Acompanhei o sentido de voto do meu Grupo Parlamentar na audição à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores sobre a Proposta de Lei nº 169/X – Aprovação da Terceira Revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, sublinhando, nesta declaração de voto, o privilégio de ter participado, como Deputado eleito pelo povo açoriano, nos frutuosos trabalhos das Comissões e Sub-Comissões Parlamentares que, nesta legislatura, prepararam a reforma do nosso Estatuto Político-Administrativo, que agora aguarda a votação final global na Assembleia da República.
O culminar deste processo confirma o acerto da opção política tomada quanto à revisão do Estatuto Político-Administrativo, sem esperar por uma futura e incerta revisão constitucional.
Os Açores dão, agora, um passo no aprofundamento da Autonomia, como solução de auto-governo, no actual quadro constitucional aberto pela revisão constitucional de 2004.
É assim que devemos olhar para este processo, com a grandeza que o serviço aos Açores e ao seu povo impõe e nunca com a estreiteza de horizontes de quem possa confundir uma parte com o todo ou as questões de intendência com as opções políticas substantivas.
O povo açoriano – sim, o povo açoriano, “este povo que nasceu do mar”, no verso feliz de João de Melo – pode confiar numa nova geração de políticos dos Açores que, com determinação, querem a autonomia ambiciosamente progressiva e não modestamente dinâmica.
Sem que alterações de especialidade ponham em causa um sentimento geral de aprovação da Proposta de Lei agora em audição, a verdade é que algumas das alterações aprovadas são pálidas soluções, no plano político e jurídico, revelando temores que julgava afastados, num tempo de maturidade autonómica.
Pela sua especial consequência futura, não posso deixar de assinalar a minha discordância em cinco aspectos, alguns dos quais mereceram o acordo do PSD.
No domínio da competência legislativa própria (artigo 36º), a formulação adoptada é manifestamente infeliz e não permite uma clara interpretação da extensão da competência legislativa própria da Região, ao impor como limite negativo as meterias que “não estejam constitucionalmente reservadas aos órgãos de soberania”. Na minha perspectiva, as matérias reservadas aos órgãos de soberania são apenas aquelas compreendidas na reserva legislativa da Assembleia da República (artigos 161º, 164 e 165º) e competência do Governo (artigo 198º, nº 2) da Constituição.
A formulação jurídica utilizada aqui, parece-me insuficiente para afastar a jurisprudência do Tribunal Constitucional – que, quanto às Regiões Autónomas, parece ignorar a letra e o sentido das sucessivas revisões constitucionais – que sempre fez uma interpretação extensiva do conceito de “matérias reservadas”, ampliando o seu âmbito até a matérias que, em nome do carácter unitário do Estado e dos laços de solidariedade entre os portugueses, exigiam a intervenção do legislador nacional.
Já após a revisão constitucional de 2004, o Acórdão 258/07, do Tribunal Constitucional, manteve a interpretação extensiva do conceito de “matérias reservadas”.
Se é verdade que esta interpretação extensiva não se harmoniza com o sentido geral da revisão constitucional de 2004 ou com a possibilidade das Assembleias Legislativas legislarem em matéria de reserva legislativa da Assembleia da República, mediante autorização desta, não é menos verdade que se perdeu uma oportunidade para a confirmação do sentido da revisão constitucional de 2004.
O princípio da preferência do Direito Regional, rejeitado pelo centralismo jacobino e arreigado, transformado em “supletividade da legislação nacional”, revela a modéstia da maioria que o impôs.
O exercício do poder legislativo pela Assembleia Legislativa goza de preferência sobre as normas supletivas editadas pelos órgãos de soberania.
A supletividade recortada nesta Proposta de Lei não pode ser interpretada como cláusula de atribuição de competências à Assembleia da República ou ao Governo, não autorizando a emissão de normas pelo Estado para vigorarem no território da Região, em matérias de exclusiva competência regional, enunciadas no Estatuto.
