25.10.05

CONSTRUIR UMA ALTERNATIVA POLÍTICA


1. A demissão de Victor Cruz, após um acto eleitoral em que o PSD/Açores foi bem sucedido nos seus propósitos e objectivos eleitorais, vem lançar o partido numa nova crise de liderança cujos contornos ainda são indefinidos. Muito embora tal facto já não seja relevante, importa sempre assinalar que foi com o mesmo líder que o PSD foi capaz do melhor e do pior, quanto a resultados eleitorais: vitória nas autárquicas e derrota nas legislativas nacionais e nas anteriores regionais; derrota nas europeias e vitória nas legislativas nacionais, nas quais o próprio líder do PSD foi cabeça de lista; por fim, vitória nas quase longínquas autárquicas de 2001.
Ao longo de cinco anos, Victor Cruz federou as várias sensibilidades do PSD, agregou à sua volta novos e velhos dirigentes e procurou construir uma alternativa política ao poder socialista na Região. Não foi bem sucedido no plano regional, o que – de acordo com a história e a ciência política – acabou por traçar o seu destino político imediato.
O PSD e os seus dirigentes têm uma dívida de gratidão para com Victor Cruz que é justo assinalar.

2. Com a realização dum congresso extraordinário, os sociais-democratas escolherão um novo líder, para conduzir os destinos do PSD. O primeiro grande desafio que se coloca ao PSD é o de se assumir como alternativa e como um partido de alternativas políticas ao PS.
A crise de liderança não determina o fim do PSD, ao contrário do que o PS poderia secretamente desejar, como resulta da crescente tendência hegemónica que diariamente exibe em todos os sectores da sociedade.
A alternativa política que o PSD tem de assumir passa pela denúncia e combate à quase-mexicanização da vida política e social dos Açores.

3. O PSD tem de protagonizar uma luta sem quartel pela qualidade da democracia nos Açores: pela qualidade da democracia no parlamento, transformado pela maioria socialista num centro de poder simbólico, no qual exibe o seu cansaço pelos debates, impondo pela força dos votos a sua vontade; pela qualidade dos protagonistas políticos a todos os níveis, que não devem exibir na vida política virtudes que a sua vida privada não autoriza; pela qualidade e diferença das propostas políticas que simbolizem uma maneira diferente de olhar a sociedade, de resolver os problemas das pessoas e traduzam uma outra maneira de governar os Açores; pela qualidade da sua intervenção na sociedade, de modo a que os eleitores reconheçam o PSD e os seus dirigentes como arautos duma mudança política.

4. No fundo, o PSD precisa duma nova atitude política, depois dum inevitável período de "nojo" após as eleições regionais de 2004. O aggiornamento do PSD entronca numa nova forma de abertura à sociedade civil, de relacionamento com os poderes que dela emanam, de entendimento sobre os anseios das pessoas, em especial, dos que se querem expressar e não o fazem por medo ou receio. A cultura de liberdade – causa pela qual vale sempre a pena lutar, mesmo nos Açores do século XXI – tem de ser um imperativo ético dum partido social democrata que também não pode ter receio de assumir rupturas na sociedade açoriana, em domínios como a educação, a saúde ou a organização do Estado.

5. Uma palavra, aqui, para me referir a um aspecto essencial para a nossa vida enquanto comunidade política organizada: a revisão do Estatuto Político-Administrativo. O processo de revisão da nossa "lei fundamental" não deve ser um processo pastoso, no qual se confundam as propostas do PSD e do PS, sobretudo porque o PSD tem um património quanto ao aprofundamento da autonomia que não pode, nem deve abandonar, sob pena de se negar a si próprio.
Por isso mesmo, o PSD deve apresentar – para provocar um amplo debate público – a sua própria proposta de revisão do Estatuto, sem prejuízo, das conversações que possa manter com o PS quanto à revisão do Estatuto e do diálogo com outras forças políticas com assento parlamentar.

6. O próximo congresso do PSD terá de ser o congresso duma inevitável clarificação. Não entre uma nova e uma velha geração, como alguns querem fazer crer, mas entre atitudes e modos de fazer política.

O congresso do PSD não será o congresso da eleição dum líder de transição, porque esta é apenas a tese daqueles, poucos, preocupados com o esgotamento do seu próprio tempo. Será sim, a transição para uma nova fase, para um novo tempo.

