30.12.05

NATAL BLUES


1. Nas estatísticas e nos números das publicações oficiais a realidade não mente: de Agosto de 2004 para Agosto de 2005, o número de beneficiários do rendimento de inserção social (o velho rendimento mínimo garantido) aumentou 40% nos Açores; somos mesmo a região do país com a mais elevada taxa de atribuição deste subsídio, face ao número de habitantes.

A normalidade de funcionamento do sistema educativo não serve de desculpa, nem consegue disfarçar o incómodo de pais, professores e educadores pelas elevadas taxas de insucesso escolar nestas ilhas. Os Açores têm a mais elevada taxa de insucesso escolar do país, do 2º ao 9º ano de escolaridade. Por exemplo, no segundo ano de escolaridade, a taxa de retenção nos Açores é 29,57%, enquanto a média nacional é de 14,9%; no 5º ano de escolaridade, a média nacional é de 14,5% e a média regional é de 20,05%

A taxa de desemprego, ao longo de 2005, manifesta uma tendência de subida consistente, situando-se nos 4,2%, valor mais elevado dos últimos dois anos, num sinal claro de deterioração do clima económico, disfarçado nos milhões anunciados todos os dias, na hora do telejornal.

O Dr. Weber Machado, responsável da Caritas em São Miguel, nas páginas deste jornal, há uns dias atrás, denunciava o facto dos apoios à habitação concedidos pelo Governo Regional não estarem ser dirigidos para os estratos populacionais que deles mais precisam.

As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens instauraram em 2004 cerca de doze mil processos de acompanhamento de crianças e jovens, de acordo com números oficiais do Ministério da Justiça. Os Açores são a região do país com a mais elevada percentagem de situações de perigo para crianças e jovens.

2. Os Açores reais estão longe dos Açores ficcionados pela manipulação dos números, das contas, dos saldos e dos milhões, que afinal são apenas tostões.

Os Açores do dia-a-dia não têm nada a ver com o gasto perdulário de centenas de milhões euros em obras públicas de duvidosa vantagem económica para a Região, como o longo e mal explicado processo das SCUT’s ou a coqueluche do regime: o cais de cruzeiros, em Ponta Delgada. Em ambas as obras, o Governo Regional prepara-se para gastar apreciáveis recursos financeiros, hipotecando os orçamentos regionais dos próximos anos, sem que se conheçam os estudos financeiros de suporte a estas opções.

As SCUT’s e o cais de cruzeiros são a OTA e o TGV do Governo de Carlos César.

3. Como vão as coisas? Andando! A expressão é comum e revela a atitude típica dos tempos que correm. Andando, pois sim! Estamos todos desatentos, pouco interessados em debates que a cidadania nos impõe e que as opções relativas ao nosso futuro colectivo exigem. É sempre mais fácil deixar andar, como se não houvesse prioridades na nossa vida comum.

4. E o Natal? Pois, o Natal. A nova consola "psp" é fabulosa. É verdade que os jogos da "playstation – 2" não correm nela. Mas, não tem grande importância. Por cinquenta euros compramos um novo jogo. Ah, é verdade: os novos vêm nuns cd’s mais pequenos dos que os anteriores! Neste Natal já podemos ter o nosso próprio vulcão doméstico. Por quarenta euros, construímos em casa – não é recomendável a construção no quarto ou na sala, não vá o diabo tecê-las – um vulcão particular, controlado, que não provoca muitos estragos. E um novo telemóvel? Da geração 3G, com MP3, câmara fotográfica e de filmar, multi-funções. Por duzentos euros, podemos aceder a um novo céu tecnológico.

5. Andando? Pois claro. Estamos no Natal, que não já não é quando o homem quiser, mas quando o comércio impõe. Reparamos, até por um evidente sentimento de anacronismo, que o velho presépio lá de casa, precisa de ser renovado. Há uns agora, quase high-tech, sofisticados, modernaços que combinam com as árvores de natal plásticas, com as suas luzinhas com sensores incorporados que acendem apenas com o movimento na sala.

6. A história que contamos aos nossos filhos dum menino que nasceu em Belém, numa gruta, rodeado de animais e adorado por três reis magos e por pastores parece não fazer muito sentido.

