27.9.06

FINANÇAS - OS VOLÁTEIS DO GOVERNO REGIONAL

"Dois pesos e duas medidas" é a expressão que caracteriza a atitude do Governo Regional perante dois diplomas essenciais para os Açores no domínio financeiro: a Lei das Finanças Regionais e a Lei das Finanças Locais.

A solução final de cada uma destas leis não pode ser indiferente para o poder político nos Açores: uma má lei é sempre uma má lei, independentemente de quem esteja no poder em Lisboa. Uma boa lei é uma boa lei, independentemente de quem governe nos Açores.

O que se acaba de escrever só não é uma evidência, porque a atitude da maioria socialista na Assembleia Legislativa se encarregou de o desmentir. O PS, por um lado, aplaude – mais rápido do que a sua própria sombra e com a agilidade dum certo cowboy solitário - através do seu líder parlamentar, a última versão da Lei das Finanças Regionais, considerando-a uma vitória para os Açores; por outro lado, recusa criticar o Governo de Lisboa a propósito da Lei das Finanças Locais e aprovar um voto de protesto apresentado pelo PSD, quando é evidente que a nova lei proposta pelo Governo do Eng. Sócrates é fortemente penalizadora para as finanças locais, a partir de 2009.

Depois duma extemporânea declaração do Vice-Presidente do Governo Regional declarando que a nova lei é "favorável às autarquias açorianas", o Governo afasta-se discretamente da defesa das autarquias locais e da sua posição inicial, remetendo o problema das finanças autárquicas para as negociações nacionais entre o Governo da República e a Associação Nacional de Municípios.

A recusa do PS em protestar contra esta iniciativa do Governo de Lisboa significa que os socialistas açorianos desistiram de lutar pelos interesses açorianos. Abandonaram o campo de batalha a meio do combate, numa desistência incongruente e incompreensível: a legitimidade de ambos os poderes (regional e autárquico) assenta na mesma escolha livre e soberana do povo e que for bom para as autarquias açorianas é bom para os Açores.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 27 DE SETEMBRO DO AÇORIANO ORIENTAL

A EUROPA CONNOSCO?

O velho slogan da "Europa connosco" tem de interpretado à luz da recente jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 6 de Setembro e que julgou improcedente um recurso do Estado português quanto a uma decisão da Comissão sobre alguns aspectos fiscais objecto de Decreto Legislativo Regional aprovado pelo parlamento açoriano. Em causa está a redução de 30% nas taxas de IRC aplicadas na Região às empresas integradas no sector financeiro e bancário e às que prestam serviços dentro do mesmo grupo empresarial.

A decisão do Tribunal de Justiça confirma o entendimento da Comissão de que esta redução fiscal constitui um "auxílio de Estado", proibido pelo artigo 87º do Tratado da União.

Da leitura do acórdão resulta que a Comissão considera a autonomia dos Açores limitada, num entendimento que o Tribunal confirmou e que o Estado português não conseguir contrariar no decurso de todo o processo. O advogado-geral sustenta este ponto de vista assim:"a decisão essencial é a de saber se a taxa de imposto inferior decorre de uma decisão adoptada por uma autoridade local verdadeiramente autónoma em relação ao Governo central do Estado membro. Importa observar que, por verdadeiramente autónoma, entendo autónoma do ponto de vista institucional, processual e económico".

Muito embora esta concreta decisão esteja limitada à matéria fiscal no seu confronto com os "auxílios de Estado", a verdade é que a jurisprudência comunitária traça um entendimento perigoso quanto às relações das autonomias com o Estado e destas com a União Europeia.

Do acórdão tira-se que o Estado português não soube defender bem o grau de autonomia concedido às Regiões Autónomas em matéria fiscal, na sequência da aprovação da Lei das Finanças Regionais, permitindo mesmo que as transferências financeiras inscritas em cada orçamento de Estado a favor dos Açores e da Madeira, em nome do princípio da solidariedade nacional, fossem interpretadas em desfavor das autonomias regionais.

Esta decisão do Tribunal de Justiça, para além de infeliz, inicia uma jurisprudência restritiva quanto às autonomias regionais que deve ser combatida no plano legislativo e político.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 20 DE SETEMBRO DO AÇORIANO ORIENTAL

13.9.06

PARLAMENTO, REFORMA E MODERNIDADE (II)


Iniciei, na semana passada, uma breve reflexão sobre a reforma do funcionamento da Assembleia Legislativa, na espuma da comemoração da data da instalação da então designada Assembleia Regional.

