25.1.05

ESTÁ ENGANADO, SENHOR PRESIDENTE!


O Presidente Jorge Sampaio, na sessão inaugural do Congresso da Cidadania, aproveitou para se pronunciar sobre a revisão constitucional de 2004, quanto ao sistema autonómico.

Para que não restem dúvidas sobre aquilo que disse o Presidente da República, cito textualmente o seu discurso (disponível para consulta integral em
www.presidenciarepublica.pt): "Pode dizer-se que a última revisão instituiu um sistema que, não sendo, como qualquer outro, perfeito, dificilmente pode ser alterado, pelo menos de forma substancial, sem provocar rupturas incompatíveis com a natureza de um Estado unitário com Regiões Autónomas. No domínio da racionalização do funcionamento do sistema político regional, das competências legislativas e da representação da República a última revisão constitucional foi até onde se pode legitimamente ir sem pôr em causa a subsistência do Estado unitário e do valor constitucional que representam as autonomias regionais."

Seguindo esta linha de argumentação, o Dr. Jorge Sampaio defende que a última revisão constitucional "sela de forma globalmente positiva um longo processo de evolução e maturação institucionais". Isto é, para o Presidente da República, o sistema autonómico dos Açores e da Madeira atingiu o seu último patamar de aprofundamento. A última revisão constitucional representa, para o Presidente da República, uma espécie de "nirvana" autonómico e constitucional. A partir daqui, de acordo com a perspectiva que defendeu, apenas resta a ruptura com o modelo de Estado unitário regional.

Mais uma vez o Presidente da República se equivoca!

Em primeiro lugar, o Dr. Jorge Sampaio parece ignorar que o sistema autonómico inscrito matricialmente na Constituição da República, logo em 1976, contém alguns elementos típicos dum Estado federado. Apesar da Constituição proclamar a República Portuguesa como um Estado unitário com regiões autónomas, a verdade é que a letra da lei foi conceptualmente ultrapassada quer pelo texto originário da Constituição, quer pelas sucessivas revisões constitucionais. A preocupação do Presidente da República quanto à unidade do Estado é excessiva e apenas se compreende porque o Dr. Jorge Sampaio nunca gostou desta revisão constitucional, o que agora deixou bem claro.

Em segundo lugar, declarar, como o fez o Presidente da República, que a evolução da autonomia está selada, é negar precipitadamente o carácter dinâmico do processo autonómico, entendido sempre como uma reivindicação da periferia em relação ao poder central. A natureza do poder político residente que a autonomia político-administrativa comporta, não se compraz com o obituário que o Dr. Jorge Sampaio lavrou. A autonomia, como todos os Açorianos e Madeirenses sabem, pressupõe sempre reivindicação do poder central.

Uma autonomia não reivindicativa é uma autonomia moribunda ou morta. Pode ser esta a autonomia do Dr. Jorge Sampaio. Não é a minha!

Em terceiro lugar, o Presidente da República esquece que não há processos legislativos perfeitos, nem sequer o de revisão constitucional. Porque a autonomia não se confunde com o exercício da governação ou com o desenvolvimento das ilhas, continua a haver espaço para a evolução do sistema autonómico, em áreas que a última revisão constitucional ignorou ou não resolveu bem.

Por todas estas razões, o PSD/Açores tinha razão quando, no seu Congresso – há quinze dias – defendia que o próximo Presidente da República, muito embora fosse o garante da unidade do estado, soubesse corporizar as "históricas aspirações autonomistas" dos Açorianos e dos Madeirenses.

19.1.05

OS POLÍTICOS AOS OLHOS DO POVO

O jornal Público publicou na sua edição de segunda-feira uma sondagem sobre a percepção dos portugueses sobre os políticos e sobre o comportamento dos partidos. Os resultados a que chegou o Centro de Sondagens da Universidade Católica não chegam a ser surpreendentes e – infelizmente – não reflectem apenas a atitude da sociedade portuguesa. Metade dos inquiridos está pouco ou nada interessada na política. Mais de cinquenta por cento ignora o nome dum Deputado ou cabeça de lista no respectivo círculo eleitoral. Mais de setenta por cento pensa que os partidos estão mais interessados nos votos, do que nas opiniões dos eleitores. Mais de metade dos inquiridos acha que os partidos "são todos iguais".

A sondagem revela ainda que, apesar de tudo, os jovens se interessam um pouco mais pela política e que são menos pessimistas do que os mais velhos.

Os cidadãos confiam pouco numa classe política que não conhecem. Os reflexos do divórcio entre os políticos e os cidadãos são ainda mais acentuados quando estamos em plena pré-campanha eleitoral para as eleições legislativas e os protagonistas dos vários partidos ganharam uma visibilidade mediática e uma notoriedade pública muito acima daquela que é obtida fora deste período. Quando se conhecem já as linhas gerais dos programas eleitorais dos principais partidos, o facto dos inquiridos acharem que "é tudo a mesma coisa" ou que "os partidos são todos iguais" provoca uma sensação equivalente a um murro no estômago.

