualmente recordam as declinações do conceito de interesse específico, eliminado pela revisão constitucional de 2004.

A Proposta de Lei dispensava – como sucedia na versão originária aprovada pela Assembleia Legislativa – esta indesejada aproximação que convoca velhos fantasmas interpretativos.

Lamento que, quanto à organização judiciária nos Açores, a maioria socialista, tenha rejeitado a consagração estatutária da existência tribunal de segunda instância na Região.

Os cidadãos, nos Açores, poderiam ter uma justiça mais próxima e mais célere com um tribunal de segunda instância.

Por último, uma breve referência ao aditamento de dois artigos, reproduzindo disposições constitucionais quanto ao Representante da República.

O Representante da República não é um órgão de governo próprio da Região. As suas atribuições e competências estão fixadas na Constituição da República e na Lei que define o seu próprio estatuto.

O Representante da República é uma figura esdrúxula na organização do poder político em cada Região Autónoma.

As disposições aditadas são inúteis para a caracterização das atribuições e competências do Representante da República e não deveriam figurar no Estatuto Político-Administrativo.

A imposição destes dois artigos é um acto quixotesco da maioria socialista.

Desejo que algumas das soluções agora introduzidas na Proposta de Lei não pervertam o seu sentido original nem representem um retrocesso indesejado, por via interpretativa ou jurisprudencial.

Porque acredito numa autonomia progressiva, tendo como limite apenas a unidade do Estado, sei que daremos, no futuro, outros passos no caminho duma melhor governação dos Açores pelo seu povo, reafirmando sempre a divisa inscrita no nosso brasão de armas: “antes morrer livres, do que em paz sujeitos”.

Horta e Sala das Sessões, 21 de Maio de 2008

POVO AÇORIANO

O processo de revisão do Estatuto Político-Administrativo está a entrar numa fase final, culminando um longo processo de consolidação de opções políticas e de soluções jurídicas que permitam confirmar o sentido da revisão constitucional de 2004 no capítulo das Regiões Autónomas.

Com o projecto de Estatuto na Assembleia da República, numa fase de discussão na especialidade, na qual a Assembleia Legislativa participa, é oportuno reafirmar a intenção do povo açoriano através dos seus Deputados: ampliar a autonomia e os instrumentos de auto-governo dos Açores, no actual quadro constitucional, sem esperar por uma outra revisão constitucional, de desfecho e oportunidade incertos.

Como fez questão de lembrar – com grande oportunidade política - o Presidente da Assembleia Legislativa, no discurso do dia da Região, a discussão na especialidade do projecto de revisão do Estatuto provoca uma inevitável tensão entre os Açores e Lisboa.

Esta reforma do Estatuto também serve para avaliarmos a sensibilidade da actual maioria socialista quanto ao processo autonómico que, é de aprofundamento gradual, como os Deputados açorianos fizeram questão de proclamar no projecto de Estatuto.

Neste particular, a rejeição da expressão “povo açoriano” pela maioria socialista, que Carlos César confirmou nas entrelinhas do seu discurso do dia da Região, dando-se já por derrotado em Lisboa, simboliza o velho temor que o PS ainda tem das autonomias.

A nossa identidade como povo, como comunidade identitária, caracterizada por razões económicas, sociais, culturais e histórica, que justificam a solução de auto-governo constitucional, pode e deve ser afirmada no Estatuto dos Açores, afinal a lei de organização da vida política da Região.

Quando o projecto de Estatuto identifica, pela primeira vez, os direitos da Região face à República, caracterizando-a como sujeito próprio no processo de relação com o Estado e estabelece, de modo inovador, os objectivos fundamentais da autonomia, nos quais se inscreve o “reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses” negar a menção estatutária ao “povo açoriano” é ignorar a história que nos singulariza entre os portugueses o direito à diferença que a Constituição já reconhece.

Afirmar que há um “povo açoriano” é traduzir na lei fundamental dos Açores o nosso sentimento de pertença comum, exorcizando fantasmas que não têm razões de existir.
PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL DE 14MAIO2008

27.11.08

DEFENDER A PRODUÇÃO LEITEIRA DOS AÇORES

O Conselho de Ministros da União Europeia chegou a um acordo, no passado dia 20, sobre a evolução da política agrícola comum (PAC).

Para uma região, como os Açores, que produz cerca de 30% da produção leiteira nacional, todas as decisões relativas à PAC e, em particular, ao sistema de quotas leiteira, são de interesse vital.

