24.1.06

UM NOVO PRESDIENTE PARA PORTUGAL

Depois das presidenciais e da vitória de Cavaco Silva, o quadro institucional estabiliza-se, inaugurando-se um longo período sem eleições. Presidente novo, vida nova. Para ler, como sempre, aqui ao lado, no anjo mudo.

UM NOVO PRESIDENTE PARA PORTUGAL

1. A eleição do Prof. Cavaco Silva à primeira volta, nas eleições do passado Domingo, confirmou que os portugueses desejavam uma escolha segura para a presidência da república. Ao contrário de muitos outros que olham para o resultado eleitoral como uma vitória "à tangente", entendo que Cavaco Silva obteve uma grande vitória por duas razões essências: em primeiro lugar, consegue ser eleito à primeira volta numa disputa eleitoral entre seis candidatos, que tende – por definição – a pulverizar o espectro eleitoral; em segundo lugar, porque a campanha eleitoral demonstrou que houve uma bipolarização imperfeita. Ao contrário do que o Dr. Soares poderia ter ambicionado como estratégia para a sua campanha, a bipolarização não aconteceu entre ele e o agora Presidente eleito, mas sim entre este e os restantes cinco candidatos. Esta bipolarização de postura e de discurso – todos contra um – contribui para sedimentar a linha estratégica da campanha de Cavaco Silva: afirmação política, sem entrar em conflito com outros candidatos.

A vitória de Cavaco Silva é uma vitória politicamente folgada e numericamente indiscutível. Cavaco Silva ganhou e ganhou bem, um combate difícil e de desfecho incerto quanto à possibilidade de existência duma segunda volta.

2. A desvalorização da vitória que alguns despeitadamente ensaiam só é compreensível no curioso cenário em que estas eleições decorreram, com a esquerda fragmentada, devorada por contradições internas e com a presença de dois líderes partidários – Francisco Louça e Jerónimo de Sousa – que as aproveitaram apenas para consolidarem as suas próprias lideranças. Mesmo perante este quadro, não se pode dizer que foi a esquerda que perdeu as eleições. Foi Cavaco Silva que as ganhou, num preciso contexto político e eleitoral, não passando dum mero exercício académico a conjectura quanto ao que "aconteceria se…".

3. Com um discurso rigoroso, ideologicamente colocado ao centro, de modo a cobrir todo o espectro eleitoral, Cavaco Silva valorizou aos olhos do eleitorado a sua própria personalidade e a sua atitude perante os problemas do país. Do meu ponto de vista, a interpretação de que Cavaco Silva é um candidato do centro-direita é mais um dos equívocos em que estas eleições foram fertéis.

Na estratégia da campanha, "Portugal maior" não é apenas uma slogan eleitoral, antes representado o sinal público duma atitude: inconformismo, luta contra um certo estado de coisa, vontade de vencer o desânimo que atravessa a sociedade portuguesa.

A história constitucional democrática de Portuguesa já nos ensinou que os diversos Presidentes da República têm interpretações diferentes sobre os poderes presidenciais, de geometria variável, até consoante o tempo de decurso dos respectivos mandatos. Creio que Cavaco Silva não será, nesta matéria, diferente dos seus antecessores. Interpretará os poderes presidenciais de modo próprio, dentro do quadro do actual constitucional, sem se quedar pelo papel de presidente-monarca e sem se deixar seduzir por uma matriz mais presidencialista, até porque o próprio viveu a experiência um Primeiro-Ministro que tem de conviver com um Presidente da República que é tudo menos moderador, como lhe sucedeu no segundo mandato de Mário Soares.

Não teremos um Presidente árbitro, nem um Presidente jogador do jogo. Mas, teremos, por certo, um Presidente da República mais interventor na vida política nacional, sem que tal papel coloque em causa a legitimidade do Governo e da actual maioria parlamentar.

O discurso de vitória de Cavaco Silva na noite de Domingo assinala isso mesmo: anunciando a dissolução da maioria eleitoral, o Presidente eleito não deixou de dizer que ouvirá as pessoas, que estará atento ao país, dizendo mesmo que exercerá "o mandato com o empenhamento total no desenvolvimento do nosso País, no respeito pelos poderes constitucionais do Presidente da República. Desenvolvimento que, para mim só é económico para ser social."

4. No plano dos Açores e da Madeira, o novo Presidente da Repúblicas terá responsabilidades acrescidas como garante das autonomias, após a extinção da figura de Ministro da República, o que sucederá no dia 9 de Março, com a tomada de posse do novo inquilino do Palácio de Belém. A extinção do Ministro da República e a eliminação do papel de representante do Estado, são factores que tendem a fortalecer – do ponto de vista conceptual – a ligação entre as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira ao Presidente da República.

