26.4.05

DEMOCRACIA E AUTONOMIA


1. A comemoração de mais um aniversário do 25 de Abril e da passagem do trigésimo aniversário das primeiras eleições (para a Assembleia Constituinte) é uma oportunidade de reflexão em torno da autonomia dos Açores e da Madeira. Simbolicamente, há um ano atrás, a Assembleia da República concluiu um processo de revisão constitucional que o futuro consagrará como a revisão constitucional das autonomias.

2. Para os Açores e para a Madeira, a revolução que devolveu a liberdade a Portugal permitiu a conquista da autonomia, entendida como um processo inacabado ou dialéctico de auto-governo dos povos insulares. A ideia dum poder político residente, legitimado pelo voto popular, democraticamente responsabilizado e fiscalizado torna-se um conceito matricial na nova Constituição de 1976, que a Constituinte eleita há trinta anos elaborou e fez aprovar, num processo político atribulado cujo desfecho era – à época – imprevisível.

3. Liberdade e autonomia são para nós sinónimos, na medida em que a concretização dos ideais de Abril, nas ilhas, se efectuou por via dum processo autonómico que, apesar dos seus avanços, não encontrou ainda um limite, ao contrário do que pensam os espíritos mais centralistas. A autonomia tem o seu limite apenas na unidade do Estado. Nunca é demais recordar as avisadas palavras de Francisco Sá Carneiro, quando alertava para o facto do receio do separatismo vir da atitude de Lisboa e não das ilhas.

4. Apenas em 27 de Junho de 2006 assinalaremos o decurso de 30 anos sobre as primeiras eleições para o parlamento regional, mas, celebrando o 25 de Abril celebramos também o progresso e o desenvolvimento destes anos de auto-governo que arrancaram os Açores dum atraso profundo e dum esquecimento padrasto a que foram votados pelo poder central. Apenas um poder próximo das pessoas, atento às suas necessidades, empenhado em resolver problemas, pode ao longo de quase trinta anos, levar a sociedade açoriana para outros índices de desenvolvimento, ainda longe, porém, das médias europeias. Infelizmente, apesar dos recursos colocados à disposição dos Açores nos últimos anos, continuamos a ser uma das regiões mais pobres da Europa.

5. O nosso desafio, enquanto comunidade política, já não é simplesmente o da defesa da autonomia, mas sim o do aprofundamento do processo democrático açoriano ou, dito de outro modo, duma certa refundação da autonomia.

Com mais poderes constitucionais, com mais exigências ao nível da Governação, os Açorianos querem que a autonomia traduza uma discriminação positiva do Estado e da União Europeia em seu favor e represente uma solução açoriana para os problemas açorianos.

O salto qualitativo que a autonomia tem de dar é o da utilização de todos os seus poderes constitucionais – ao nível legislativo e executivo – e o da redefinição do modo de funcionamento dos seus órgãos de poder, a começar pela Assembleia Legislativa, que a maioria socialista subalternizou e persiste em desvalorizar.

6. Quase trinta anos depois, as suspeitas sobre as autonomias continuam a fazer parte do léxico do poder central e dos dirigentes políticos nacionais. A relação das ilhas com o centro ainda não atingiu o grau de maturidade institucional que o decurso destas décadas autorizaria. Já o escrevi uma vez: Portugal é um país de autonomias; ainda não é um país das autonomias!

Uma parte deste equívoco continua a resultar do texto constitucional que consagra – de modo erróneo – que Portugal é um Estado unitário com regiões autónomas, quando, na verdade, é já um Estado regional.

Celebremos, então, o 25 de Abril com o coração na autonomia.

20.4.05

O AMIGO DE LISBOA


1. A vitória do Partido Socialista, nas últimas eleições legislativas, foi saudada pelos socialistas açorianos, não apenas – como seria natural – por uma razão de identidade ideológica, mas como uma solução governativa "boa" para o país e generosa no acolhimento das pretensões políticas dos Açores.

O argumento, tantas vezes utilizado em campanhas eleitorais, de que uma sintonia política entre Lisboa e os Açores permitirá resolver o contencioso aberto em torno de vários dossiês pendentes na relação com Lisboa, foi agora exibido de forma entusiástica pelos dirigentes do PS/Açores, a começar pelo seu presidente.

Para este clima de quase exaltação das virtudes da governação socialista contribuiu o facto do Primeiro-Ministro ter declarado assumir pessoalmente a condução política dos assuntos das autonomias.

2. Apesar do Presidente do PS/Açores ter cautelosamente declarado, na noite eleitoral, que os socialistas açorianos adoptariam uma postura de exigência para com Lisboa, a verdade é que o passado recente já demonstrou que o PS é bem menos exigente do que proclama. A postura adoptada tem sido a da facilidade do verbo e o amolecimento nos princípios, em nome da simples solidariedade partidária.