A formulação original do artigo 14º era juridicamente mais precisa e simbolicamente mais consentânea com a interpretação do processo autonómico conferida pelo povo açoriano.
Em vários artigos – como o votos do PS e do PSD - renasceram as expressões “interesses predominante regionais” (artigo 113º, nº 2), “especial incidência” (artigo 113º, nº 3), “implicações especiais” (artigo 118º, nº 2, aliena a)) que, conceptualmente recordam as declinações do conceito de interesse específico, eliminado pela revisão constitucional de 2004.
A Proposta de Lei dispensava – como sucedia na versão originária aprovada pela Assembleia Legislativa – esta indesejada aproximação que convoca velhos fantasmas interpretativos.
Lamento que, quanto à organização judiciária nos Açores, a maioria socialista, tenha rejeitado a consagração estatutária da existência tribunal de segunda instância na Região.
Os cidadãos, nos Açores, poderiam ter uma justiça mais próxima e mais célere com um tribunal de segunda instância.
Por último, uma breve referência ao aditamento de dois artigos, reproduzindo disposições constitucionais quanto ao Representante da República.
O Representante da República não é um órgão de governo próprio da Região. As suas atribuições e competências estão fixadas na Constituição da República e na Lei que define o seu próprio estatuto.
O Representante da República é uma figura esdrúxula na organização do poder político em cada Região Autónoma.
As disposições aditadas são inúteis para a caracterização das atribuições e competências do Representante da República e não deveriam figurar no Estatuto Político-Administrativo.
A imposição destes dois artigos é um acto quixotesco da maioria socialista.
Desejo que algumas das soluções agora introduzidas na Proposta de Lei não pervertam o seu sentido original nem representem um retrocesso indesejado, por via interpretativa ou jurisprudencial.
Porque acredito numa autonomia progressiva, tendo como limite apenas a unidade do Estado, sei que daremos, no futuro, outros passos no caminho duma melhor governação dos Açores pelo seu povo, reafirmando sempre a divisa inscrita no nosso brasão de armas: “antes morrer livres, do que em paz sujeitos”.
Horta e Sala das Sessões, 21 de Maio de 2008
O culminar deste processo confirma o acerto da opção política tomada quanto à revisão do Estatuto Político-Administrativo, sem esperar por uma futura e incerta revisão constitucional.
Os Açores dão, agora, um passo no aprofundamento da Autonomia, como solução de auto-governo, no actual quadro constitucional aberto pela revisão constitucional de 2004.
É assim que devemos olhar para este processo, com a grandeza que o serviço aos Açores e ao seu povo impõe e nunca com a estreiteza de horizontes de quem possa confundir uma parte com o todo ou as questões de intendência com as opções políticas substantivas.
O povo açoriano – sim, o povo açoriano, “este povo que nasceu do mar”, no verso feliz de João de Melo – pode confiar numa nova geração de políticos dos Açores que, com determinação, querem a autonomia ambiciosamente progressiva e não modestamente dinâmica.
Sem que alterações de especialidade ponham em causa um sentimento geral de aprovação da Proposta de Lei agora em audição, a verdade é que algumas das alterações aprovadas são pálidas soluções, no plano político e jurídico, revelando temores que julgava afastados, num tempo de maturidade autonómica.
Pela sua especial consequência futura, não posso deixar de assinalar a minha discordância em cinco aspectos, alguns dos quais mereceram o acordo do PSD.
No domínio da competência legislativa própria (artigo 36º), a formulação adoptada é manifestamente infeliz e não permite uma clara interpretação da extensão da competência legislativa própria da Região, ao impor como limite negativo as meterias que “não estejam constitucionalmente reservadas aos órgãos de soberania”. Na minha perspectiva, as matérias reservadas aos órgãos de soberania são apenas aquelas compreendidas na reserva legislativa da Assembleia da República (artigos 161º, 164 e 165º) e competência do Governo (artigo 198º, nº 2) da Constituição.