Os próximos tempos darão indicações preciosas sobre o novo papel que a Constituição reserva ao Presidente da República quanto às autonomias dos Açores e da Madeira.

18.1.06

A QUATRO DIAS DO FIM


1. Para prevenir os mais distraídos, convirá sempre acrescentar que este fim é o da campanha eleitoral e não outro qualquer. No dia 22, o país saberá se já tem um novo Presidente da República ou se deveremos esperar por uma segunda volta. Posso estar enganado, mas o meu palpite – e trata-se apenas dum palpite – é de que Cavaco Silva será o Presidente da República eleito já a partir do próximo Domingo, com Manuel Alegre a obter um honroso segundo lugar.

2. Ao longo da pré-campanha e da própria campanha, assinalou-se repetidamente o carácter atípico desta disputa eleitoral: dois líderes partidários, na área da esquerda a tentarem consolidar as suas próprias lideranças e o espaço político de cada um dos seus partidos; um ex-Presidente da República a candidatar-se em nome do seu próprio passado; um distinto militante socialista que, ousadamente, parte ao meio o eleitorado do seu partido, desafia o líder partidário que algum tempo antes tinha enfrentado nas primárias domésticas e –mercê das circunstâncias – fica à margem duma longa amizade com Mário Soares; um ex-Primeiro-Ministro, repetente em eleições presidenciais, que as sondagens indicam ser o preferido do eleitorado e se torna o alvo preferido de todos os outros, desencadeando um inusitada sucessão de ataques políticos.

Este melting pot fez esquecer os temas típicos duma campanha eleitoral centrada na função presidencial: o papel do Presidente da República num sistema semi-presidencial como o nosso, em especial nos domínios da defesa, das relações internacionais e com a União Europeia. Muitas vezes, os debates foram um back to the past, inglório e desinteressante.

Cavaco Silva foi o candidato central da campanha, em volta do qual se posicionaram todas as outras candidaturas, incluindo a de Mário Soares que, nesta campanha, foi uma sombra de si próprio.

3. A entrada de membros do Governo na campanha eleitoral suscita uma observação cuidada, não que se questione a sua intervenção pública em favor de Mário Soares – longe disso, até – mas o modo com o que o fizeram. Ao contrário de José Sócrates – que depois de ter estado em "espírito" foi ao Porto apoiar o seu candidato - Santos Silva e Mário Lino não perceberam que a manifestação de apoio a uma candidatura por parte de quem é Ministro não pode, nem deve ultrapassar certos limites, porque Domingo o visado pode ser Presidente da República. Dizer, como disse, Santos Silva, que a candidatura de Cavaco Silva representa um "golpe de estado constitucional" é um absurdo político.

Amanhã, depois das eleições, o dever de lealdade e respeito institucional entre o Governo e o Presidente da República não obriga apenas o Primeiro-Ministro, sendo extensivo a todos os membros do Governo. Terão em Ministro em campanha percebido isso?

4. Esta campanha desmistificou – penso que de vez – a importância atribuída aos debates eleitorais entre os candidatos. O problema não esteve na fórmula adoptada ou nas regras que as candidaturas discutiram com as televisões para a sua realização. Os debates são o que são! Valem o que valem: isto é, valem muito pouco. A vida política portuguesa já o demonstrou. Os vitoriosos em debates também perdem eleições e os derrotados nestes confrontos também as ganham. A mitologia à volta dos debates terá acabado nesta campanha eleitoral.

5. O Diário de Notícias lançou uma tracking poll feita pela Marktest. Desde o início da campanha, este jornal publica uma sondagem diária, com uma renovação parcial – e não total, ao contrário do que estamos mais habituados – da amostra. As sondagens eleitorais, pela mão do DN ganham uma nova dimensão na leitura e interpretação das campanhas eleitorais, enquanto instrumentos de avaliação dos comportamentos eleitorais. Posso estar enganado, mas depois da experiência do DN/Marketest nada ficará como dantes nas relações entre os jornais, as empresas de sondagens e o público leitor/eleitor.

6. A possibilidade de Cavaco Silva ganhar as eleições na primeira volta constitui – ela própria – um elemento novo no quadro político nacional, deixando a nú o estado de espírito dos eleitores portugueses.

A concretizar-se esta vitória, ela vem provar que o sistema político português, apesar das suas imperfeições, contém o código genético necessário para permitir que um candidato desejado pelo povo possa vencer à primeira.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL

11.1.06

A UNIVERSIDADE, O ATLÂNTICO E NÓS


1. No ano em que os Açores e a Madeira celebram o trigésimo aniversário da consagração constitucional da Autonomia político-administrativa como a solução atlântica, europeia e insular para o auto-governo dos arquipélagos regionais, no quadro da unidade do Estado (o único limite à evolução das autonomias, que nunca é demais evidenciar), celebramos – por uma coincidência feliz – os primeiros trinta anos da nossa Universidade.