O sistema político regional é de natureza parlamentar como é comum assinalar-se entre os constitucionalistas. Apesar duma certa evidência quanto à especial relação entre o Parlamento e o Governo no plano teórico, a verdade é que nem o regimento da Assembleia Legislativa nem o próprio Estatuto Político-Administrativo o reflectem.

Se o Parlamento, em geral, exerce uma fiscalização política sobre o Governo, este poder deve ter uma expressão diferente num sistema parlamentar, sobretudo quando - como agora sucede após a última revisão constitucional – o Governo Regional é exclusivamente responsável perante o Parlamento.

Por isso mesmo, o elenco das Comissões deve ser alargado, de modo a espelhar um amplo processo de acompanhamento e de fiscalização da actividade do Governo e da Administração, abrangendo áreas novas, como a segurança, as relações exteriores, o mar ou dando tradução institucional aos assuntos europeus, cada vez mais determinantes no nosso dia-a-dia. O regime das comissões de inquérito deve ser aproximado ao regime das suas congéneres na Assembleia da República, com atribuição de poderes de natureza judiciária. Por outro lado, a prestação de esclarecimentos perante uma Comissão Parlamentar deve ser encarado com naturalidade pelos membros do Governo e não constituir uma excepção. A deslocação dos Secretários Regionais ao Parlamento, não pode ficar-se pela rotineira ida na fase de discussão do plano e do orçamento ou da apresentação dum qualquer diploma.

O início de cada ano parlamentar (sessão legislativa) deveria ser marcado sobre um debate sobre política geral, com a presença do Presidente do Governo e no qual o Governo Regional apresentaria as suas opções políticas, sujeitando-se ao escrutínio político parlamentar e ao confronto com a oposição. Do mesmo modo, no final de cada sessão legislativa deveria ocorrer, um debate sobre o “estado da região”, durante o qual o Presidente do Governo faria o balanço da acção governativa, sujeitando-se – aqui também – ao debate parlamentar.

Reformar a Assembleia Legislativa deixou de ser uma opção para se tornar uma exigência democrática.
PUBLICADO NA EDIÇÃO DE HOJE DO AÇORIANO ORIENTAL

8.9.06

PARLAMENTO, REFORMA E MODERNIDADE (I)


A Assembleia Legislativa assinalou, em sessão solene, o 30º aniversário da instalação do primeiro parlamento democraticamente eleito.

A ocasião pode, e deve, servir para olhar criticamente o funcionamento do parlamento regional ao longo da nossa história. Ao longo de trinta anos, muita coisa mudou nos Açores e no modo como os partidos, os Deputados e o Governo Regional devem executar o trabalho parlamentar. Algumas das soluções de há trinta anos já não servem para o exercício do mandato de Deputado que se deseja mais eficaz e mais próxima dos cidadãos.

Trinta anos depois, é tempo de reformar profundamente o parlamento dos Açores, com ousadia e sentido de mudança.

A Assembleia Legislativa tem de reunir mais vezes em plenário, assegurando que o debate político se faz no parlamento, com tempo e oportunidade. Apesar de, hoje, o parlamento reunir mais vezes do que há trinta anos, a verdade é que ainda reúne pouco e com reduzido espaço para o debate político. A actividade parlamentar não pode ficar prisioneira da agenda legislativa. O debate sobre as grandes questões regionais e os pequenos problemas de ilha ou concelhios têm lugar numa assembleia parlamentar de dimensão regional. Diminuir o debate ou limitá-lo a uma semana por mês traduz uma inaceitável desvalorização do confronto político, afinal a essência da democracia.

O trabalho das comissões deve ser aberto ao público e à comunicação social, de modo a ser integralmente escrutinado. Também as comissões parlamentares, por princípio, devem disponibilizar-se para ouvir os cidadãos a propósito de todos os diplomas em discussão, em sessões de trabalho públicas e especialmente organizadas para o efeito.

A experiência tem demonstrado que é possível reduzir o número de Deputados em cada comissão (dos actuais 11 para 9), ganhando-se em eficácia nos trabalhos e combatendo o recurso à frequente substituição dos parlamentares nas reuniões.

Por outro lado, algumas das reuniões de comissão poderiam realizar-se com recurso a videoconferência, com evidente poupança de recursos e maior eficiência no trabalho parlamentar.
PUBLICADO NO AÇORIANO ORIENTAL, EM 6 DE SETEMBRO DE 2006