É inquietante esta percepção dos portugueses de que não há distinções entre os partidos ou entre os dirigentes partidários. Então como se forma uma convicção eleitoral, determinante para o voto? Pela maneira como os políticos falam? Pelo seu "estilo" televisivo? Pelo ar "sério" ou "menos sério" que exibem?

Os portugueses, dum modo geral, não têm a classe política em boa conta, não apenas porque esta é uma atitude típica dos portugueses, mas também, porque a classe política persiste em comportamentos que a afastam da generalidade dos cidadãos.

Da linguagem fechada no "politiquês" corrente, à preocupação com o "sound-byte" para o noticiário seguinte, a atitude dos políticos leva-os a desvalorizar o contacto com as pessoas, a não ser nos momentos de campanha eleitoral, que entre nós ainda são feitas segundo um modelo desajustado às novas realidades.

São frequentes as afirmações de que "ninguém lê" os programas eleitorais e que importa é ter "duas ou três ideias" fortes para convencer os eleitores. De eleição para eleição os índices de abstenção aumentam, porque os eleitores se apercebem que as promessas eleitorais feitas na oposição, passam rapidamente ao capítulo das meras intenções, uma vez no poder.

O problema não está no sistema eleitoral, mas nos comportamentos dos políticos e dos cidadãos em geral. Os primeiros porque se vão afastando das pessoas e o segundos porque não cultivam uma atitude de cívica exigência em relação aos seus representantes.

Por outro lado, as instituições, em particular os parlamentos, também não fazem um esforço para se abrirem aos cidadãos, permitindo-lhes acompanhar melhor a sua actividade. Se repararmos bem – a não ser nos casos de petições que reúnam o número de assinaturas necessárias para serem discutidas no plenário ou nas situações de consulta obrigatória, como sucede com as leis laborais – o parlamento nunca ouve os cidadãos. Estranho, não é?

Numa altura em que nos Açores debatemos o sistema eleitoral, será bom ponderarmos que alterar as leis eleitorais, sem reformar as instituições e sem um esforço de aproximação dos políticos aos cidadãos, de pouco valerá.

12.1.05

O PSD E UMA NOVA DEFINIÇÃO POLÍTICA



O PSD realiza no próximo fim-de-semana o seu XV Congresso Regional, destinado a eleger uma nova direcção política e aprovar uma estratégia política diferente, depois da derrota eleitoral de 17 de Outubro.

O congresso tem um carácter extraordinário e é um pressuposto para a recandidatura de Victor Cruz à liderança do PSD/Açores. Não poderia, aliás, ser de outro modo. Depois da inesperada expressão da derrota e da demissão do líder do PSD na noite eleitoral, a sua relegitimação política apenas poderia ocorrer num congresso.

Em política, como os últimos acontecimentos se têm encarregue de confirmar, as coisas acontecem, por vezes, de modo diferente daquele que os partidos pretendem. Se o PSD pudesse escolher um outro calendário para a realização do congresso, por certo que o faria. Porém a realização do congresso nesta data tem de servir para a reafirmação do PSD como um partido de alternativa política, com vista às eleições regionais de 2008.

A expressão política do PSD, apesar de 17 de Outubro, não está confinada ao poder local: o PSD é, felizmente muito mais do que isso. As sucessivas vitórias do PSD em eleições autárquicas comprovam a qualidade dos autarcas sociais-democratas e a mais-valia que a governação destes autarcas representa para cada comunidade. Sendo o maior partido no poder local, o PSD tem, contudo, uma natural vocação de poder regional que as últimas eleições não desvaneceram.

Nas últimas eleições os açorianos preferiram o projecto político do PS à alternativa liderada pelo PSD, no âmbito duma coligação pré-eleitoral. Ao perder as eleições, a coligação falhou o seu objectivo de governar os Açores. O PSD deve encarar de frente esta opção do eleitorado, escrutiná-la e avançar em direcção ao futuro, ao invés de ficar a olhar para trás a carpir mágoas eleitorais.

Os açorianos vão olhar para este congresso, como o momento para avaliarem se o PSD é capaz de se regenerar politicamente, com novos protagonistas e novas propostas políticas para o futuro. Grande parte da capacidade reformista do PSD da sua liderança dum projecto de alternativa política passa pelo sucesso deste congresso. Não havendo discussões quanto à liderança partidário, constitui um momento por excelência para olhar os Açores do futuro.