Em 9 de Janeiro de 1976, o Decreto-Lei nº 5/76, do Governo de Pinheiro de Azevedo, cria o então Instituto Universitário dos Açores, "que tem por fim promover no arquipélago o ensino de nível superior, a investigação científica e tarefas de extensão cultural e de prestação de serviços à comunidade", enunciando-se como pressuposto da sua criação o facto do "carácter de insularidade da região" implicar "soluções particulares que o ajustem às realidades geográficas, económicas e sociais do arquipélago".

Ainda antes da definição dos órgãos de governo próprio da Região, das primeiras eleições para o parlamento regional, a Universidade dos Açores nasce como precursora do próprio processo autonómico, antecipando uma das características matriciais da suja génese: o carácter aberto, inovador e universalista que os Constituintes desenharam para o auto-governo das ilhas.

2. Ao longo destes trinta anos, a Autonomia dos Açores evoluiu, cresceu e consolidou-se. Não serei exagerado se disser que o mesmo sucedeu com a Universidade.

A Autonomia enquanto solução de livre governo dos "Açores pelos Açorianos" e a Universidade enquanto expressão do livre pensamento, da livre investigação, de espaço e símbolo de cultura e de afirmação de identidade dum povo, são duas faces da mesma moeda: a da novidade que o processo autonómico de segunda geração trouxe ao Portugal democrático e aos Açores saídos da Revolução de 74.

Seria impossível conceber os Açores sem a Universidade, sem os seus estudantes, os seus doutores e investigadores, sem a produção intelectual, a investigação científica e os recursos humanos que, de modo quase imperceptível, ajudaram a construir os Açores modernos.

Os Açores sem a Universidade não seriam o que são hoje! Por isso mesmo lhe chamei "a nossa Universidade". Sem perder de vista o carácter universal do saber, a universalidade que o seu corpo docente e discente bem espelham, sem pretender reduzi-la a uma dimensão estreita de universidade regional, a Universidade dos Açores é uma universidade geograficamente situada, sem que geografia possa significar insulação do pensamento ou uma fatalidade limitadora da acção ou da capacidade de inovação.

3. O feliz acaso da tripolaridade, nascida da geografia e imposta pelas circunstâncias, acabou por diferenciar geneticamente a Universidade dos Açores de todas as outras, o que nem sempre o poder político soube compreender. As características desta nova universidade nunca foram bem compreendidas, nem pelo poder central, nem pelo poder regional, confundindo-se as coisas na velha querela da dupla tutela.

A dupla tutela é uma das mais estéreis discussões a propósito da Universidade dos Açores. Se é uma universidade, como todas as outras, inserida nos sistema de ensino superior em Portugal, sujeita à disciplina legal deste ramo de ensino, então a sua tutela tem de competir à República que, nessa medida deve assumir as suas responsabilidades para com esta Universidade, como o faz em relação a todas as outras, a começar pela responsabilidade quanto ao seu financiamento. Porém, as especiais características duma Universidade insular e tripolar – e não apenas tripolar – impõem ao Estado uma especial obrigação quanto ao seu financiamento. Isto é, a Universidade dos Açores não pode ser estrangulada financeiramente pelo Estado, castigada pela sua insularidade tripolar.

Por seu lado, a Região não pode fingir não ter uma Universidade no seu território e que essa Universidade é uma pedra essencial na sua estratégia de desenvolvimento.

Apoiar a Universidade, torná-la parceira do desenvolvimento, não se basta apenas, como candidamente o Governo Regional afirma, com a compra de serviços, com o consequente pagamento que os nossos governantes confundem com financiamento.

Apostar na Universidade é definir com ela uma parceria para o desenvolvimento e para a inovação tecnológica, que possa colocar os Açores na vanguarda da investigação científica. A distância que a geografia nos impõe, não é uma barreira ao desenvolvimento tecnológico ou à investigação científica de ponta. O sonho duns "Açores Valley" de natureza tecnológica não é uma impossibilidade!

Precisamos apenas de decisores políticos com visão e com vontade!

Parabéns à nossa Universidade.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL

4.1.06

OS EQUÍVOCOS DE MÁRIO SOARES


A candidatura do Dr. Mário Soares é um equívoco e uma fonte de equívocos.