A formulação jurídica utilizada aqui, parece-me insuficiente para afastar a jurisprudência do Tribunal Constitucional – que, quanto às Regiões Autónomas, parece ignorar a letra e o sentido das sucessivas revisões constitucionais – que sempre fez uma interpretação extensiva do conceito de “matérias reservadas”, ampliando o seu âmbito até a matérias que, em nome do carácter unitário do Estado e dos laços de solidariedade entre os portugueses, exigiam a intervenção do legislador nacional.
Já após a revisão constitucional de 2004, o Acórdão 258/07, do Tribunal Constitucional, manteve a interpretação extensiva do conceito de “matérias reservadas”.
Se é verdade que esta interpretação extensiva não se harmoniza com o sentido geral da revisão constitucional de 2004 ou com a possibilidade das Assembleias Legislativas legislarem em matéria de reserva legislativa da Assembleia da República, mediante autorização desta, não é menos verdade que se perdeu uma oportunidade para a confirmação do sentido da revisão constitucional de 2004.
O princípio da preferência do Direito Regional, rejeitado pelo centralismo jacobino e arreigado, transformado em “supletividade da legislação nacional”, revela a modéstia da maioria que o impôs.
O exercício do poder legislativo pela Assembleia Legislativa goza de preferência sobre as normas supletivas editadas pelos órgãos de soberania.
A supletividade recortada nesta Proposta de Lei não pode ser interpretada como cláusula de atribuição de competências à Assembleia da República ou ao Governo, não autorizando a emissão de normas pelo Estado para vigorarem no território da Região, em matérias de exclusiva competência regional, enunciadas no Estatuto.
A formulação original do artigo 14º era juridicamente mais precisa e simbolicamente mais consentânea com a interpretação do processo autonómico conferida pelo povo açoriano.
Em vários artigos – como o votos do PS e do PSD - renasceram as expressões “interesses predominante regionais” (artigo 113º, nº 2), “especial incidência” (artigo 113º, nº 3), “implicações especiais” (artigo 118º, nº 2, aliena a)) que, conceptualmente recordam as declinações do conceito de interesse específico, eliminado pela revisão constitucional de 2004.
A Proposta de Lei dispensava – como sucedia na versão originária aprovada pela Assembleia Legislativa – esta indesejada aproximação que convoca velhos fantasmas interpretativos.
Lamento que, quanto à organização judiciária nos Açores, a maioria socialista, tenha rejeitado a consagração estatutária da existência tribunal de segunda instância na Região.
Os cidadãos, nos Açores, poderiam ter uma justiça mais próxima e mais célere com um tribunal de segunda instância.
Por último, uma breve referência ao aditamento de dois artigos, reproduzindo disposições constitucionais quanto ao Representante da República.
O Representante da República não é um órgão de governo próprio da Região. As suas atribuições e competências estão fixadas na Constituição da República e na Lei que define o seu próprio estatuto.
O Representante da República é uma figura esdrúxula na organização do poder político em cada Região Autónoma.
As disposições aditadas são inúteis para a caracterização das atribuições e competências do Representante da República e não deveriam figurar no Estatuto Político-Administrativo.
A imposição destes dois artigos é um acto quixotesco da maioria socialista.
Desejo que algumas das soluções agora introduzidas na Proposta de Lei não pervertam o seu sentido original nem representem um retrocesso indesejado, por via interpretativa ou jurisprudencial.
Porque acredito numa autonomia progressiva, tendo como limite apenas a unidade do Estado, sei que daremos, no futuro, outros passos no caminho duma melhor governação dos Açores pelo seu povo, reafirmando sempre a divisa inscrita no nosso brasão de armas: “antes morrer livres, do que em paz sujeitos”.
Horta e Sala das Sessões, 21 de Maio de 2008