Sem abandonar a coerência dos seus princípios, sem renegar o seu passado político, sem deixar de se rever na governação dos Açores que exerceu, o PSD tem de saber interpretar um novo protagonismo na sociedade açoriana, liderando a oposição à governação do Partido Socialista, dentro e fora do parlamento.

Neste pressuposto, o PSD deve auscultar com regularidade a sociedade civil e transformar o resultado dessas auscultações em iniciativas legislativas que permitam identificar um modo diferente de dar resposta aos problemas e que constituam, elas próprias, soluções de alternativa política.

A afirmação e consolidação da Autonomia, enquanto solução para o auto-governo dos Açores tem de ser uma das preocupações permanentes do PSD que. A revisão do Estatuto Político-Administrativo é um momento para o PSD apresentar aos Açorianos uma nova solução institucional da Autonomia, mais ousada, com um leque de competências mais alargado, sem qualquer receio do que possam pensar as direcções partidárias de Lisboa.

O processo autonómico é mesmo assim: é feito do confronto, do desejo e da ambição. Convém, aqui, recordar que a defesa da autonomia não se limita à acção de governar. Disse-o no parlamento regional e repito-o aqui: ninguém é dono da Autonomia!

4.1.05

A EUROPA SOB O SIGNO DO FUTURO


Iniciou-se esta semana a presidência luxemburguesa da União Europeia. Durante o próximo semestre, o Primeiro-Ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, enfrenta problemas estruturais que condicionam o futuro próximo da União em três dossiês: o orçamento pluria-anual da União para 2007-2013, a revisão do pacto de estabilidade e crescimento (PEC) e o relançamento da Estratégia de Lisboa.

O semestre da presidência luxemburguesa é essencial para apurar da coesão do projecto de construção europeia e da solidez dos interesses comuns. A história recente da União demonstra que os avanços acontecem como resultado do choque entre os egoísmos nacionais dos estados membros e a solidariedade comum.

A discussão das perspectivas financeiras, não sendo nova, adquire – desta vez – contornos diferentes, na medida em que a União precisa de recursos financeiros acrescidos para responder ao alargamento para dez novos membros e possibilitar a aproximação dos países menos desenvolvidos (agora em maior número) aos níveis de desenvolvimento médio da União.

A tensão política decorre do facto do clube dos maiores contribuintes para o orçamento comunitário – Alemanha, Áustria, França, Holanda, Reino Unido e Suécia – pretenderem reduzir os montantes do seu financiamento, tomando como limite da despesa o valor de 1% do PIB. Por seu lado, a Comissão pretende que este valor seja 1,26% do PIB. A diferença entre um e outro situa-se em 200 mil milhões de euros (cada centésima percentual negociada, corresponde a cerca de 10 mil milhões de euros, no período de sete anos).

Não se trata aqui duma disputa entre os mais ricos e os mais pobres da União, mas do equilíbrio – diria mesmo, desenvolvimento harmónico, para utilizar uma expressão que bem conhecemos nos Açores – entre as várias parcelas dum todo e entre as necessidades estruturais de desenvolvimento. Há agora novos países que precisam dum especial auxílio para o seu desenvolvimento; há outros membros mais antigos, como Portugal ou a Grécia que ainda estão muito longe dos níveis médios de desenvolvimento europeu e que não podem perder os apoios comunitários, que representam uma substancial fatia dos seus recursos; há os que já não precisam tanto de infra-estruturas rodoviárias, portuárias e outros que, sozinhos, não conseguem construí-las. Há, depois, no cumprimento da Estratégia de Lisboa, uma opção de fundo quanto à valorização e qualificação dos recursos humanos e a uma aposta na generalização das novas tecnologias.

A presidência luxemburguesa vai precisar de sensibilidade e bom senso para construir uma solução de equilíbrio – a palavra é mesmo essa – tendo pelo meio a revisão das regras do PEC. Aqui, vamos assistir ao confronto entre aqueles países – como Portugal ou a Itália – com desequilíbrios crónicos na despesa pública que pretendem maior flexibilidade e os outros – do clube dos contribuintes líquidos para o orçamento – que pretenderão que certas despesas não contem para o cálculo do défice, escudando-se na sua qualidade de maiores contribuintes para o orçamento comum.

A revitalização da Estratégia de Lisboa também enfrenta dificuldades. Definida em Lisboa, em 2000, preconizava transformar, até 2010, a economia europeia na mais competitiva do mundo. Depois da crise económica, do alargamento para 25 membros e da emergência de novas potências asiáticas, os cinco anos que restam não parecem muito tempo. Como resulta do relatório do Grupo de Alto Nível, liderado por Wim Kok, a agenda de Lisboa apenas poderá ter sucesso se forem efectuadas reformas pouco populares: alterações orçamentais, fiscais, laborais e na política ambiental.

A cimeira da Primavera é decisiva para o nosso futuro comum.