19.10.05

AS TRAPALHADAS DO GOVERNO SOCIALISTA



A INACEITÁVEL PRIVATIZAÇÃO DO AMBIENTE - De maneira discreta, o Governo Regional dos Açores apresentou à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores uma proposta de Decreto Legislativo Regional para criar mais uma sociedade anónima, desta vez na área do ambiente, com a designação de "Natureza Viva – Sociedade de Planeamento, Gestão e Requalificação Ambiental, SA".
Ao contrário do que sucedeu no passado com outras iniciativas similares, o Governo transfere para uma sociedade - que prevê abrir a capitais privados – uma área essencial dos poderes públicos: a gestão e ordenamento do território e do ambiente, nas bacias hidrográficas (lagoas e outras) de toda a Região.

O Governo e maioria parlamentar que o apoia conferem a esta sociedade comercial poderes de autoridade inusitados: requerer a expropriação por autoridade pública, utilizar e administrar os bens do domínio público e privado da Região, concessionar a ocupação ou o exercício de qualquer actividade no domínio público, exercer os poderes da Região quanto à ocupação, demolição, desocupação ou defesa da posse de terrenos ou instalações nas bacias hidrográficas.
Como se estes poderes não bastassem, a esta sociedade são ainda conferidos poderes para elaborar os planos especiais de ordenamento do território, ao arrepio do que dispõe a lei geral nesta matéria, provocando uma indesejável confusão no processo de elaboração deste tipo de planos. Em condições normais, neste domínio, a Administração abre um concurso para que empresas da especialidade elaborem uma proposta de plano, a aprovar ou não pela Administração (Câmara Municipal ou Região).

Na pressa de privatizar o ambiente e empresaliarizar o ordenamento do território, em nome da "gestão das finanças públicas" o Governo e a maioria socialista, indiferentes às críticas, acabam por criar um pequeno monstro jurídico.

A AMIZADE FUGIDIA DE LISBOA – A proposta de orçamento para 2006, apresentada pelo Ministro das Finanças não assegura o cumprimento de nenhumas das reivindicações do Governo Regional dos Açores quanto ao financiamento da Região para o próximo ano. O nível de transferências financeiras ao abrigo da Lei das Finanças das Regiões Autónomas mantém-se ao nível deste ano (232,5 milhões de euros), sem qualquer crescimento, demonstrando que o Governo da República de José Sócrates trata a Região como se dum qualquer ministério do seu Governo se tratasse.

Quanto às sempre invocadas dívidas da República à Região, por conta de acertos fiscais, a verdade é que a proposta de OE não consagra um único cêntimo para o seu pagamento.

A proposta de OE para 2006 é o espelho da cooperação que os Açores podem esperar do Governo do “amigo” do PS açoriano. Perante o evidente embaraço resultante desta situação, o Presidente do PS apressou-se a declarar que os Deputados socialistas na Assembleia da República poderiam não votar com os seus colegas o orçamento na forma em que foi publicamente apresentado.

Os processos de discussão dos orçamentos constituem, historicamente, momentos de tensão dialéctica entre as Regiões Autónomas e a República. Esta proposta de OE, por ser a primeira preparada pelo Governo de José Sócrates representa, de modo especial, um indício seguro quanto à interpretação do modelo de relacionamento financeiro da República com os Açores e a Madeira.

As virtudes da tão gabada cooperação com um Governo da República da mesma cor política, afinal não passam de truque político dum mágico cansado.
Publicado na edição de hoje do Açoriano Oriental

16.10.05

AUTÁRQUICAS – A VITÓRIA DE TODOS?


I – A VITÓRIO DO PSD


Tradicionalmente, entre nós, os resultados eleitorais são sempre propícios às mais variadas interpretações que, no limite, ousam transformar derrotas ou "não vitórias", como alguns dizem, em derrotas eleitorais, utilizando e abusando da famosa fórmula que consigna a vitória de "secretaria" importada directamente da linguagem futebolística.

Podendo parecer uma evidência, não é demais salientar que na noite de 9 de Outubro o grande vencedor é Victor Cruz e o grande derrotado é Carlos César.

Neste mesmo jornal escrevi, muito antes das eleições autárquicas: "As recentes intervenções do líder regional do PS apontam para que os socialistas açorianos tenham uma reduzida expectativa eleitoral. Publicamente, Carlos César já disse (e cito de memória) que o PS ao contrário de outros partidos, não "é um partido que se reduza à dimensão autárquica", num claro ataque ao PSD, bem sabendo que – salvo um imprevisível cataclismo político – o PS perderá as eleições de Outubro".

Pela dimensão de ambos os partidos, pelo facto de ambos serem partidos de alternativa de poder na Região, é natural que o primeiro nível de análise das eleições do passado dia 9 seja o da contabilização dos resultados eleitorais, de acordo com as metas eleitorais que cada um dos partidos definiu.