O Conselho de Ministros da EU apenas confirmou as propostas da Comissária Fisher Boel, no sentido do fim do sistema de quotas em 20015, com a introdução dum aumento progressivo de quota de 1% a partir de 2009 e durante cinco anos – no jargão comunitário “aterragem suave” – que mais não é do que o caminho para a liberalização do sistema de produção leiteira.

A decisão coloca em causa um sistema de equilíbrios produtivos no seio da União e um princípio de solidariedade entre regiões produtores, com características bem diferentes e capacidades produtivas diferenciadas.

O equilíbrio de produção e de consumo que o mecanismo de quotas proporciona – com especiais reflexos numa região de pequena dimensão como os Açores – será pura e simplesmente pulverizado com o seu fim.

Num sistema de liberalização da produção – ausência de quotas – os Açores verão acentuadas as suas desvantagens competitivas (pequena dimensão, dispersão, afastamento do continente, logo de mercados maiores), sem a existência de medidas de diferenciação positiva e de salvaguarda, que o estatuto de região ultraperiférica impõe e reclama.

A produção leiteira nos Açores ultrapassa uma mera dimensão económica, para se situar no plano social e da fixação de agricultores (logo, de população) em meios rurais, como comummente se assinala.

O Governo da República e o Governo Regional não defenderam os interesses dos produtores açorianos, nem os interesses da economia dos Açores, como o demonstram os escassos 20 milhões de euros destinados à reconversão do sector.

A postura complacente do Governos da República e Regional pode ditar uma lenta agonia da produção leiteira açoriana que, a partir da liberalização de quotas em 2015, terá de competir com os grandes produtores do centro e do norte da Europa.

O Governo Regional parece não ter percebido que o tempo corre depressa e que 2015 é já amanhã.

É exigível que, em vez de lamentos perante a incapacidade negocial junto do Governo da República, o Governo Regional comece por explicar qual é a sua estratégia e os meios para a executar para enfrentar com sucesso uma liberalização anunciada.


PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL DE 26NOV2008

26.11.08

O GOVERNO DA MAGIA PERDIDA

O X Governo Regional dos Açores – o quarto da responsabilidade de Carlos César – apresenta algumas novidades sem, contraditoriamente, trazer nada de novo. As mudanças de pasta já se tornaram inevitáveis nos sucessivos governos de Carlos César e o círculo do recrutamento de novos Secretários Regionais não vai além de “estrelas” cadentes que se desvanecem rapidamente ou de tecnocratas desconhecidos, de currículo escasso e com pouco talento político.

Ao longo do ciclo da governação socialista, sucederam-se os erros de “casting”, as apostas erradas e a teimosia na manutenção de políticas claramente votadas ao insucesso: dos transportes à saúde, da inclusão social à educação, os doze anos de governo do PS deixaram um rasto de fracassos e de governantes mal sucedidos.

Este governo de continuidade não revela uma centelha de rasgo ou de genialidade política. É modesto na composição e limitado na ambição. Na sua essência, faz lembrar o primeiro governo de Carlos César, orgulhosamente identificado pelo seu Presidente como estando povoado de docentes universitários. O resultado foi o que se viu.

Com uma delicada distribuição de poderes e funções entre Vasco Cordeiro, José Contente e Sérgio Ávila, Carlos César fechou ainda mais o jogo da sua própria sucessão: cada um destes candidatos usará o seu palco político para afirmar a candidatura ao dia seguinte.

Curiosamente, fora do Governo, Carlos César permitiu que Francisco Coelho ascendesse a Presidente da Assembleia Legislativa, num processo tumultuoso e fratricida dentro do PS, cujos contornos ainda não são totalmente conhecidos, colocando mais uma pedra no instável jogo de equilíbrios políticos na Terceira.

Perante este cenário, só há uma conclusão: para os que votaram no PS ao longo dos anos, Carlos César já foi uma esperança. Agora, é só o rosto dum político que percorre uma espécie de calvário pessoal, fazendo lembrar aqueles mágicos decadentes que persistem em subir ao palco, repetindo os mesmos truques, sem brilho nem glória. O toque de David Copperfield já desapareceu.

Em vez de governar para os Açores, este Governo vai limitar-se a ser o gestor das ambições dos sucessores.

O X Governo apenas agora iniciou funções, mas os dirigentes socialistas só perguntam: quem pode suceder a Carlos César?

O futuro já não está do lado do PS.

PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL DE 19 DE NOVEMBRO DE 2008