A "autonomia cooperativa" – bandeira do relacionamento entre Carlos César e António Guterres e doutrina ideológica da "nova maioria" socialista – representou a negação do carácter reivindicativo nas relações com Lisboa, num período de anulação dos Açores face ao poder central.

Carlos César convive mal com o fantasma deste relacionamento equívoco, bem sabendo que o contencioso com Lisboa – afinal, o contencioso da periferia com o centro – é uma "never ending story".

3. O PS já não tem desculpas na sua relação com Lisboa. Depois duma fase de diabolização do poder central, o PS assume, agora a reinterpretação da velha autonomia cooperativa, esperando mais do que Lisboa pode dar.

4. Ironicamente, o Primeiro-Ministro sagrado como "amigo dos Açores" no universo socialista, é o primeiro a ofender competências das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

A proposta de Lei que estabelece limites à duração de mandatos de titulares cargos políticos, abrangendo os Presidentes dos Governos Regionais, é inconstitucional por violar o artigo 277º, nº 1 da Constituição.

Na verdade, o artigo 231º, n º 7 da Constituição estabelece que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas (conceito no qual se incluem os Presidentes dos executivos regionais) é definido no Estatuto de cada Região Autónoma. Nos Açores, tal estatuto está definido no artigo 68º do Estatuto Político-Administrativo.

A iniciativa de revisão do Estatuto Político-Administrativo pertence em exclusivo a cada uma das Assembleias Legislativas, o que significa que apensas estas e somente estas podem determinar a oportunidade de rever o Estatuto Político-Administrativo, como dispõe o artigo 226º, nº 4 da Constituição.

A limitação do mandato do Presidente do Governo Regional é claramente matéria compreendida no conceito constitucional de "estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio", pelo que uma iniciativa legislativa da natureza da agora aprovada pelo Governo do PS é inconstitucional, quando impõe um limite à duração do exercício de funções aos Presidentes dos executivos regionais.

5. Perante esta matéria, os socialistas açorianos guardam um comprometido silêncio. A defesa das competências das Regiões Autónomas não se compadece com estas solidariedades difusas.

Pedro Gomes

13.4.05

O VELUDO DO TEMPO

1. O congresso do PSD elegeu um novo líder. Marques Mendes ganhou o congresso, com o pressuposto de que o PSD precisa de "vida nova". Num congresso diferente de outros congressos de disputa de liderança, o novo líder do PSD sufragou uma equipa dirigente e uma estratégia de oposição e de alternativa. Alguns analistas, no rescaldo do congresso e da estreita margem de vitória alcançada por Marques Mendes acentuaram o carácter "vigiado" da sua liderança. Muito embora os 55% alcançados, não sejam um resultado folgado, a verdade é que é o suficiente para devolver ao PSD quatro coisas essenciais ao combate político: uma liderança serena, uma estratégia clara, a definição dos objectivos políticos, num quadro de dois actos eleitorais sucessivos e consultas referendárias e objectividade na definição do adversário.

Com um congresso anunciado para o próximo ano, para a revisão estatutária, o ciclo infernal em que o PSD entrou - de um congresso por ano - ainda não acabou. Com as eleições autárquicas à porta e com as presidenciais em Janeiro, a nova liderança do PSD mal terá tempo para respirar. Marques Mendes corre contra o tempo: o tempo de "fora", imposto por um calendário que não determina e o tempo de "dentro": o reduzido tempo de um ano até ao próximo congresso, bem como o tempo psicológico que tenderá a levar os militantes do PSD a pensarem que terá passado mais tempo do que aquele que efectivamente decorreu.

2. Uma parte substancial do sucesso desta nova liderança do PSD, na qual acredito, joga-se neste tempo psicológico. Afastado do poder nas últimas eleições, depois duma liderança e duma governação conturbadas, o PSD das bases levará ainda algum tempo a reencontra-se e a reconhecer-se na oposição (o mal não é exclusivo do PSD e atinge, como maior ou menor intensidade, todos os partidos com vocação de poder). Neste quadro, os primeiros meses da nova liderança são fundamentais para consolidar a opção do congresso e solidificar o PSD como partido de alternativa política.