O PSD definiu para estas eleições o objectivo de ter mais votos, mais mandatos e mais Câmaras Municipais do que os seus adversários. O objectivo foi atingido em toda a linha, a começar pelo número de votos, já que o PSD obteve mais 4.100 votos do que o PS.

Há nove anos no poder, o PS fracassou no objectivo de conquistar a maioria das Câmaras da Região, tendo averbado uma nova derrota, depois de ter conquistado uma reforçada maioria absoluta há menos de um ano atrás. É certo que os socialistas ganharam mais três Câmaras Municipais, duas delas em espaço citadino. Porém, o crescimento eleitoral do PS não chega para disfarçar a derrota, palavra que o líder socialista evitou cuidadosamente pronunciar na noite eleitoral.

A vitória do PSD é a vitória duma estratégia serena que permitiu a recandidatura de autarcas que, na sua generalidade, não só ganharam, como, nalguns casos, obtiveram nestas eleições os melhores resultados de sempre para as suas candidaturas, como sucedeu com Berta Cabral, Rui Melo, José Carlos Carreiro ou Francisco Álvares.

É verdade que, no caso da Ribeira Grande, tal estratégia não frutificou. Contundo, uma análise mais detalhada ao nível da sociologia eleitoral, poderá encontrar outras explicações para a derrota do PSD que não apenas no terreno da simples disputa eleitoral autárquica.

Ao fim de trinta anos de democracia, apenas agora o PS ensaia uma implantação autárquica, muito embora continue a ser um partido sem vocação de poder local.


II – A FALSA RURALIZAÇÃO DO ELEITORADIO SOCIAL-DEMOCRATA


Uma leitura simplista do resultado eleitoral tenderá a acentuar um equívoco, directamente importado da análise nacional: a de que o PSD se ruralizou e o PS se urbanizou. A utilização destes conceitos não parece enquadrar-se muito bem na nossa realidade, pois bastará pensarmos que, por exemplo, na cidade da Ribeira Grande, a freguesia eleitoralmente mais importante é profundamente rural (Rabo de Peixe) ou que o centro da Madalena do Pico é uma pequena urbe, de serviços, comércio ou sector terciário.

O PS ganhou em duas novas cidades. Mas isso, por si só, não significa que o eleitorado social-democrata se tenha acantonado no espaço rural, com excepção de Ponta Delgada. Mesmo no maior concelho da Região, há uma clara diferenciação entre freguesias da malha urbana e freguesias de cariz mais rural.

A realidade geográfica e sociológica dos Açores é bem mais complexa do que o esteriótipo "rural/citadino", o que leva a afastar a simplicidade analítica desta contraposição.

Houve sim, nestas eleições, um envolvimento sem precedentes de membros do Governo Regional – certamente nas suas funções de dirigentes partidários – que elevou o padrão do combate eleitoral a níveis sem precedentes no passado. A história foi-se repetindo de concelho para concelho, com o envolvimento directo destes dirigentes, tirando do bolso as promessas mais convenientes, as soluções milagrosas para velhos problemas e a imediata resolução de "dossiês" que se arrastam há anos pelas repartições oficiais.

O combate nestas eleições foi, em larga medida, desigual, pois acabou por ser contra o PS e contra o PS-no-poder. Apenas este facto pode explicar, por exemplo, que José Pedro Cardoso tenha ganho em Angra do Heroísmo com uma votação superior à de Sérgio Ávila, quando, ao mesmo tempo, o PSD aumenta o seu resultado.

III – A COOPERAÇÃO ENTRE O GOVERNO E OS MUNICÍPIOS

Depois do discurso do Presidente do PS durante esta campanha, durante a qual, não apenas criticou duramente os autarcas sociais-democratas, acusando-os de serem um travão ao desenvolvimento dos seus concelhos ou de se preocuparem apenas com exercícios de propaganda, como também enalteceu as virtudes da sintonia de cor política entre os Municípios e o Governo Regional, a vitória do PSD eleva o grau de exigência da observação do comportamento do Governo na sua relação com as Câmaras Municipais.

A tentação dos socialistas deverá ser enorme: cooperar mais com os municípios socialistas, em particular na Ribeira Grande e na Praia da Vitória, para demonstrar a suposta excelência da sintonia política.

Contudo, em democracia, depois dum acto eleitoral, há que respeitar a vontade do povo. O Governo está, por isso mesmo, especialmente obrigado a cooperar com todos os Municípios, ao contrário do que sucedeu ao longo dos últimos quatro anos.

Por muito que custe aos dirigentes socialistas, a verdade é esta: o PSD ganhou e o PS foi derrotado em 9 de Outubro.
JORNAL DOS AÇORES - EDIÇÃO DE 17 DE OUTUBRO DE 2005