Passados estes anos, continuo a gostar daqueles três homens, que guiados apenas pela vontade dum encontro, se puseram a caminho, sem saberem o que iriam encontrar.

Um Santo Natal!
Publicado na edição de 21 de Dezembro de 2005 do Açoriano Oriental

14.12.05

CARTOLAS, COELHOS E CONGRESSOS




1. O XVI congresso do PSD é realizado num momento especialmente difícil – uma segunda crise de liderança em menos dum ano, depois duma derrota pesada em eleições regionais, apenas suavizada com o resultado eleitoral das últimas eleições autárquicas. A actual crise de liderança, sendo inesperada do ponto de vista imediato, acaba por se inserir num contexto mais vasto de posicionamento dum partido com vocação de poder regional, remetido há dez anos para a condição de maior partido de oposição.
A crise do PSD, vista à luz do percurso que um partido de oposição tem de fazer para chegar ao poder, é quase incontornável. Aconteceu no PS dos Açores, antes da sua chegada ao poder e verifica-se em todos os partidos do arco democrático.

2. A especificidade regional – ou melhor, a especificidade das Regiões Autónomas – é que os ciclos de poder regionais – logo de oposição – têm uma duração muito superior à média nacional. Com excepção dos Governos de Cavaco Silva, apenas António Guterres conseguiu governar Portugal por um período de pouco mais de cinco anos. A longevidade dos ciclos de poder regionais desgasta brutalmente os partidos da oposição, quer pela própria natureza do tipo de poder exercido, quer pela circunstância do manto de quase-invisibilidade que se abate sobre os partidos na oposição. Como já escrevi, por diversas vezes até, um dos sinais da falta de qualidade da democracia nos Açores é que os factos oriundos do poder ou gerados pelo poder são sempre notícia, enquanto os da oposição sofrem dum acentuado desvalor mediático e comunicacional. Se dúvidas houvessem sobre esta matéria, bastaria confrontar a cobertura mediática dos trabalhos parlamentares regionais, com o conteúdo da sua transmissão integral, através do portal da Assembleia Legislativa.

3. Apesar das dificuldades inerentes à condição de partido de oposição, o PSD, em momentos de realização de congresso, continua a despertar na comunicação social e na opinião pública, uma curiosidade natural, em contraste com o que sucedeu, há bem poucas semanas, com o congresso dos socialistas açorianos. O PSD, talvez pela sua génese de partido interclassista e com uma forte penetração na sociedade, é o partido que consegue mais consegue mobilizar a atenção pública em momentos de congresso ou de eventos da mesma dimensão ou natureza.
Neste congresso, apesar duma crise de liderança, há em discussão cinco moções de estratégia global, o que constitui um bom indício dum debate a que os sociais-democratas não devem fugir: a de escolhas políticas para o futuro próximo, com o objectivo de consolidar uma alternativa de governo ao PS.

4. Por isso mesmo, a escolha da próxima direcção política do PSD não é indiferente, como nunca são indiferentes as escolhas em política. Não é indiferente escolher um ou outro candidato à liderança do PSD, como não será indiferente adoptar uma ou outra das moções que ambos subscrevem.
As ideias em política têm protagonistas e destinatários. Aos olhos dos destinatários – os Açorianos e todos os eleitores – a credibilidade das propostas políticas está indissociavelmente ligada ao rosto dos dirigentes que as interpretam e lhes dão corpo. O modo como os Açorianos olharão para o PSD após o congresso tem muito a ver com a personalidade escolhida para o liderar e liderar a oposição durante os próximos anos. Em tese, todos os militantes podem aspirar a liderar um partido e é legítimo que, tendo essa ambição, tudo façam para satisfazer. Porém, nem todos têm condições – pessoais, de percurso ou políticas – para serem líderes.
Um congresso não é um exercício de magia, no qual o mágico tira do chapéu o coelho que entusiasma a plateia e faz esquecer, por breves instantes, que tudo não passa duma ilusão.