O Dr. Mário Soares, mesmo sendo um ex-Presidente da República, tem todo o direito de se apresentar a estas eleições presidenciais. Tem percurso político, vontade, idade e estatuto pessoal para ser candidato presidencial. Na sua candidatura não me incomoda o facto de ter oitenta anos ou, sequer, a circunstância – muito ao seu estilo – de assumir que apenas fará um mandato no caso de conseguir a eleição. A polémica em torno da sua condição pessoal para ser candidato, não me interessa particularmente: é supérflua e não conduz a lado nenhum.

Interessa-me interpretar o contexto da candidatura, as motivações do candidato, as propostas que apresenta e a sua postura na contenda, à luz dum longo olhar sobre o seu desempenho no cargo que agora pretende voltar a ocupar. Já o disse uma vez, mas volto a assinalar este facto: enquanto em relação a todos os outros candidatos, o julgamento sobre o desempenho do cargo é apenas de prognose, em relação ao Dr. Soares, ele é bem mais exigente, pois assenta na apreciação dos seus dois mandatos presidenciais. Ao contrário, dos seus adversários, Mário Soares já foi Presidente da República e isso, no actual contexto e com a estratégia de campanha que adoptou, não é uma vantagem para ele.

O Dr. Soares tem-se revelado um candidato contraditório. Num primeiro momento, sobre a possibilidade de avançar com uma candidatura. Que seria "uma loucura", que "bastava de política". Avançou mesmo com o seu apoio a António Guterres ou a António Vitorino. Após mudar de opinião, o Dr. Soares justifica ao país a sua opção com uma "mudança de circunstâncias": fala vagamente dos perigos da globalização, do papel dos EUA, da crise do país, das dificuldades das finanças públicas e, sobretudo "do Cavaco" como ele gosta de designar o seu mais forte oponente.

Nenhuma razão consistente ou substancial. As mesmas razões poderiam servir para justificar tantas outras opções tomadas na vida política. Depois de impor a sua candidatura ao interior do PS, abrindo com ela feridas que levarão tempo a cicatrizar, o Dr. Soares parte convencido de que o combate entre a esquerda e a direita é o suficiente para lhe garantir uma vitória nestas eleições, reeditando a disputa presidencial com Freitas do Amaral. Ainda ontem, em entrevista à TSF, disse isso mesmo: o candidato acredita que na hora do voto os portugueses se lembrarão dele como referência da esquerda. A sua estratégia de campanha reflecte esta premissa: não hostiliza nenhum candidato à esquerda, alimentado o sonho de fazer o pleno à esquerda.

Nas razões apresentadas para a sua candidatura, há uma que merece uma observação mais detalhada: a de combater a candidatura de Cavaco Silva. Implicitamente, Mário Soares confirma a sensação geral e o que as sondagens persistem em dizer: o Prof. Cavaco Silva leva uma enorme vantagem sobre todos os outros candidatos. Nem o facto de Mário Soares estar na "brecha" (a expressão é dele mesmo) perturba a consolidação eleitoral de Cavaco Silva. Mais do que tudo o resto, este facto deve perturbar Mário Soares. No universo soarista, estas eleições são o combate que o Dr. Soares sonhou travar, com o homem que partilha com ele um lugar de destaque na política portuguesa do século XX. Nunca se enfrentaram directamente e, na primeira vez em que isso acontece, a história – sempre traiçoeira – parece colocar Mário Soares num papel menor. Apenas isto pode justificar uma estratégia de campanha absurda: atacar Cavaco Silva sem quartel, como o debate entre os dois bem demonstrou.

Na entrevista de ontem à TSF, Mário Soares chegou mesmo a dizer que alguns grupos de comunicação social estavam "combinados" para apoiar a candidatura de Cavaco Silva.

Com receio de não conseguir vencer as primárias da esquerda, num cenário de segunda volta eleitoral, Mário Soares faz da sua campanha um exercício penoso: ataca a comunicação social, pede debates, sugerindo eventuais recusas dos seus adversários, desvaloriza o cargo a que concorre, na ânsia de "disparar" sobre os adversários, mistifica o seu próprio desempenho enquanto Presidente da República, com o intuito de reforçar a concepção que concebeu para si próprio: a do Presidente moderador, radicaliza o discurso e o tom, numa postura mais de Garcia Pereira do dele próprio.

Em Portugal não há políticos retirados. Apenas políticos derrotados. Mário Soares arrisca-se a cumprir esta profecia, com uma candidatura fora de tempo e contra o tempo.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 4 DE JANEIRO DE 2006, DO AÇORIANO ORIENTAL

ANO NOVO, CARA NOVA

O anjo mudo estreia um novo visual para 2006. Simples, escorreito, de fácil leitura. Como as palavras que aqui são colocadas. Para ler devagar ou a correr, que o rush do tempo não dá tréguas. Simplesmente para ler, como quiserem.