3. Dum modo geral, todos os congressos têm os seus mitos. O último congresso social democrata não fugiu à regra. Na sexta-feira, os congressistas suspiravam por ouvir António Borges. No sábado, creio que ficaram desiludidos, depois de intervenção deste Professor de Economia. António Borges não disse nada de novo aos militantes do PSD: nem na forma, nem no conteúdo. Nem sequer as sucessivas entrevistas que foi concedendo nas vésperas do congresso autorizavam a esperar coisa diferente. Hoje, o Prof. António Borges é mais um fenómeno mediático do que um dirigente político. Em política nunca podemos vaticinar o dia de amanhã. Porém, as prestações de António Borges não o convertem em nada mais do que é: um militante do PSD "fabricado" pelos media.

4. Devem os congressos partidários mudar. Creio que sim. O congresso de Pombal veio confirmar a necessidade de alterar o modo de funcionamento dos congressos partidários que – entre nós – hesitam entre um fórum de debate de ideias e a convenção ao estilo americano. Tentando o melhor dos dois modelos, acabam por sucumbir ao pior dos dois: dezenas de moções que poucos lêem, intervenções desiguais que se prolongam madrugada fora, tudo em directo e ao vivo para o país que – seguramente – prefere ver o jogo de futebol ou a novela da noite.

5. O que falta, então? Começar por mudar o modo de funcionamento dos partidos, tornando-os mais permeáveis à sociedade, encerrando a dicotomia com a sociedade civil. Depois, fazer com que os dirigentes partidários também sejam "gente comum". Acho que por aqui teremos um bom começo.

5.4.05

VERDADE E MENTIRA NO ORÇAMENTO



A hábil propaganda do Governo Regional tem procurado mostrar, por um "a mais b" numérico, que o plano e orçamento para 2005 são a sétima maravilha da governação. De entre os cultores desta nova estratégia, destaca-se o Vice-Presidente do Governo, empenhado que está em exibir qualidades de governante que ainda não demonstrou ter.

O Governo Regional, através de números, gráficos e estatísticas, transforma o debate à volta do plano e do orçamento num desfile de algarismos, confundindo o debate sobre estes instrumentos: eles são, antes de mais e antes de tudo, o espelho de opções de governação, de escolhas políticas, com reflexo na afectação de verbas a sectores e áreas governamentais.

Em matéria de opções de governação, o plano e o orçamento para 2005 são mais um plano e um orçamento e menos uma oportunidade para o sector privado e para os Açorianos.

O plano e o orçamento para 2005 são uma consequência da governação anterior: continua a haver uma acentuada intervenção da Região em todos os sectores de actividade económica, social, desportiva e cultural dos Açores, sem que o Governo deixe espaço para a sociedade civil ou para o sector privado da economia.

O novo Governo continua as velhas políticas socialistas!

Orgulhosos da "sua obra", os socialistas açorianos contemplam embevecidos o seu próprio passado e transformam a governação num exercício perdulário para agradar a todos.

O orçamento para 2005 é um hábil exercício de prestidigitação política, através da qual o Governo exibe milhões onde apenas tem tostões. Atrás do famoso "superavit" – invenção do Dr. Ávila – o Governo esconde os milhões de dívida oculta, a desorçamentação criativa, as obras públicas realizadas, inauguradas e ainda não pagas, pontudas no plano para 2005 com designações do tipo "fecho da empreitada" e a incapacidade de administrar melhor as finanças regionais.

O Governo socialista não diz aos Açorianos que o "superavit"não decorre de qualquer acto de boa gestão do Governo, nem sequer do controle da despesa pública ou da redução das despesas correntes (pessoal, viagens, consumíveis e outros); o saldo financeiro advém apenas dum acréscimo da receita com o IVA, IRS e IRC, em resultado das alterações fiscais introduzidas a nível nacional.

O Governo socialista não diz aos Açorianos que o montante para o investimento – os famosos 311,8 milhões de euros – incluem 30 milhões de euros, como receita da privatização da EDA, o qual deve ser aplicado nos termos da Lei-Quadro das Privatizações.

O Governo socialista não diz aos Açorianos que entre 2001 e 2004 apenas executou os planos anuais em 75%. Se cumprir esta taxa de execução para o plano de 2005, então este plano diminui em 7,7% em relação ao ano anterior.

O Governo socialista não diz aos Açorianos que os Açores têm uma dívida directa de 275 milhões de euros e uma dívida total de 555 milhões de euros, já superior à dívida em resultado dos vinte anos de governação do PSD.

O Governo socialista não diz aos Açorianos que a novas sociedades (SAUDAÇOR, SPRHI e as sociedades de gestão dos portos) já estão endividadas num montante que ultrapassa os 170 milhões de euros. Apenas a título de exemplo, refira-se que a SAUDAÇOR terá uma dívida de mais de 80 milhões de euros.

O orçamento para 2005 é o orçamento da desilusão e da incapacidade deste governo socialista assumir com rigor, responsabilidade de transparência as dificuldades orçamentais que a Região atravessa.