5. As opções que se discutem neste congresso, são contingentes como o é a actividade política: do mesmo modo que ninguém pode dizer o que sucederá no próximo ano, no partido do poder ou no maior partido da oposição, também ninguém poderá dizer que o futuro seria deste ou daquele modo, se "aquela" personalidade se tivesse candidatado. A história virtual do futuro é interessante, mas não passa dum exercício especulativo.

Lembrando Cassius Clay, quando falava das qualidades dum boxeur, o PSD tem de sair deste congresso a voar como uma borboleta e a picar como uma abelha.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 14 DE NOVEMBRO DE 2005 DO AO

7.12.05

ACERTAR O TEMPO COM A HISTÓRIA




1. O espaço político-mediático do país já é dominado pelas eleições presidenciais, com a inevitável aceleração do tempo político, em resultado dos debates entre os candidatos e o início das "voltas" pelo país.

No ordenamento jurídico-constitucional português, o Presidente da República é o único órgão de soberania unipessoal, o que releva de modo especial para a escolha da personalidade que os eleitores desejam que ocupe essa função num mandato de cinco anos.

A eleição do Presidente da República não se presta às tradicionais confusões resultantes da personalização da vida político-partidária nacional em eleições legislativas (nacionais ou regionais): elegemos Deputados aos parlamentos ou escolhemos chefes de governo. Aqui não há dúvidas: os candidatos valem por si, pela sua personalidade, pelo seu percurso, por aquilo que podem oferecer ao País, mas sobretudo, em função da percepção que o eleitorado tem, num determinado momento do ajustamento de cada personalidade política ao circunstancialismo em que decorre a eleição. Parafraseando Ortega e Gasset, os candidatos são eles próprios e as suas circunstâncias.

2. A personalidade do candidato é sempre determinante numa escolha desta natureza. Podemos preferir um candidato para discutir connosco livros e viagens, ou preferir outro para caçar ou pescar, ou ainda outro para divagar sobre os problemas do mundo contemporâneo ou mesmo um outro para nos seduzir pela sua visão pessoal do mundo sobre as grandes narrativas ideológicas, mas apenas poderemos escolher um, sob o único prisma possível: o que gosto num Presidente da República? O que espero dum Presidente da República?

3. O passado político dos candidatos é relevante para a construção da ideia colectiva que o eleitorado deles faz e para a determinação dum sentido provável de voto. Neste domínio estão todos em pé de igualdade, com excepção de Mário Soares, que já foi Presidente da República durante dois mandatos. Sobre ele, o juízo eleitoral é bem mais esclarecido: resulta, não apenas, dum longo percurso político, mas dum percurso político que inclui o desempenho do cargo ao qual volta a candidatar-se.

O juízo eleitoral sobre a candidatura de Mário Soares é bem mais severo: o eleitorado já sabe como ele se comporta enquanto Presidente da República, sabendo, também, que o seu desempenho não foi igual durante os dois mandatos.

No seu segundo mandato, para que conste, a organização do "Congresso Portugal Que Futuro?" e a realização dum conjunto de presidências abertas cirurgias – de que foi expoente a presidência aberta em Lisboa - obedeceram a uma ideia pré-estabelecida: a de afrontar politicamente um Governo legítimo, dirigido pelo Primeiro-Ministro que hoje é um dos seus adversários na corrida presidencial.

O teórico da "magistratura de influência", foi, no seu segundo mandato, o Presidente da conveniência e não o garante da estabilidade do equilíbrio de poderes, entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro.

4. A minha opção nestas eleições presidenciais é absolutamente racional: apoio Cavaco Silva para Presidente da República, com a legitimidade acrescida de, no passado, ter discordado de algumas das medidas dos seus governos em relação aos Açores.

Porém, nestas eleições não escolhemos um Primeiro-Ministro, nem julgamos os comportamentos que já foram objecto de aplauso ou de sanção eleitoral.

Cavaco Silva, no momento difícil que Portugal atravessa, é o candidato que oferece uma garantia acrescida de serenidade e de distanciamento face à política partidária.

Cavaco Silva como Presidente da República funcionará como um estabilizador "automático" da vida institucional portuguesa, pelas características da sua personalidade.

Esse facto, por si, só é indutor duma confiança que há muito abandonou o Palácio de Belém.