26.4.07

AUTONOMIA EM ABRIL

Ao celebramos o 25 de Abril comemoramos, também, a instauração do regime autonómico que a Constituição de 1976 consagrou, com uma solução de auto-governo que encontra o seu fundamento nas aspirações autonomistas dos povos insulares e nas particulares características geográficas, económicas, sociais e culturais de regiões arquipelágicas, descontínuas e afastadas dum centro político que as desprezou e ignorou ao longo dos séculos.
Como escreveu Aristides Moreira da Mota, "o Estado não só gasta pouco com os Açores, mas gasta mal".
Um poder político residente em cada uma das Regiões Autónomas foi a solução que a Constituição de 1976 adoptou, consagrando, não apenas uma autonomia administrativa, mas já política e legislativa, traçando uma notável linha de evolução face ao Decreto de 2 de Março de 1895. Nas Câmaras, em 1894, o Deputado Mont’Alverne Sequeira, usando da palavra em defesa da consagração da autonomia para os Açores, dizia mesmo "o centralismo exagerado produz monstruosidades (…) que são verdadeiros fenómenos de teratologia política e administrativa".
Trinta e um anos após a revolução de Abril, pode parecer desnecessário sublinhar a génese do sistema autonómico de auto-governo dos Açores e da Madeira. Porém, a história recente ensina-nos que os processos de descentralização e de afirmação das periferias face a um centro político nunca estão concluídos.
A autonomia é evolutiva por definição e tem como limite, apenas, a unidade do Estado. Interpretar a autonomia de outro modo, ou impor-lhe outros limites, significa confinar a autonomia num espartilho político negador das aspirações autonomistas.
Apesar de decorridas três décadas de auto-governo nestas ilhas, a suspeita sobre a autonomia ainda não foi arredada de Lisboa: umas vezes por acto político, outras por decisão do Tribunal Constitucional.
O recente acórdão do Tribunal Constitucional sobre o protocolo regional merece uma frontal rejeição pelos seus fundamentos, ao retomar, de modo enviesado e sob as vestes de “âmbito regional”, o famigerado conceito de “interesse específico”, afastado com a revisão constitucional de 2004. Negar à Região, como resulta deste acórdão, a possibilidade de legislar sobre matéria de protocolo regional, é amputar a letra e o sentido da revisão constitucional de 2004 e ofender – já não apenas a autonomia – mas o poder constituinte.
O caminho da autonomia de Abril faz-se caminhando.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 25 DE ABRIL DE 2007, DO AÇORIANO ORIENTAL

12.4.07

COMO ESTÁ ENGANADO, DR. VASCO CORDEIRO

O Secretário Regional da Presidência, Dr. Vasco Cordeiro, na edição de segunda-feira passada, deste jornal, classificou como "disparatados" os meus argumentos sobre a proposta de Lei da Televisão, publicados no dia 4, nesta coluna.

Não comento o tom altaneiro do Secretário Regional da Presidência ou sequer a deselegância da linguagem. Ambas reflectem a atitude e o modo de intervenção política de quem, tendo pouco para dizer, prefere fugir ao essencial do debate. Mas, cada um intervém politicamente como pode…

O Secretário Regional da Presidência defende uma solução que não "é carne nem peixe". Para além de permitir que as Regiões Autónomas possam definir "obrigações complementares" de serviço público, pagas pelo orçamento regional, a iniciativa do Governo da República não garante o carácter supletivo destas obrigações regionais, nem assegura que estas obrigações estejam sujeitas aos meios de controlo e fiscalização do serviço público de televisão.

O Secretário da Presidência parece sofrer as dores dum parto alheio: defende a solução, mas não é capaz de explicar como ela vai funcionar, que eventos de interesse público regionais podem ser definidos como "obrigação complementar", para que serve e quanto vai custar.

À ligeireza da réplica política tão em voga junto dos membros do Governo Regional que, perante qualquer crítica, se apressam logo a afirmar que quem a formula "não sabe" ou "não estudou o assunto", segue-se o silêncio sobre o fundo da questão: se até hoje o Estado sempre suportou – como é sua obrigação, constitucional e legal – o serviço público de televisão nas Regiões Autónomas, onde está a novidade quanto às obrigações do Estado? Se o Estado suporta o serviço público de televisão, então que eventos de serviço público ficam de fora? Se esses eventos são de serviço público, então não deverá ser o Estado a suportá-los? Como explica o Secretário Regional da Presidência que o seu Governo aceite agora o que sempre rejeitou: o pagamento duma parte – ainda que complementar – do serviço público de televisão pela Região?

Já agora, para que não restem dúvidas, seria útil que o Secretário Regional da Presidência que até tutela a comunicação social, esclarecesse se este é o seu modelo de televisão pública para os Açores. Fica o desafio.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 11 DE ABRIL DE 2007 DO AÇORIANO ORIENTAL

4.4.07

TELEVISÃO E COELHOS DE PÁSCOA

Por iniciativa do Governo da República, a Assembleia da República está a alterar a Lei da Televisão, pela terceira vez no espaço de dez anos. Para a sociedade, para o mercado e para os operadores, o Governo dá um sinal de hesitação e instabilidade nas suas opções fundamentais quanto ao sector audio-visual, para além de ignorar as novas realidades de comunicação televisiva, como a webTV, a mobileTV, os novos serviços que despontam no sector áudio-visual e as alterações que aí vêm por força da directiva comunitária “televisão sem fronteiras”.

A proposta de Lei agora em discussão tem reflexos nas Regiões Autónomas quanto à expressão do serviço público de televisão nos Açores e na Madeira, ao admitir a possibilidade das Assembleias Legislativas definirem "obrigações complementares de serviço público de televisão", objecto de financiamento por cada um dos Governos Regionais.

A existência e manutenção dum serviço público de televisão, no continente e em cada uma das Regiões Autónomas é uma obrigação do Estado e não de cada uma das Regiões. O serviço público de televisão, muito embora tenha um carácter e dimensão nacionais, contempla a existência de emissões próprias para os Açores e para a Madeira, suportadas pelo Estado.

Uma eventual definição de "obrigações complementares" de serviço público por cada Região Autónoma não pode ser entendida como uma substituição do Estado no financiamento do serviço público de televisão, nem como uma forma de o libertar do cumprimento das suas obrigações perante os Açores e a Madeira, nem ainda como um meio para a redução de horas de emissão do canal público, com o pretexto útil da existência das tais "obrigações complementares".

A proposta de Lei, agora em discussão, não acautela de modo suficiente os interesses da Região, não confere uma clara natureza de serviço público às designadas "obrigações complementares", nem garante que o seu cumprimento, nomeadamente do ponto de vista financeiro, seja fiscalizado pelo parlamento regional ou por uma entidade independente, como a Entidade Reguladora da Comunicação Social.

Esta proposta de Lei não merece os elogios que o Secretário Regional da Presidência se apressou a tecer-lhe nem tranquiliza quem entende que o Estado deve continuar a pagar o serviço público de televisão nos Açores e na Madeira.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL